Sempre que houver necessidade de conhecimento técnico ou científico específico para esclarecer determinados fatos da causa, poderá o juiz se valer da prova pericial, seja de ofício ou mediante requerimento das partes (art. 370). Trata-se, portanto, de meio de prova destinado a auxiliar o magistrado a solucionar o litígio, já que não se pode lhe exigir o conhecimento pleno sobre todas as ciências humanas e exatas.
O perito é considerado auxiliar da justiça (arts. 149 e 156), razão pela qual também está sujeito aos motivos de impedimento e suspeição (art. 148, II).
Para figurar como perito, o profissional deve estar previamente inscrito em cadastro mantido pelo Tribunal ao qual o juiz estiver vinculado (art. 156, § 1º). Além disso, os peritos devem ser submetidos a avaliações periódicas, as quais subsidiarão a atualização desse cadastro. Essa é uma das inovações trazidas pelo CPC/2015, já que a regra prevista no Código de 1973 (art. 145) possibilitava a livre nomeação do perito pelo juiz.
De todo modo, na localidade onde não houver profissional inscrito no cadastro disponibilizado pelo Tribunal, a nomeação do perito será de livre escolha do juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.
Tanto o CPC/1973 (art. 420) quanto o CPC/2015 (art. 464) classificam a prova pericial em: exame, vistoria e avaliação. Exame é a inspeção realizada por perito para cientificar-se acerca da existência de algum fato ou circunstância que interesse à solução do litígio. O exame pode ter por objeto coisas móveis, semoventes, livros comerciais, documentos e papéis em geral, e até mesmo pessoas (exame de DNA em ação de investigação de paternidade, por exemplo). Vistoria é o exame que recai exclusivamente sobre bem imóvel. Avaliação, por sua vez, é a perícia destinada a verificar o valor de determinado bem, direito ou obrigação.
Se as circunstâncias demonstrarem ser desnecessário tal meio de prova, poderá o juiz utilizar as regras de experiência, acessíveis a todos pela observação do que ordinariamente acontece (art. 375), ou, ainda, promover, ex officio, a inspeção de pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa (art. 481). Isso não quer dizer que o juiz pode substituir-se ao perito. Havendo necessidade de conhecimento especializado, o exame pericial deve ser deferido, sob pena de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
O Código atual repete a redação do Código de 1973 no que se refere às hipóteses de indeferimento da prova pericial (art. 420, I a III, do CPC/1973; art. 464, § 1º, I a III, CPC/2015). A primeira está relacionada com a necessidade da prova. Como já dito, se a prova não depender de conhecimento especializado (cálculos aritméticos, por exemplo), poderá o juiz indeferir o pedido sem que isto caracterize cerceamento de defesa. Também se mostrará desnecessária a perícia quando outras provas já produzidas no processo forem suficientes para formar o convencimento do juiz. Nesse caso, fica a dúvida: como outra prova pode substituir essa prova técnica? Entendo que a hipótese prevista no inciso II só tem aplicabilidade prática se as partes já tiverem apresentado laudos particulares na petição inicial ou na contestação e estes laudos forem suficientes para solucionar eventuais dúvidas do julgador. De toda forma, prevalece na jurisprudência a possibilidade de desconsideração do laudo pericial pelo juiz com base em outras provas:
“A preferência do julgador por determinada prova insere-se no livre convencimento motivado e não cabe compelir o magistrado a colher com primazia determinada prova em detrimento de outras pretendidas pelas partes se, pela base do conjunto probatório tiver se convencido da verdade dos fatos” (STF. Plenário. RE 567.708/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, j. 08.03.2016 (Info 817)).
Outra hipótese de dispensa da prova pericial é a verificação impraticável do fato (inciso III). Nesse caso a impossibilidade pode ocorrer quando tiver desaparecido o objeto, quando ele se revelar física ou juridicamente inacessível ou quando a verificação do fato a ser provado depender de recursos – científicos, por exemplo – que ainda não estejam disponíveis. Em todos os casos de indeferimento o juiz deverá fundamentar a sua decisão.[1]
A prova pericial poderá, também, ser dispensada quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que o juiz considerar suficientes (art. 472). Assim como já defendia que na sistemática anterior o juiz tivesse cautela ao utilizar esse dispositivo – o art. 472 é mera repetição do art. 427 do CPC/1973 –, mantenho a posição no sentido de que a dispensa deve ser limitada às situações nas quais não haja impugnação fundamentada acerca da conclusão proferida no laudo apresentado por uma das partes. Como não se pode exigir uma atuação parcial dos litigantes, não é difícil imaginar a existência de laudos particulares com manifestações ou constatações tendenciosas a uma das partes.
