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Famílias simultâneas, poligamia e o posicionamento do Judiciário brasileiro

Famílias simultâneas e Poligamia

Famílias simultâneas, poligamia e o posicionamento do Judiciário brasileiro

A existência de famílias simultâneas e a poligamia ganhou os noticiários nas últimas semanas em razão de uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Após o falecimento de Antônio – utilizaremos nomes fictícios para explicar o caso concreto – Amanda promoveu ação declaratória de união estável post mortem em face do Espólio do falecido. Até aqui, nenhuma novidade, pois mesmo após o falecimento é perfeitamente possível que o(a) companheiro(a) pretenda o reconhecimento do relacionamento público, contínuo e duradouro, com o intuito de constituir família, antes da ocorrência do óbito.

Na situação julgada pelo TJRS há, no entanto, uma peculiaridade: Antônio mantinha, concomitantemente, um relacionamento com Amanda enquanto estava casado com Patrícia. Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente, com base na – ainda prevalente – jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Segundo a Corte, não é possível o reconhecimento de uniões paralelas ou de união estável concomitante ao casamento. Nessa hipótese, apenas se Antônio estivesse separado de Patrícia, poder-se-ia admitir a configuração da união estável com Amanda.

Em suma, para o STJ, tanto não é possível constituir duas uniões estáveis ao mesmo tempo, como não é possível que uma pessoa casada, não separada de fato, constitua concomitantemente ao casamento uma união estável.

Deve-se ressaltar que embora a legislação (art. 1.723, § 1º, Código Civil) faça referência à separação judicial, “é a separação de fato que viabiliza a caracterização de união estável de pessoa casada” (STJ, REsp 1.754.008/RJ, Rel. Min Luis Felipe Salomão, j. 13/12/2018).

Amanda recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, afirmando que a união com Antônio perdurou por vinte anos, e que não tinha conhecimento de que Antônio permanecia relacionado-se com a esposa. Patrícia, por sua vez, também afirmava desconhecer a relação entre Amanda e Antônio, que faleceu durante uma viagem realizada com os filhos e a esposa.

A partir das provas testemunhais e documentais apresentadas, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manifestou-se pelo reconhecimento da união entre Antônio e Amanda. De acordo com trecho do voto vencedor, caso provada a existência de relação extraconjugal duradoura, pública e com a intenção de constituir família, ainda que concomitante ao casamento e sem a separação de fato configurada, deve ser, sim, reconhecida como união estável, mas desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora dele, o que aqui está devidamente demonstrado[1].

Pelo contexto apresentado, reconheceu-se que Patrícia, ao contrário do alegado, teria conhecimento sobre o relacionamento extra conjugal do marido.

Em outro trecho do voto, registrou-se que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que engloba o Estado do Rio Grande do Sul, já vem decidindo pela possibilidade de rateio do benefício previdenciário de pensão por morte entre cônjuge e companheira quando configurados simultaneamente os dois institutos.

De fato, decisões como essa já foram adotadas por outros tribunais. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, também no ano corrente (2020), reconheceu uma união estável com pedido de pensionamento formulado por companheira, mesmo quando, no período desta união, estava em curso casamento civil. Semelhante ao caso julgado pelo TJRS, entendeu-se que a esposa tinha ciência do relacionamento paralelo do marido, que possuía cinco filhos, sendo um deles fruto do relacionamento com a companheira[2].

Por um lado, há quem considere plausível os pedidos apresentados, pois a realidade fática afetiva deve se sobrepor aos limites abstratos exigidos pela legislação. Para essa corrente, defendida, inclusive, por alguns membros do Instituto Brasileiro de Direito de Família, o “poliamor”, quando aceito pelos envolvidos, permite o afastamento de uma interpretação literal sobre o art. 1.723, § 1º, do Código Civil.

Outra corrente sustenta, além de aspectos morais, o dever de fidelidade recíproca previsto no inciso I do art. 1.566 do Código Civil, e o fato de que muitas mulheres sustentam alguns relacionamentos, cientes das relações paralelas, por dependência econômica e emocional. Não há, de fato, uma aceitação consciente e essa circunstância precisa ser levada em consideração pelo Poder Judiciário.

