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Pandemia e Pandemônio

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Pandemia e Pandemônio

Neste artigo escrevo sobre como está sendo o início dessa pandemia terrível.

Na TV só assisto a filmes. Aprecio aqueles romances com um final feliz. Diariamente repasso os três jornais em versão virtual. Na juventude não perdia nada, principalmente as notícias relacionadas à resistência à ditadura militar. Quando os militares fossem apeados do poder o país cairia nos trilhos – era o pensamento diretor na sombria década de 70. Os militares recolheram-se aos quartéis e voltaram ao comando do país e a impressão que tenho é que as coisas, se não pioraram, tornaram-se mais cinzentas. A mistura da estupidez com a intolerância tem um sabor de caminhar a esmo.

Estamos recolhidos. Eu, minha esposa e a nossa lulu da pomerânia (Nina). Para nós o mundo resume-se a uma tela de computador. Ela nos desperta, chama para o culto matinal, depois aparece o personal trainer ensinando a fazer exercícios com umas borrachas coloridas e lá pelas onze minha esposa colhe uma nova receita na internet ou pede comida pelo aplicativo. E assim nosso dia vai passando. Fora da tela mesmo, só o almoço, o banho e o amor.

Depois da cesta, volto à tela. O trabalho do Escritório, as aulas, o livro… A tarde cai, a noite chega, ouço os panelaços. Há o anti e o pró Bolso. Confesso que não distingo os sons nem a qualidade das panelas. Os dedos da Tati acariciam o piano. “E o futuro é uma astronave/Que tentamos pilotar…”

Há tempo para tudo debaixo do sol. Na mídia nem se fala. Os tiroteios na favela, as enchentes em Minas, a comitiva de Bolso nos EUA. E por falar nisso, o Ronaldinho Gaúcho ainda continua preso no Paraguai? Tudo passa, diz Chico Xavier. Menos o noticiário, digo eu. O time da mídia reforçado. Os trabalhadores estão em casa. 18 horas na frente da telinha. Esse som monocórdio transforma as pessoas em histéricos vermes. Daria tudo por um decreto, cujo artigo primeiro determinasse, sob pena de ter que assistir ao noticiário pelo resto da vida, que todos ficassem recolhidos e calados, inclusive o Bolso, por um ano. Nesse tempo deveriam todos, o primeiro mandatário à frente, refletirem sobre as bobagens que andam dizendo. Mas uma voz ecoa do palácio da justiça: “A liberdade de expressão é o esteio do Estado Democrático de Direito”.

E as notícias sobre o tal Corona pulam na tela do meu computador. Com um movimento de mão afasto um tanto delas e arrasto outras. São mensagens indesejadas ou spams, diz o meu assistente. Duas campanhas são emblemáticas. “O Brasil não pode parar” – essa é liderada pelo Bolso. A outra é encabeçada pelo Doria, com apoio da poderosa Globo, e prega a quarentena absoluta. Aquele quer permanecer no poder e por isso pede que todos saiam da toca e façam a economia girar. Este quer mais poder, sonha com o impeachment presidencial, daí o desejo de que as pessoas se recolham e só voltem para as ruas para bater as panelas vazias. Como não sou massa de manobra, tento afastar tais vírus. Um e outro são muito insistentes. Arredo pra lá e ele volta. Então, dobro o dedo médio, segurando a cabeça dele com o polegar e dou um peteleco. Sai pra lá, sô!

Do apartamento – 29º andar – ouço um alarido. Saio na sacada e vejo a passeata. Oh, pensei que o tal Corona tinha calado as ruas. Na ditadura, uma “otoridade falou, tava falado”. Ou calava ou apanhava. Mas a turma perdeu mesmo o respeito. Os gatos pingados, que pelo barulho, pareciam estar no cio, protestavam contra a redução do número de ônibus nas linhas.  Pelo que pude ouvir, a caravana do arará era composta pelas comunidades Prado Lopes, Pai João e Caxangá. Havia um ônibus por ora; agora, um por dia; dia sim, dia não. Advogado realmente é um bicho esquisito. Quando vi a polícia, com os seus enormes cassetetes, esparramando o aglomerado, fiquei a ponderar: vale o decreto ou a liberdade de expressão? Os cassetetes me fizeram crer que as tais cláusulas pétreas na verdade são de arenito e se esfarelam nas intempéries.

Agora é lei. Todos devem ficar sentadinhos. No transporte fora do município, é poltrona sim, poltrona não. O ônibus comporta 42. Andavam 126. Agora só 21.  Ora, o decreto manda reduzir o número de passageiros nos ônibus. Do que essa turma está reclamando – pensei.