O CPC traz, nos §§ 2º a 4º do art. 464, novidades em relação à sistemática anterior. Tais dispositivos regulam a possibilidade de ser utilizado o recurso de prova técnica simplificada, de ofício ou a requerimento das partes, quando o ponto controvertido for menos complexo. Nesse caso, a perícia será substituída pela inquirição de especialista, com formação acadêmica específica na área objeto do assunto.
A realização de prova técnica simplificada independerá da confecção de laudo pericial. Caberá ao juiz apenas inquirir o perito, na audiência de instrução e julgamento, sobre os fatos que demandem conhecimento especializado. Os assistentes também podem ser admitidos, assim como a formulação de quesitos orais, que serão esclarecidos na própria audiência. Note que esta simplificação já podia ser vista na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995), mais precisamente no art. 35.[2]
Não sendo o caso de prova técnica simplificada (art. 464, §§ 2º a 4º), o juiz deverá nomear o perito dentre aqueles cadastrados na forma do art. 156, fixando, desde logo, prazo para entrega do laudo.
Objetivando estimular a solução consensual dos conflitos, o CPC/2015 apresentou interessante inovação no que tange à produção da prova pericial (art. 471). Poderão as partes, desde que plenamente capazes, acordar a escolha do perito. Para tanto, deverão apresentar requerimento ao juiz, indicando não só o especialista, mas, também, os eventuais assistentes. Além disso, deverão indicar a data e o local para realização da prova. Recebido o requerimento, o juiz apresentará prazo para entrega do laudo pelo perito e pelos assistentes. A perícia consensual substituirá, para todos os efeitos, a perícia judicial. Não há, pelo menos até aqui, qualquer distinção entre a perícia realizada mediante consenso e aquela determinada pelo juiz.
As diferenças entre as perícias judicial e consensual são basicamente duas: (i) o perito escolhido pelas partes não precisa estar cadastrado no tribunal (art. 156, § 1º) e (ii) as partes não poderão questionar eventual suspeição ou imparcialidade do profissional. Quanto à possibilidade de impugnação do laudo, “a previsão de escolha de assistentes técnicos já é um indicativo de que as partes podem questionar o laudo pericial. Mas nada impede que, no próprio negócio de escolha do perito, haja uma cláusula em que as partes renunciam ao direito de impugnar o laudo pericial”.[3]
Como já dito, o prazo para entrega do laudo não fica a critério das partes. Deve o juiz fixá-lo tão logo tome conhecimento da indicação. Caso o laudo não seja entregue, a sanção prevista no § 1º do art. 468 poderá ser aplicada pelo juiz. É que, apesar de o profissional ter sido indicado pelas partes, a inexecução do trabalho trará prejuízos não somente para as partes, mas para a própria atividade jurisdicional. Nada obsta que as partes prejudicadas também demandem em ação autônoma contra o perito.
Em relação ao procedimento, as partes serão intimadas do despacho de nomeação do perito e, no prazo de quinze dias (art. 465, § 1º)[4] contados desse despacho, indicarão seus assistentes técnicos, seus quesitos e, se for o caso, arguirão a suspeição ou o impedimento do especialista. Segundo entendimento jurisprudencial,[5] o referido prazo não é preclusivo. Sendo assim, as partes poderão indicar seus assistentes e formular os quesitos até o momento do início da realização da perícia.
Nos termos do § 2º do art. 465, o perito deverá ser regularmente cientificado de sua nomeação e, uma vez intimado, terá o prazo de cinco dias para apresentar proposta de honorários, contatos profissionais para fins de intimação e currículo. As duas últimas informações – contatos e currículo – só serão necessárias quando o perito for escolhido pelas partes (art. 471) ou quando não for integrante do cadastro mantido pelo tribunal. Isso porque, quando se tratar de perito cadastrado pelo tribunal, já estarão disponíveis para consulta por parte dos interessados os documentos exigidos para habilitação. Entre esses documentos certamente já estarão os contatos do perito e as informações que atestem a sua especialização.
