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A impenhorabilidade de bens segundo a jurisprudência do STJ

impenhorabilidade de bens

A impenhorabilidade de bens segundo a jurisprudência do STJ

Em regra, todos os bens do devedor, que possuam valor econômico são passíveis de penhora. Isso ocorre porque o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei (art. 789, do CPC/15), que tratam da impenhorabilidade de bens. Por restrições estabelecidas em lei deve-se entender os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis (art. 832, do CPC/15).

Nesse sentido, a inalienabilidade abrange a impenhorabilidade, ou seja, todo bem inalienável é também impenhorável; a recíproca, entretanto, não é verdadeira, porquanto há bens que, embora impenhoráveis, são passíveis de alienação.

A impenhorabilidade de bens ocorre de forma absoluta ou relativa, ou seja, há os bens que não podem ser penhoráveis de maneira alguma, conforme listagem prevista no art. 833 do CPC/15. E, na forma relativa, há a previsão legal de permissão da penhora dos frutos e rendimentos, desde que o executado não possua outros bens livres sobre os quais possa recair a constrição (art. 834, do CPC/15).

São absolutamente impenhoráveis, segundo o art. 833:

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução

Os bens públicos, de qualquer natureza, e o capital garantidor de renda destinada a pagamento de prestação alimentar fixada em decorrência de ato ilícito constituem exemplos de bens inalienáveis e, portanto, impenhoráveis. O bem de família, instituído na forma dos arts. 1.711 a 1.722 do CC, e o recebido em doação com cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade (arts. 1.848 e 1.911 do CC) igualmente não estão sujeitos à penhora.

II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.

Na linha da jurisprudência, positivou-se a impenhorabilidade dos bens móveis, exceto os de elevado valor ou dispensáveis às necessidades do executado e de sua família. Aliás, conforme disposto no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.009/1990, a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, compreende, além de outros bens, os móveis que guarnecem a casa.

A lei não estabelece parâmetros para verificação das circunstâncias excludentes da impenhorabilidade (bens de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida). Cabe ao juiz, em face do caso concreto, sobretudo levando-se em conta as condições das pessoas envolvidas na execução, definir o que deva ser excluído da impenhorabilidade. Um frigobar, instalado na suíte do casal, é penhorável; a geladeira de médio padrão, que guarnece a cozinha da residência, não o é.

III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor.

O intuito do legislador, ao estabelecer a impenhorabilidade de tais bens, é idêntico ao que o norteou na redação do inciso II, ou seja, garantir a sobrevivência digna do executado, o que, a toda evidência, inclui o uso de vestuário e outros objetos de uso pessoal que assegurem um médio padrão de vida. O vestido da socialite, feito pelo costureiro Versace, a um custo de R$ 60 mil, é penhorável; penhorável também é o relógio Rolex, todo em ouro, adquirido por R$ 35 mil.

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º.

Em regra, todo e qualquer numerário recebido em decorrência de relação de trabalho é impenhorável, ou seja, o vencimento percebido pelo funcionário público, o subsídio do membro de poder (magistrados, parlamentares e Presidente da República, entre outros), o soldo do militar, a remuneração do empregado celetista. Igualmente impenhorável é o provento do aposentado, a pensão paga ao dependente do segurado morto, o pecúlio (isto é, a aplicação, a poupança, programada para utilização depois de um determinado tempo ou idade do poupador), o montepio, ou seja, o benefício instituído a favor de terceiro, para ser recebido depois da morte do instituidor. Também não se admite a penhora sobre as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família (tenças), bem como os ganhos do trabalhador autônomo e do profissional liberal.

Excepcionalmente, nos termos do § 2º do art. 833, não se aplica a impenhorabilidade de bens. Tratando de prestação alimentícia, os vencimentos, subsídios, soldos e salários e as outras verbas contempladas no inciso IV poderão ser objeto de constrição. No que tange aos honorários – considerados verbas de caráter alimentar –, a regra era a mesma, ou seja, era possível a penhora de parte da aposentadoria do devedor para cobrança de honorários advocatícios (STJ, REsp 1.732.927/DF, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, j. 12.02.2019).