O decreto de-cre-ta que no transporte coletivo municipal passageiro não pode andar em pé. Esqueceram apenas de dizer que as empresas operadoras do sistema não podem reduzir a quantidade de ônibus em circulação. A criatividade jurídico-empresarial encontrou a solução: reduz o número de ônibus e, para compensar, aumenta a lotação. Nesses tempos de corona, pedra, pau e farelo não estão valendo um vintém.

Opa! Alguns decretos pularam na minha tela. Advogado adora leis, então li. Todos falaram bonito. O Doria, o Witzel e também o nosso Zema, que é do Novo.  Um decretou estado de emergência, outro lembrou da calamidade. A depender do tom do decreto, o que fecha e o que abre, a gente sabe se o governante quer que o Bolso fica ou vai embora. Mas o que mais me chamou a atenção foi um decreto do prefeito de um município mineiro. O homem foi duro. Até parece que passou dezoito horas na frente da TV e saiu de casa para assinar o tal ato. No artigo primeiro mandou fechar tudo que estivesse ou que pudesse ficar aberto; no segundo, mandou que todas as pessoas ficassem em casa.

Para finalizar, no terceiro e último artigo, determinou que todos os órgãos municipais continuariam abertos, em pleno funcionamento. Acostumado ao pensamento lógico, fiquei a matutar. Quanta tutela com a saúde dos munícipes. Quanta moralidade. Mas ao mesmo tempo pensei nas contradições. Se todos devem permanecer trancafiados em casa, quem abrirá a repartição? E se abrir, a quem vai atender? Também as consequências do ato do príncipe não escaparam das minhas elucubrações. Quem vai garantir a receita do empresário, o salário dos empregados, quem vai por a comida na mesa? O príncipe que cometeu abusos, que não ponderou adequadamente, os interesses em conflito, para além de afrontar o artigo 486 da CLT, comete improbidade administrativa e vai ter que pagar. Nosso Escritório já foi procurado visando não só o adiamento e decote de tributos, mas também para o ressarcimento de prejuízo que lhes foram causadas por atos às vezes inconsequentes da Administração Pública.

Mas há tantas pérolas que nem cabem neste curto texto.  Proibiram avião de pousar, o banho na praia, a entrada de mineiros no Guarujá. Em se tratando de disputa eleitoral, tempestiva ou não, vale tudo. Quanto mais histrionice melhor. Meu nome é Corona. Nosso lema: derrubar para ocupar.

O Judiciário, por outra motivação, também exagerou na dose. Seguindo a trilha do CNJ, a maioria dos tribunais do país suspendeu os prazos processuais até o dia 30 de abril e estabeleceu o chamado “plantão extraordinário”, interrompendo os trabalhos presenciais, assim como as sessões de julgamento. Nunca imaginei que nós advogados merecêssemos tanto cuidado. Os prazos – pra valer – é só para os causídicos. Mas grande parte dos processos é eletrônico. E, até onde estou informado, a internet não constitui meio adequado para transmissão do temido vírus. Quanto aos processos físicos, estaria disposto a aguardar na fila, com a máscara na cara, até que um servidor da secretaria, igualmente de máscara e protegido por um anteparo de vidro, me atendesse, a fim de fazer a carga requerida. Suspender os prazos para as partes, pode parecer uma baita deferência à nossa classe, mas passa a errônea impressão de que a Justiça diferentemente da saúde, da segurança e do supermercado, não é essencial.

Eximo-me de falar de todos os exageros – para não dizer bobagens – que tenho vivenciado ou tido notícia.  O nosso condomínio, por exemplo, fechou a academia, a quadra, a piscina, as áreas comuns e dispensou os empregados. Abertos mesmo só alguns apartamentos, porque a maioria saiu correndo do vírus. Quando disseram que os condôminos deveriam liberar as empregadas dei um tapa na mesa. Já que a mesa estava socada, aproveitei: alguém aí vai frequentar a academia? A resposta foi um uníssono não. Minha reação foi imediata: então eu vou. Quem não quiser contrair o vírus que não apareça por lá.