No que concerne aos honorários, cumpre salientar que no CPC/1973 não havia nenhuma previsão quanto ao procedimento para fixação da remuneração do perito. As disposições do Código atual preenchem uma lacuna e acabam por positivar o que normalmente acontece na prática forense.
As partes poderão manifestar-se a respeito da proposta apresentada pelo perito no prazo comum de cinco dias (art. 465, § 3º). As disposições que tratam do ônus relativo ao pagamento dos honorários periciais estão previstas no art. 95. A regra geral é os honorários deverão ser pagos por aquele que requereu a modalidade probatória, cabendo rateio nos casos de exigência ex officio ou requerida por ambas as partes.
Se as partes concordarem, o juiz deverá determinar que uma parcela dos honorários seja depositada de imediato. O pagamento do restante será efetuado quando, encerrada a perícia, o perito entregar o laudo e prestar os esclarecimentos necessários (art. 465, § 4º). Frise-se que esse mesmo procedimento deve ocorrer quando as partes não se manifestarem no prazo indicado, hipótese em que ocorrerá aceitação tácita da proposta de honorários.
Se, por outro lado, as partes não concordarem com o valor, caberá ao juiz estipular a remuneração que entender razoável. Para tanto, deve o magistrado levar em consideração a complexidade da perícia, o tempo que será despendido, o costume do lugar e a qualidade do objeto que será periciado (art. 596 do CC). Após a fixação do valor, as partes serão intimadas para adiantar o pagamento, na forma do já mencionado art. 95.
Caso a perícia se mostre inconclusa, deficiente ou incompleta, o juiz poderá reduzir o valor arbitrado e, consequentemente, o restante do valor que a parte deveria pagar (art. 465, § 5º). Nesse caso o que ocorre é uma reavaliação por parte do magistrado quanto ao trabalho efetivamente realizado pelo perito.
Nos termos do § 6º do art. 465, se a perícia precisar ser feita em outra comarca, o procedimento será realizado por meio de carta precatória (art. 237, III). Caso a perícia deva ser feita em jurisdição de estado estrangeiro, a carta rogatória (art. 237, II) será utilizada. Nas duas hipóteses a nomeação do perito e a indicação dos assistentes poderão ser feitas no mesmo juízo em que a perícia for requisitada.
Ressalte-se que é pressuposto para a realização da perícia a prévia ciência das partes acerca da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova (art. 474). Diante da importância da prova pericial, em não havendo intimação das partes, poderão os seus respectivos advogados suscitar a nulidade da perícia.[6] Essa nulidade, no entanto, não é absoluta, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça que materializa a máxima francesa pas de nullité sans grief.[7]
A cientificação das partes e dos assistentes para o acompanhamento das diligências não é incumbência do juiz, mas do próprio perito. É ele que irá informar, por qualquer meio idôneo, a data do início das diligências. O que o Código exige é que essa cientificação seja comprovada nos autos (art. 466, § 2º). Ressalte-se que esta exigência não encontra correspondência no CPC/1973.
Durante toda a diligência as partes poderão apresentar quesitos, que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento. O CPC/1973 permitia a apresentação de quesitos suplementares apenas durante a audiência (art. 425 do CPC/1973), o que acabava ocasionando atraso na instrução, já que muitas vezes as informações questionadas não dependiam de análise meramente superficial por parte do perito. O Código atual possibilita ao perito conhecer os quesitos suplementares antes mesmo da realização da audiência, situação na qual poderá respondê-los no próprio laudo, se este ainda não estiver finalizado; em laudo complementar ou na própria audiência (art. 469).
Realizada a perícia, o perito deverá entregar o laudo no prazo assinalado pelo juiz, que poderá ser prorrogado se houver justo motivo (art. 476).[8] Caberá somente ao juiz analisar as razões trazidas pelo expert e conceder, ou não, a prorrogação pretendida. É imprescindível fundamentação idônea, já que a ausência dessa prova ou mesmo a substituição do perito poderá acarretar prejuízos para o processo.