Utilizamos a expressão “era” porque, recentemente, a Corte Especial do STJ alterou esse entendimento. Embora em apertada a votação (7×6) contrária à tese divulgada na ferramenta “Jurisprudência em Teses”[1], a Corte definiu que as exceções destinadas à execução da prestação alimentícia, como a penhora dos bens descritos nos incisos IV e X do art. 833, e do bem de família (art. 3º, III, Lei 8.009/1990), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, nem às demais verbas apenas com natureza alimentar “sob pena de eventualmente termos que cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos, e a tantas outras categorias” (STJ, REsp 1.815.055/SP, Rel. Min. Nancy. Andrighi, j. 03.08.2020, DJe 26.08.2020).

Em seu voto a Min. Relatora destacou que a expressão “verba de natureza alimentar” e “prestações alimentícias” não se equivalem. Portanto, ao excepcionar a regra da impenhorabilidade das verbas remuneratórias, o legislador fez referência apenas aos alimentos decorrentes do direito de família. A equiparação dos honorários a verba alimentar tem o objetivo apenas de incluí-los no rol do art. 100, §1º da CF/88, permitindo o recebimento de precatório ou RPV em fila preferencial. Fizemos um artigo sobre esse entendimento que foi divulgado em um dos Informativos do Escritório. Para acesso: https://www.elpidiodonizetti.com/#informativos (Informativo n. 01 – Dezembro de 2020).

Temos, ainda, exceção referente às verbas que ultrapassem o limite de 50 salários mínimos. Qualquer que seja a natureza da obrigação, admite-se a penhora do que exceder a esse limite. Em suma: prestação alimentícia de qualquer origem: podem-se penhorar as importâncias mencionadas no inciso IV, qualquer que seja o montante. Outras prestações: pode-se penhorar o que exceder a 50 salários mínimos mensais das importâncias mencionadas no inciso IV.

É importante lembrar que, a depender do caso concreto, os tribunais superiores vêm relativizando a regra da impenhorabilidade prevista neste inciso. Há vários julgados do STJ no sentido de ser possível a penhora das verbas salariais do devedor para pagamento de outras dívidas, além da prestação alimentícia, desde que essa penhora preserve um valor que seja suficiente para o devedor e sua família continuarem vivendo com dignidade (STJ, EREsp 1.582.475-MG, Corte Especial. Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 03.10.2018).

V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos, ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado.

O inciso V do art. 649 do CPC/1973, que corresponde ao dispositivo em exame, originariamente orientou-se no sentido de proteger a pessoa física, enquanto profissional. O microcomputador do advogado, a plaina do marceneiro e o automóvel do taxista constituem exemplos de bens impenhoráveis.

Apesar disso, a jurisprudência já estendeu essa impenhorabilidade aos bens da microempresa e da empresa de pequeno porte. Nesse sentido:

“[…] O eg. STJ vem estendendo a impenhorabilidade a que se refere o art. 649, V, CPC, aos bens da microempresa e da empresa de pequeno porte: REsp 512555/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, in DJ de 24.05.2004; REsp 156181/RO, Rel. Min. Waldemar Zveiter, in DJ de 15.03.1999. […] Trata-se, pois, de pequeno empresário e constato que os bens penhorados são realmente úteis ao exercício da sua atividade, pois o balcão serve para a conserva dos produtos destinados à venda, a prateleira para a exposição dos mesmos produtos e a estufa para exposição e conserva de alguns alimentos (salgados) destinados à venda. Logo, realmente em nome do princípio do menor sacrifício ao executado que norteia o processo de execução, tais bens estão mesmo acobertados pelo manto da impenhorabilidade […]” (TRF 1ª Região, AC 00446682720094019199, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Reynaldo Fonseca, j. 24.02.2015, Data de Publicação: 06.03.2015).