Com a graça de Deus, até hoje estou livre desse tal corona. Pelo menos penso que estou. Há muitas décadas sofro com uma rinite alérgica, que aparece com os primeiros ventos do outono e intensifica no inverso. Amanheci espirrando e com uma tosse seca. Pensei até em ir ao hospital, mas fui dissuadido pelo tio Gumercindo. Segundo ele, basta alguns sintomas do vírus, para que a pessoa seja pega à força e presa em uma sala onde estão os suspeitos e os infectados e de lá só sai depois que tiver certeza de que contraiu a doença e se curou. Na ditadura eu tinha muito medo dos soldados, dos coronéis e dos generais. Pelo menos sabia de que lado podia vir a chibatada. Agora tenho medo de tudo e de todos. Do corona, dos governantes que ordena que fiquemos em casa e dos que nos mandam trabalhar. Medo mesmo tenho dos caça-coronas, que vivem à espreita de um espirro ou de uma tosse. É a polícia cívico-coronária.

Quando ouço o noticiário fico até arrepiado. Eu tenho muito medo de contrair esse vírus. E olha que sempre fui destemido. Desde criança eu sofro com esses danados. Ficava de cama por uma semana, febre de 39 graus, tomando chás prescritos pela minha saudosa mãe. Também já tive caxumba, catapora, sarampo, tudo que não presta e é transmitido por esses infelizes. Nunca me preocupei em fazer teste. Mas desta vez o temor desse vírus me fez perambular pelos laboratórios, postos de saúde e hospitais.

Queria muito saber se tenho o tal vírus. Acho que seria a melhor forma de prevenção. Marca um dia para o teste. Pode ser das 8 às 17 horas, nos locais de votação. Todos comparecem. É obrigatório.  Quem estiver infectado, quarentena. Os sãos vão para o trabalho; a folga acabou. Nessa minha andança atrás do teste acabei indo num hospital em Brasília. Estava mesmo por lá, para despachar com um Ministro. Acabei falando com o Ministro por telefone, porque as audiências presenciais foram suspensas. No hospital me disseram que só o presidente da República, Ministros e Generais podiam ser testados. Cheguei a argumentar que eu era Advogado em Minas, mas foi em vão. Aliás, riram de mim.  Se eu quisesse fazer o teste, teria que me infectar e sentir os sintomas. Pode até estar com o corona, mas sem sintoma nada de teste. É ir para casa e aguardar a contaminação.

O argumento para essa contradição é que não há teste para todos. A Coordenação do Coronavirus chegou a informar que providenciara a aquisição de 22 milhões de testes. Mas quando? Ainda estaremos vivos? Nas duas grandes guerras países arregimentaram tudo e todos para a fábrica de armas, canhões e tanques. Cadê os laboratórios, os biólogos, os infectologistas? Ah, um cientista não sei de onde disse que em breve o Brasil terá 186 milhões de infectados (notícia da Folha de São Paulo do dia 27/3). Muita coisa não entendi.  A afirmação desse sabichão é como sentença sem fundamento. Conhecemos o resultado, mas não a motivação. Porque ele não prognosticou logo toda a população. Talvez ele tenha querido ressalvar as pessoas que moram em favelas. Mas na favela temos apenas 11,4 milhões. Cadê os nossos Osvaldos – sim, os cruzes. É uma pena que os governantes tenham cortado as bolsas e insultado os nossos pesquisadores.

Qualquer dia desses falarei das consequências jurídicas dessa infeliz praga. Caso fortuito, força maior, fato do príncipe. Tudo está no nosso radar. Segundo a nossa mídia – que só fala quando tem certeza – temos no Brasil 3.417 infectados pelo Covid-19, que já causou 92 mortes e tem um índice de letalidade de 2,7%. Estamos todos com medo. Temos que nos cuidar. Lavar a mão e tomar água de 15 em 15 segundos é a recomendação de um vídeo que veio de Portugal.

Acho que esse danado vai causar um estrago na saúde e na economia do país. Mas alguma coisa há de deixar de positivo. Até agora ouvi as autoridades tomarem medidas que impliquem passividade da população. A ordem é se esconder debaixo da cama. Mas creio que a partir de agora começarão a exigir que tomemos tento; chega de falatório, queremos ação. É preciso esgotar as águas estancadas, limpar a sujeira, não jogar papel no chão, cuidar dos seus quintais, da horta e do jardim. Atravessar com o sinal fechado e também a falta de educação matam. Haverá multa para todos os contraventores.

Em 2019, o trânsito matou mais de 40 mil; 42 mil foram assassinadas e 6 mil, na maioria velhos e crianças, morreram por desnutrição. E agora, para completar, esse terrível vírus que circula nessa pandemia, que já matou 92. Podemos até lavar as mãos. Mas vamos trabalhar – ainda que em casa, a hortaliça espera por você -, educar nossas crianças, orientar os jovens, ser solidários com os necessitados.

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