Ainda que haja prorrogação, a apresentação do laudo deve respeitar o lapso temporal de no mínimo vinte dias[9] antes da audiência de instrução e julgamento. O atraso ou a não apresentação do laudo poderá[10] indicar a prática de falta grave, cujas consequências estão previstas no art. 468.
Após entrega do laudo, as partes serão intimadas para, querendo, se manifestar sobre o laudo pericial no prazo comum de quinze dias (art. 477, § 1º). Nesse mesmo prazo os assistentes técnicos poderão oferecer os seus pareceres. A obrigatoriedade de intimação das partes e, consequentemente, dos assistentes é medida que visa resguardar o contraditório. A ausência de intimação deve, pois, ser considerada como hipótese de nulidade relativa, sendo necessária a concessão de novo prazo para manifestação das partes, inclusive com o adiamento da audiência.
Havendo litisconsortes com procuradores distintos e de diferentes escritórios de advocacia, o prazo será dobrado (art. 229). Se, no entanto, os autos forem eletrônicos, permanece o prazo comum de quinze dias para a manifestação das partes e de seus assistentes (art. 229, § 2º).
Cumpre salientar que, segundo entendimento reiterado do Superior Tribunal de Justiça,[11] a apresentação extemporânea do parecer do assistente técnico implica seu desentranhamento do processo. Trata-se de medida extrema, razão pela qual considero prudente que o magistrado analise o caso concreto e as eventuais justificativas apresentadas pelos assistentes, notadamente quando se tratar de prova pericial complexa,[12] a qual exige a concessão de prazo razoável para a manifestação das partes. De todo modo, deparando-se com essa situação, deverá o juiz oportunizar sempre o contraditório antes de decidir (art. 10).
Sobre as dúvidas e divergências apresentadas pelas partes, pelo juiz, pelo membro do Ministério Público ou pelos assistentes, o perito judicial terá prazo de quinze dias para esclarecê-las (art. 477, § 2º). Para esses esclarecimentos, o assistente ou o perito devem ser intimados não mais com cinco, conforme previa o CPC/1973 (art. 435, parágrafo único), mas com dez dias de antecedência da data marcada para a audiência (art. 477, § 4º).
Os esclarecimentos podem ser apresentados em laudo complementar ou na própria audiência. Independentemente da forma, o ideal é que as partes sempre tenham a oportunidade de inquirir os peritos, da mesma forma como ocorre na prova testemunhal.
De acordo com o art. 473, o laudo pericial deverá conter:
I – a exposição do objeto da perícia;
II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;
III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;
IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.
É inegável que uma prova produzida com qualidade potencializa o debate sobre a sua influência na resolução de uma lide e permite um melhor conhecimento do caso pelo juiz. Reflete, assim, de forma direta no contraditório.
Seguindo essa premissa, o dispositivo em questão apresenta verdadeiros requisitos para a produção do laudo pericial. Exige-se, a princípio, que o perito explicite o objeto da perícia, ou seja, que limite a coisa ou pessoa a ser periciada.
A análise técnica ou científica realizada pelo perito deve necessariamente constar no laudo a fim de que as partes e o juiz possam conhecer os pontos controvertidos e as respectivas conclusões do perito. O método utilizado deve constar no laudo pericial para que as partes possam aferir a sua confiabilidade. Exemplo: o perito pode indicar que o método utilizado possui 99,9% de certeza técnica, consoante testes já realizados em renomadas universidades do país.
Também se exige que o perito forneça respostas conclusivas aos quesitos apresentados, bem como que utilize de linguagem acessível, permitindo que as partes e o próprio juiz compreendam melhor o laudo.
Assim como o juiz, ao proferir uma decisão, deve observar o princípio da adstrição ou congruência (art. 492), o perito deve ficar adstrito ao objeto da perícia (art. 473, § 2º). Assim, se o perito for escolhido pelas partes ou nomeado pelo juiz para a realização de perícia sobre determinado imóvel, para verificação de vazamento em um dos banheiros, não poderá se manifestar sobre uma rachadura de uma das paredes da varanda. Além de não poder “fugir” do objeto, o perito também deve se abster de proferir qualquer opinião sobre as questões envolvidas.
No exercício de seu ofício, o perito pode se valer de todos os meios necessários para elaboração do laudo. Exemplificativamente o Código menciona que o perito poderá ouvir testemunhas, solicitar documentos que estejam em poder de parte ou repartição pública, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias etc. (art. 473, § 3º). Não há alterações substanciais em relação à redação do CPC/1973 (art. 429).