Para o reconhecimento da impenhorabilidade de bens com fundamento no art. 833, V, necessária a demonstração específica da utilidade do bem à atividade profissional do executado. Em outras palavras, se o devedor comprovar que o automóvel indicado à penhora ou já penhorado é utilizado como seu instrumento de trabalho, o juiz deverá determinar a desconstituição da penhora, a suspensão da alienação ou da adjudicação do bem. A jurisprudência corrobora com esse entendimento:

“Processual civil. Exceção de pré-executividade. Impenhorabilidade de bem. Art. 649, V, do CPC. Demonstração da utilidade do bem ao exercício de profissão. Insuficiência. 1. Cabe ao executado, ou àquele que teve um bem penhorado, demonstrar que o bem móvel objeto de constrição judicial enquadra-se nessa situação de ‘utilidade’ ou ‘necessidade’ para o exercício da profissão. Caso o julgador não adote uma interpretação cautelosa do dispositivo, acabará tornando a impenhorabilidade a regra, o que contraria a lógica do processo civil brasileiro, que atribui ao executado o ônus de desconstituir o título executivo ou de obstruir a satisfação do crédito (REsp 1196142/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 05.10.2010, DJe 02.03.2011). 2. Com efeito, para reconhecer a impenhorabilidade do bem, nos termos do art. 649, V, do Código de Processo Civil, impositivo que fique demonstrada a utilidade específica para a atividade profissional desempenhada pelo executado, o que não ocorreu no caso, onde devidamente certificado por oficial de justiça, ficou demonstrado que o recorrente não estava utilizando o referido bem em suas atividades profissionais. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no AREsp 508.446/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. 05.06.2014).

De acordo com o CPC/2015, incluem-se nessa hipótese de impenhorabilidade de bens “os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária” (art. 833, § 3º). Nesse ponto entendo que houve consolidação do entendimento dos tribunais superiores,[2]  para quem a impenhorabilidade deve ser estendida aos bens necessários à realização da atividade do pequeno produtor rural. Vale lembrar que, de acordo com a regra constante no § 1º do art. 833, a impenhorabilidade só prevalece quando os equipamentos, implementos e máquinas agrícolas não estiverem financiados ou vinculados como garantia à operação destinada à sua aquisição.

VI – o seguro de vida.

O dispositivo corresponde ao inciso VI do art. 649 do CPC/1973, sobre o qual a jurisprudência assentou entendimento de que não se pode estabelecer qualquer distinção sobre o evento pelo qual o seguro de vida foi pago, se morte ou invalidez, uma vez que em ambas as hipóteses o fundamento da impenhorabilidade recai sobre a natureza alimentar da verba. Por outro lado, não se faz distinção entre ser o executado o beneficiário do seguro ou o próprio segurado (no caso de cobertura securitária por invalidez). Igualmente irrelevante é perquirir se a indenização securitária já se incorporou ou não diretamente ao patrimônio do beneficiário. Impenhorável é o seguro de vida ainda não recebido e aquele que o segurado (não morto, obviamente) ou o beneficiário já recebeu. Naturalmente deve haver coincidência entre as pessoas do executado e daquele que recebeu ou vai receber o valor do seguro.[3]  “(…) Penhora que recaiu sobre valores em conta-corrente advindos de prêmio de seguro de vida. Tratando-se de prêmio auferido pelo beneficiário, em virtude de seguro de vida, tais valores são absolutamente impenhoráveis, não importando se integram ou não integram o patrimônio jurídico da pessoa beneficiada (…).”[4]

VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas.

Embora os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservem sua qualidade de móveis (art. 84 do CC), o legislador achou por bem atribuir-lhes a qualidade de impenhoráveis, exceto se a obra à qual se destinam já se encontrar penhorada.

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.

De acordo com a jurisprudência do STJ, “para saber se o imóvel possui as características para enquadramento na legislação protecionista é necessário ponderar as regras estabelecidas pela Lei nº 8629/93 que, em seu artigo 4º, estabelece que a pequena propriedade rural é aquela cuja área tenha entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais” (REsp 1.284.708/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ 09.12.2011).