Parte desse impasse será decidido pelo Supremo Tribunal Federal. O recurso extraordinário n. 1.045.273/SE, com repercussão geral conhecida, trata da possibilidade da divisão da pensão por morte entre dois companheiros, de duas relações estáveis diferentes. A Procuradoria Geral da República se manifestou-se pelo improvimento do recurso, baseada no conceito de exclusividade que deve vigorar entre as relações. Por enquanto, os Ministros Alexandre de Moraes (Relator), Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, negaram provimento ao recurso. O Ministro Alexandre de Morais, a propósito, registrou que diante da equiparação entre a união estável e o casamento, é impossível reconhecer a concomitância dos institutos[3]. Assim, não há como recorrer a simultaneidade entre duas uniões estáveis, as quais são equipadas ao casamento.

Os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio, deram provimento ao recurso. O primeiro ressaltou que o tema levado ao STF restringe-se ao reconhecimento de uma relação paralela e sua possibilidade de gerar efeitos previdenciários, e não outros tantos efeitos jurídicos como o direito à herança. Após pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, o recurso extraordinário, anteriormente pautado para julgamento em dezembro de 2020, foi excluído da pauta[4].

O recurso extraordinário n. 883.168, também com repercussão geral conhecida, discute a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a viúva do casamento e da união estável paralela ao casamento. O RE também está pendente de julgamento, com pedido da Procuradoria Geral da República para o julgamento em conjunto com o RE n. 1.045.273/SE.

No RE n. 883.168, a manifestação da Procuradoria Geral da República busca, de certa forma, conciliar os interesses dos envolvidos. O então PGR, Rodrigo Janot, manifestou-se propondo a adoção da seguinte tese: “É possível o reconhecimento de efeitos previdenciários ao concubinato, quando presentes as condições para sua equiparação à união estável, mas não ao concubinato adulterino”. Confira trecho da manifestação:

“(…) não é qualquer situação que acarretará o reconhecimento de efeitos previdenciários ao concubinato, mas apenas aquelas em que houve real possibilidade de equiparação à união estável. Propõe a Procuradoria-Geral da República que se assente que a possibilidade de reconhecimento jurídico de efeitos previdenciários da relação concubinária, somente quando presentes os requisitos para a equiparação dessa relação à união estável, requisito indispensável para que, em atenção às normas de ordem pública que regem o casamento e a união estável e à inafastabilidade da adoção cogente do regime monogâmico de relações conjugais no ordenamento jurídico brasileiro, seja possível o rateio da pensão militar por morte em 50% (cinquenta por cento) entre a viúva e a companheira do de cujos[5].

O Supremo Tribunal Federal, caso adote o posicionamento pela possibilidade de reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, ainda que exclusivamente para fins previdenciários, certamente criará precedente que permitirá a extensão para outros efeitos jurídicos.

Tatiane Donizetti

PS.: após a publicação desse artigo (07/12/2020), o Supremo Tribunal Federal julgou o RE 1.045.273 (14/12/2020), em que se discutiu  a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a viúva do casamento e da união estável paralela ao casamento. Por votação apertada (6×5), prevaleceu a seguinte tese, defendida pelo Min. Alexandre de Moraes: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.

[1]Inteiro teor disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/tj-rs-reconhece-uniao-estavel-paralela.pdf.

[2]Histórico da decisão disponível em: https://www.ibdfam.org.br/noticias/7500/Uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+simult%C3%A2nea+ao+casamento+%C3%A9+reconhecida+ap%C3%B3s+morte+e+tem+efeitos+jur%C3%ADdicos+assegurados.

[3]Processo em segredo de justiça. Trecho do voto do Relator se encontra disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=Y932RN4-Yqg.

[4]Consulta do andamento processual disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5181220.

[5]Inteiro teor da manifestação disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=310273329&ext=.pdf.

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