É facultado ao juiz determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, a realização de nova perícia, quando a matéria não estiver suficientemente provada nos autos (art. 480). Essa situação pode ocorrer quando a primeira perícia tiver sido insuficiente, inexata ou inconclusiva, relevando-se incapaz de produzir segurança suficiente para subsidiar uma decisão.
Essa segunda perícia deve ser realizada apenas quando a anterior não puder ser corrigida. Como o juiz deve velar pela duração razoável do processo (art. 139, II), não é coerente determinar a realização de nova perícia se as eventuais falhas puderem ser facilmente corrigidas. Além disso, não se pode olvidar que os custos relativos à confecção dessa nova prova podem trazer para as partes envolvidas prejuízos desnecessários.
Chegando o magistrado à conclusão de que se faz necessária a realização de nova perícia, esta segunda terá por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destinar-se-á a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados inicialmente apresentados.
Por força do art. 158, o perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficando inabilitado, por dois a cinco anos, a atuar em outras perícias.
A lisura do perito é tão importante que o Código Penal tipifica como crime a conduta do perito que faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade (art. 342) em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral. Por outro lado, quem também dá, oferece ou promete dinheiro ou qualquer outra vantagem a perito incorre nas penas previstas no art. 343 do Código Penal.
Os assistentes técnicos, diferentemente dos peritos, são profissionais de confiança das partes. Sua escolha independe de prévia apreciação judicial. Justamente por isso tais profissionais não estão sujeitos às causas de suspeição e impedimento.
A assistência técnica no âmbito da prova pericial pode significar concordância ou discordância acerca laudo produzido pelo perito. Na primeira hipótese o assistente apenas subscreverá o laudo, ratificando-o. Na segunda, poderá confeccionar um novo laudo, indicando os motivos pelos quais deve se chegar a outra conclusão. Para que isso seja possível, a perícia deverá ser necessariamente realizada em contraditório. Em outras palavras, os assistentes podem e devem atuar como fiscais da atuação do perito, acompanhando as diligências e participando da produção da prova.
O perito, ao ser nomeado pelo juiz, pode se escusar da nomeação, apresentando motivo legítimo. Nos termos do art. 157, § 1º, a escusa deve ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da intimação, da suspeição ou do impedimento supervenientes, sob pena de renúncia ao direito a alegá-la. Trata-se, segundo o Código e a jurisprudência,[13] de prazo preclusivo, mas que, a meu ver, deve ser ponderado pelo juiz. O impedimento do perito é causa de incontestável parcialidade. Assim, havendo motivo legítimo, ainda que não alegado em tempo oportuno, deve o magistrado considerá-lo. Nessa hipótese, caso a perícia já tenha sido realizada, restará ao julgador determinar a realização de uma segunda perícia, a qual será analisada conjuntamente com a primeira, a fim de afastar qualquer dúvida quanto à idoneidade da prova.
As partes também poderão recusar o perito em caso de impedimento ou de suspeição, na forma do art. 148, § 1º:
Art. 148. […]
§ 1º A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos.
É preciso ponderar que nem sempre a primeira oportunidade de falar nos autos coincidirá com o conhecimento acerca do fato gerador da imparcialidade. Assim, partindo-se de uma interpretação sistemática das regras do Código, pode-se considerar que a arguição de impedimento ou de suspeição poderá ser suscitada a partir do conhecimento do vício, ainda que ele se verifique após a realização da perícia. De qualquer forma, é preciso que o juiz tenha cautela ao analisar o pedido, a fim de que se evite a situação na qual uma das partes, após tomar conhecimento de laudo que lhe foi desfavorável, “plante” a nulidade na tentativa de protelar a solução da demanda.[14]
Além das partes, poderá o juiz suscitar, de ofício, a parcialidade do perito. É que, apesar de não existir disposição expressa sobre o tema, o juiz, como destinatário da prova, tem o poder-dever de zelar pela imparcialidade e de impedir que esse munus seja exercido de forma a prejudicar a justa solução do conflito.
O incidente de impedimento ou de suspeição não suspende o processo, devendo ser processado em autos apartados (art. 148, § 2º). A parte contrária será ouvida no prazo de quinze dias, sendo facultada a produção de provas quando necessário.