Também de acordo com o STJ, deve-se levar em consideração se a propriedade é, ou não, fonte de subsistência familiar. Isso porque a legislação prevê a necessidade de a propriedade ser “trabalhada pela família”. Assim, quando os titulares do domínio sequer residirem na comarca nem o bem for trabalhado pela família, a impenhorabilidade deve ser afastada. Nesse sentido: REsp 469.496/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 01.09.2003. “Destaque-se, por relevante, que conjugando as normas constitucional e infraconstitucional, as Turmas da Seção de Direito Privado desta Corte firmaram as seguintes orientações: para o reconhecimento da impenhorabilidade, não é necessário que o débito exequendo seja oriundo da atividade produtiva, tampouco que o imóvel sirva de moradia do executado e de sua família (REsp 1591298/RJ, DJe 21/11/2017; AgInt no REsp 1177643/PR, DJe 19/12/2019).”, suscitou a relatora.

Ressalte-se que a impenhorabilidade da pequena propriedade rural já era prevista no art. 5º, XXVI, da CF. De forma que, desde 1988, a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, não podia ser objeto de penhora, nem mesmo para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva.

Conforme precedente do STJ, para obter o reconhecimento da impenhorabilidade, fica o agricultor executado incumbido apenas com o ônus de provar que seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural. Nesse sentido, argumentou a ministra relatora no REsp 1.913.236-MT, “Não há dúvidas de que incumbe ao devedor comprovar que a propriedade penhorada não ultrapassada quatro módulos fiscais (REsp 1.408.152/PR, DJe 02/02/2017). Entretanto, ainda há controvérsia sobre se cabe ao exequente ou ao executado demonstrar que a pequena propriedade é trabalhada pela família.”

O STJ, em relação a exigência da prova de que a propriedade é trabalhada pela família, admitia a existência da presunção de que pelas dimensões do imóvel, sua exploração estaria a cargo do familiar, “sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência (NCPC, art. 375)” (REsp 1408152/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 02/02/2017). Frente a essa presunção juris tantum, o exequente teria que demonstrar a inocorrência da exploração familiar da terra. Contudo, no julgamento do no REsp 1.913.236-MT, afastou-se essa presunção, transferindo para o executado o ônus de comprovar não só que a propriedade se enquadra no conceito legal de pequena propriedade rural, como também que o imóvel penhorado é voltado à exploração para subsistência familiar. Com isso, o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e, cabe ao réu demonstrar o fato extintivo, impeditivo ou modificativo desse direito (art. 373, do CPC/15). Assim, sendo a impenhorabilidade fato constitutivo do direito do executado, é sobre ele que recai o encargo de comprovar os requisitos necessários ao seu reconhecimento. Nessa perspectiva, o devedor possui também o ônus de provar que a propriedade rural é trabalhada pela família.

Ressalte-se também a distinção entre duas regras decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana: a regra da impenhorabilidade do bem de família e a da impenhorabilidade da pequena propriedade rural. As duas regras não podem ser confundidas, pois tutelam bens jurídicos distintos. A impenhorabilidade quanto ao bem de família volta-se à proteção do direito à moradia, já a impenhorabilidade da pequena propriedade rural busca assegurar um patrimônio mínimo necessário a sobrevivência da família.

Nesse segmento, não é exigido do executado fixar residência no imóvel. O fundamento do benefício constitucional volta-se para a garantia da fonte de subsistência do produtor rural e de sua família. Por isso que não se pode condicionar essa forma de impenhorabilidade à comprovação de residência do pequeno proprietário rural no imóvel.

Noutro giro, acerca da necessidade de o bem penhorado ser o único imóvel de propriedade do executado, a Corte firmou o entendimento que essa condição além de não estar prevista em lei, é incompatível com o viés protetivo que norteia o preceito legal arguido e o art. 5º, XXVI, da CF/88.

IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social.

Atendidos os requisitos legais, instituições privadas que atuem em atividades típicas do Estado, como educação, saúde e assistência social, podem receber recursos públicos. Tais recursos, até em razão de sua natureza (públicos), são impenhoráveis, embora já liberados pelo poder público e creditados na conta bancária da instituição.

X – até o limite de 40 salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

Com relação a este inciso, a 3ª Turma do STJ, em decisão unânime, entendeu que a impenhorabilidade aqui prevista refere-se ao montante de 40 salários mínimos, considerando a totalidade do valor depositado em caderneta de poupança, independentemente do número de cadernetas titularizadas pelo devedor. No caso em análise, o devedor mantinha várias aplicações da mesma natureza e o valor total superava o permitido em lei.