Julgado o incidente o juiz deverá adotar as seguintes providências: (i) afastar o perito impedido ou suspeito; (ii) nomear um novo perito; (iii) fixar novo prazo para entrega do laudo. Ato contínuo as partes deverão se manifestar novamente sobre a nomeação do novo perito. Caso a existência da causa de suspeição ou de impedimento tenha sido manifesta, poderá o perito ser condenado nas custas processuais (art. 146, § 5º).
A substituição do perito deve ocorrer: (i) quando lhe faltar conhecimento técnico ou científico (art. 468, I); (ii) quando, sem justo motivo, deixar de apresentar o laudo no prazo fixado pelo juiz (art. 468, II); e, como dito anteriormente, (iii) quando a escusa ou arguição de impedimento ou a de suspeição forem aceitas. A primeira hipótese é de difícil ocorrência na prática, já que com o prévio cadastro é possível presumir que o perito possui habilitação técnica na área indicada.
É preciso salientar que a eventual deficiência do laudo pericial não indica, necessariamente, ausência de conhecimento por parte do perito. Não são raras as hipóteses nas quais não é possível cientificar, com precisão cirúrgica, a ocorrência de determinado ato ou fato. Sendo assim, é preciso que o juiz, antes de substituir o perito, avalie o caso concreto e verifique se outras provas ou mesmo os pareceres apresentados pelos assistentes não são suficientes para sanar eventuais divergências. De todo modo, havendo necessidade, será possível a realização de uma segunda perícia (art. 480).
Na segunda hipótese (art. 468, II), o juiz deverá avaliar as razões elencadas pelo perito e, entendendo-as adequadas, poderá prorrogar o prazo para apresentação do laudo. Caso contrário, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa que será fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso do processo (art. 468, § 1º).
Deve-se também admitir a substituição do perito quando houver quebra de confiança.[15] Trata-se de hipótese não prevista expressamente em lei, mas que guarda coerência com a função exercida por esse profissional.
O perito que vier a ser substituído, restituirá, no prazo de quinze dias, os valores recebidos pelo trabalho não realizado, sob pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de cinco anos (art. 468, § 2º). Frise-se que esse prazo não se confunde com aquele previsto no art. 158. É que enquanto a inabilitação do art. 468 leva em consideração a não devolução dos honorários, a do art. 158 é decorrente de punição destinada ao perito que agir dolosa ou culposamente no cumprimento do ofício.
Além da inabilitação, o perito que não devolver espontaneamente o valor cabível poderá ser cobrado pela via do cumprimento de sentença. O título executivo judicial será a decisão do juiz que condenar o perito a restituir os honorários à parte que os antecipou (art. 468, § 3º).
Sendo o juiz o destinatário da prova, a ele compete ponderar sobre a necessidade ou não da sua realização, determinando aquelas provas que achar convenientes e indeferindo as inúteis ou protelatórias (art. 139, III; art. 370, parágrafo único), bem como sobre a pertinência dos quesitos apresentados pelas partes. Assim, poderão ser indeferidos os quesitos que não tenham o condão de auxiliar a formar o convencimento do juiz ou que não apresentem qualquer relevância para a composição do conflito.
Também cabe ao juiz formular os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da causa. A atuação do julgador deve ser subsidiária, de modo a não comprometer a sua imparcialidade e a não indicar prévio julgamento.
Nos termos do art. 479, “o juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”.
A redação desse dispositivo é um pouco diferente daquela constante no seu correspondente na legislação anterior. Segundo o art. 436 do CPC/1973, “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”. Em outras palavras, a lei autoriza o julgador a desconsiderar o laudo pericial, desde que apresente os fundamentos para tanto.
É no mínimo estranho admitir a desconsideração do laudo pericial se o deferimento do exame ocorre justamente porque o julgador não tem conhecimento técnico ou científico para apreciar questões relativas à resolução da controvérsia judicial. A legislação, no entanto, é clara ao mencionar que o juiz pode não acolher as conclusões registradas no laudo, desde que fundamente a sua decisão, inclusive indicando os outros meios de prova que o levaram a decidir de outro modo. A jurisprudência não destoa desse entendimento.