Assim, “para a realização da penhora de poupança, deve-se apurar o valor de todas as aplicações em caderneta de poupança titularizadas pelo devedor e realizar a constrição apenas sobre o valor que exceder o limite legal de 40 salários mínimos” (STJ, REsp 1.231.123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02.08.2012).

Importante frisar que, apesar de algumas decisões em sentido contrário, no final de 2014 o STJ reafirmou a tese que considera ser impenhorável a quantia de 40 salários mínimos mesmo que ela esteja depositada em mais de um fundo de investimento (ou caderneta de poupança). Em termos práticos, caso o devedor possua mais de um fundo de investimento, todas as respectivas contas devem ser consideradas impenhoráveis, até o limite global de 40 salários mínimos. Nesse sentido:

“[…] A norma do inciso X do art. 649 do CPC merece interpretação extensiva, de modo a permitir a impenhorabilidade, até o limite de quarenta salários mínimos, de quantia depositada não só em caderneta de poupança, mas também em conta-corrente ou em fundos de investimento, ou guardada em papel-moeda. Dessa maneira, a Segunda Seção admitiu que é possível ao devedor poupar, nesses referidos meios, valores que correspondam a até quarenta salários mínimos sob a regra da impenhorabilidade. Por fim, cumpre esclarecer que, de acordo com a Terceira Turma do STJ (REsp 1.231.123-SP, DJe 30.08.2012), deve-se admitir, para alcançar esse patamar de valor, que esse limite incida em mais de uma aplicação financeira, na medida em que, de qualquer modo, o que se deve proteger é a quantia equivalente a, no máximo, quarenta salários mínimos” (STJ, EREsp 1.330.567/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.12.2014, DJe 19.12.2014).

XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei.

O direito à participação no fundo partidário é uma garantia constitucionalmente assegurada aos partidos políticos (art. 17, § 3º, da CF/1988). A vedação prevista no inciso XI tem por objetivo, principalmente, evitar que as dívidas contraídas por diretórios estaduais e municipais (ou seja, órgãos partidários específicos) prejudiquem o partido como um todo, o que invariavelmente ocorria na medida em que os juízes determinavam a penhora dos recursos do fundo partidário por atos praticados por um diretório estadual ou municipal.

Nos termos da jurisprudência do STJ, esses recursos são absolutamente impenhoráveis, inclusive na hipótese em que a origem do débito esteja relacionada às atividades previstas no art. 44 da Lei nº 9.096/1995 – manutenção das sedes e serviços do partido, propaganda doutrinária e política, alistamento e campanhas eleitorais etc. Veja:

“[…] Recursos do fundo partidário são absolutamente impenhoráveis, inclusive na hipótese em que a origem do débito esteja relacionada às atividades previstas no art. 44 da Lei 9.096/1995. O inciso XI do art. 649 do CPC enuncia que: ‘São absolutamente impenhoráveis: […] XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político’. A expressão ‘nos termos da lei’ remete à Lei 9.096/1995, a qual, no art. 38, discrimina as fontes que compõem o fundo partidário. Nesse contexto, os recursos do fundo são oriundos de fontes públicas – como as multas e penalidades, recursos financeiros destinados por lei e dotações orçamentárias da União (art. 38, I, II e IV) – ou de fonte privada – como as doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do fundo partidário (art. 38, III). A despeito dessas duas espécies de fontes, após a incorporação das somas ao fundo, elas passam a ter destinação específica prevista em lei (art. 44 da Lei 9.096/1995) e a sujeitar-se a determinada dinâmica de distribuição, utilização e controle do Poder Público (arts. 40 e 44, § 1º, da Lei 9.096/1995 c/c o art. 18 da Resolução TSE 21.841/2004) e, portanto, a natureza jurídica dessas verbas passa a ser pública ou, nos termos do art. 649, XI, do CPC, elas tornam-se recursos públicos. Tais circunstâncias deixam claro que o legislador, no art. 649, XI, do CPC, ao fazer referência a ‘recursos públicos do fundo partidário’, tão somente reforçou a natureza pública da verba, de modo que os valores depositados nas contas bancárias utilizadas exclusivamente para o recebimento dessa legenda são absolutamente impenhoráveis. Nesse sentido, o TSE, que possui vasta jurisprudência acerca da impossibilidade do bloqueio de cotas do fundo partidário, não faz distinção acerca da origem dos recursos que o constitui, se pública ou privada, tratando-o como um todo indivisível e, como dito, de natureza pública (AgR-AI 13.885-PA, DJe 19.05.2014 e AgR-REspe 7.582.125-95-SC, DJe 30.04.2012). O fundamento para a impenhorabilidade é o mesmo aplicável à hipótese de recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde, ou assistência social (art. 649, IX, do CPC): a preservação da ordem pública, até porque o fundo partidário está relacionado ao funcionamento dos partidos políticos, organismos essenciais ao Estado Democrático de Direito. Destaca-se, por fim, que a conclusão de que a origem do débito, se relacionada com as atividades previstas no art. 44 da Lei 9.096/1995, seria capaz de afastar a previsão contida no art. 649, XI, do CPC, é desacertada, pois, na realidade, ela descaracteriza a absoluta impenhorabilidade ora em questão” (STJ, REsp 1.474.605/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07.04.2015, DJe 26.05.2015).

XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

À vista da sistemática já existente nos arts. 31-A a 31-F da Lei nº 4.591/1964 (Lei das Incorporações Imobiliárias), o CPC/2015 também prevê que o patrimônio de afetação não sofrerá constrição, sob pena de se desconfigurar a sua própria finalidade, que é garantir a entrega das unidades imobiliárias aos futuros adquirentes (consumidores). Em outras palavras, em virtude do regime de vinculação de receitas estabelecido pela Lei nº 4.591/1964, com as modificações trazidas pela Lei nº 10.931/2004, os créditos correspondentes às prestações devidas pelos adquirentes das unidades imobiliárias em construção somente servirão para a execução da obra, e não para garantir o pagamento de credores da entidade incorporadora por meio de demanda executiva.

Pois bem. Os incisos do art. 833 preveem casos de impenhorabilidade absoluta, mas os seus parágrafos trazem duas importantes exceções:

1ª – A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para a sua aquisição.

O CPC/1973 dispunha que a impenhorabilidade não poderia ser oposta pelo devedor quando se tratasse de crédito para a aquisição do próprio bem (art. 649, § 1º). Estavam inseridas nesse contexto, por exemplo, as dívidas relativas ao crédito para financiar a construção ou aquisição de bem imóvel.

A interpretação literal do dispositivo constante no Código anterior não permite, no entanto, que se estenda a penhorabilidade às demais dívidas relativas aos bens. Até mesmo aplicando as regras constantes da Lei nº 8.009/1990, que tratam do bem de família, não se pode concluir que toda e qualquer dívida relativa ao bem é capaz de fundamentar o ato de penhora. No caso de despesas condominiais, por exemplo, como não havia previsão expressa no CPC/1973 nem na Lei nº 8.009/1990, fica a dúvida quanto à possibilidade (ou não) de penhora.

Com o Código atual essa dúvida será sanada, porquanto a impenhorabilidade de bens não será oponível na execução de dívida relativa ao próprio bem. Sendo assim, além das dívidas de IPTU e de hipoteca (já previstas como exceções à impenhorabilidade pela Lei nº 8.009/1990 – art. 3º, IV e V), também estão no rol de exceções as despesas condominiais (ordinárias ou extraordinárias). Ressalte-se que essa nova disposição vai ao encontro do entendimento do Superior Tribunal de Justiça.[5]

2ª – Os incisos IV e X do art. 833 não se aplicam à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como as importâncias excedentes a 50 salários mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto nos arts. 528, § 8º, e 529, § 3º.

O dispositivo contempla duas exceções à impenhorabilidade. A primeira exceção leva em conta a natureza da obrigação. Tratando-se de prestação alimentícia, pouco importa se decorrente da relação de parentesco ou de ato ilícito (alimentos indenizatórios),[6] os vencimentos, subsídios, soldos e salários e as outras verbas contempladas no inciso IV são penhoráveis, desde que o exequente opte pela modalidade de cumprimento da sentença consistente na expedição de mandado de penhora no caso de não pagamento voluntário do débito alimentar. Para tal finalidade – satisfazer obrigação de prestar alimentos –, também os depósitos em caderneta de poupança (inciso X), qualquer que seja o valor, podem ser penhorados.

Outra exceção refere-se às verbas mencionadas no inciso IV – por exemplo, salários – que ultrapassem o limite de 50 salários mínimos. Qualquer que seja a natureza da obrigação, admite-se a penhora do que exceder a esse limite. Em suma:

(i)   Prestação alimentícia de qualquer origem: podem-se penhorar as importâncias mencionadas no inciso IV e a quantia depositada em caderneta de poupança, qualquer que seja o montante.

(ii)  Outras prestações: pode-se penhorar o que exceder a 50 salários mínimos mensais das importâncias mencionadas no inciso IV (salário, por exemplo), bem como a quantia depositada em caderneta de poupança na parte que sobejar ao equivalente a 40 salários mínimos.

A impenhorabilidade de bens é relativizada pelo art. 834, segundo o qual podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis.

Importante frisar que o CPC/1973 estabelecia no dispositivo correspondente (art. 650) a seguinte regra: “podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação da prestação alimentícia”. Como o Código atual não repete a parte em destaque, deve-se entender que a existência de outros bens do executado impedirá a penhora de frutos e rendimentos dos bens inalienáveis ainda que o objeto da execução esteja relacionado à satisfação de prestação alimentícia. O objetivo da norma é dar preferência aos bens do executado, e não aos frutos e rendimentos advindos desses bens.

Como já evidenciado, todo bem inalienável é impenhorável. Assim, se em certos casos admite-se a penhora de frutos e rendimentos de bens inalienáveis (bens gravados com cláusula de inalienabilidade, por exemplo), com muito mais razão se admite a penhora dos frutos e rendimentos dos bens impenhoráveis. Nesse caso, diz-se que o bem é relativamente impenhorável.

A alegação de que determinado bem é impenhorável pode ser feita a todo tempo, mediante simples petição e independentemente de apresentação de embargos à execução.

Elpídio Donizetti

*Imagem: Canvas   

[1] “Os honorários advocatícios têm natureza alimentar, sendo possível a penhora de verbas remuneratórias para o seu pagamento”.

[2]           Exemplo: “Agravo de instrumento. Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Maquinário agrícola (trator). Bem essencial à atividade do produtor rural. Cominação de multa diária. Possibilidade. Dispõe o art. 3º do Decreto-lei nº 911/69 que o credor fiduciário tem o direito de reaver o bem que se encontra na posse do devedor em mora. Notificação/protesto não questionados. Porém, no caso concreto, em se tratando de maquinário agrícola que constitui bem essencial ao desempenho da atividade econômica do agricultor, é justificável permaneça o devedor na posse do bem […]” (TJRS, AI 70050853217/RS, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Miriam A. Fernandes, j. 19.09.2012).

[3]     Conforme TJMG, Agravo de Instrumento 1.0220.10.001397-2/001, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Wagner Wilson, j. 26.06.2014.

[4]     TJMG, Agravo de Instrumento 70046650453, 15ª Câmara Cível, Rel. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, j. 24.01.2012.

[5]     “Processual civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Violação do art. 535 do CPC. Não configuração. Fundamentação deficiente. Súmula nº 284/STF. Bem de família. Despesas condominiais. Penhorabilidade. Possibilidade. 1. Quando o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, não há ofensa ao artigo 535 do CPC. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte. 2. Alegação genérica de ofensa a lei federal é insuficiente para delimitar a controvérsia, sendo necessária a especificação do dispositivo considerado violado, conforme disposto na Súmula nº 284 do STF. 3. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo de que é permitida a penhora do bem de família para assegurar pagamento de dívidas oriundas de despesas condominiais do próprio bem está em sintonia com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça. Aplicação da Súmula 83 do STJ. 4. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no Ag 1.041.751/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 06.04.2010).

[6]     A jurisprudência já acolhia esse entendimento (STJ, REsp 1.186.225/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 04.09.2012).

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