O Código atual não muda essa ideia, ou seja, o juiz continua sem ficar adstrito ao laudo pericial. Entretanto, ao fazer referência ao art. 371, o dispositivo em vigor sutilmente afasta – ou pelo menos diminui – a ampla discricionariedade do magistrado. Isso porque, enquanto o CPC/1973 dispunha que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” (art. 131), o CPC/2015 propositalmente suprime o termo “livremente”, estabelecendo apenas que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (art. 371).
Acredito que o principal objetivo do legislador com essa alteração foi estabelecer balizas, a fim de evitar o protagonismo judicial. Isso não quer dizer que o juiz não tenha mais liberdade de valorar a prova. Ele pode e deve valorá-la, mas desde que o faça fundamentadamente, em observância ao princípio constitucional insculpido no art. 93, IX.
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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[1] “O magistrado pode negar a realização de perícia requerida pela parte sem que isso importe, necessariamente, cerceamento de defesa. De fato, o magistrado não está obrigado a realizar todas as perícias requeridas pelas partes. Ao revés, dentro do livre convencimento motivado, pode dispensar exames que repute desnecessários ou protelatórios. […]” (STJ, REsp 1.352.497/DF, Rel. Min. Og Fernandes, j. 04.02.2014).
[2] “Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico”.
[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 288.
[4] No CPC/1973 esse prazo era de 05 (cinco) dias (art. 421, § 1º).
[5] Nesse sentido: “Processual civil. Ação demarcatória. Incabível na espécie. Perícia. Quesitos e assistente técnico. Prazo. Arts. 421, § 1º, do CPC. Ausência de preclusão. 1. Não é cabível a ação demarcatória na espécie, diante da ausência de controvérsia sobre os limites da propriedade objeto do litígio. 2. É possível a indicação de assistente técnico e a formulação de quesitos de perícia, além do quinquídio previsto no art. 421, § 1º, do Código de Processo Civil (prazo não preclusivo), desde que não dado início aos trabalhos da prova pericial. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 15.04.2010).
[6] Nesse sentido: “[…] O laudo pericial deve ser considerado nulo ante a ausência de intimação das partes e de seus assistentes técnicos da data e hora do início de sua realização, nos termos do art. 431-A do Código de Processo Civil” […] (TJPR, AC 6424204/PR 0642420-4, 11ª Câmara Cível, Rel. Vilma Régia Ramos de Rezende, j. 29.09.2010); “[…] É indispensável a convocação das partes sobre a data e local da perícia a ser realizada para o acompanhamento dos trabalhos periciais. A ausência de intimação impõe a nulidade da perícia e a determinação de nova realização, com a participação das partes” (TJMG, AI 10145110000356001, 14ª Câmara Cível, Rel. Estevão Lucchesi, j. 15.05.2014).
[7] Por exemplo: “[…] A intimação das partes constitui a regra. É a forma que se tem de assegurar aos litigantes ciência, desde o início, dos trabalhos que serão realizados. Busca-se evitar, assim, a feitura de provas periciais de caráter sigiloso, desprovidas de participação das partes da relação processual. 5. O acompanhamento, desde o primeiro momento, das tarefas técnicas desenvolvidas pelo perito confere ampla transparência e lisura ao processo e permite a produção de laudo pericial que retrate os fatos da forma mais fidedigna possível, a fim de dar suporte adequado ao magistrado, no exercício da atividade jurisdicional. 6. Não se coaduna com o atual estágio de desenvolvimento do Direito Processual Civil, em que impera a busca pela prestação jurisdicional célere e eficaz, a declaração de nulidade de ato processual sem que tenha havido comprovação da necessidade de seu refazimento, diante da existência de vício de natureza processual 7. O Superior Tribunal de Justiça tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende da necessidade de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio pas de nulitté sans grief. 8. Embargos de divergência conhecidos e não providos” (STJ, EREsp 1.121.718/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.11.2011).
[8] O CPC/2015 altera a regra que permite a prorrogação do prazo para entrega do laudo pericial. No sistema anterior (art. 432 do CPC/1973) a prorrogação poderia ser concedida uma única vez, por prazo arbitrado pelo juiz. Supondo que o juiz tivesse fixado o prazo de dez dias para entrega do laudo, a prorrogação poderia ocorrer, por exemplo, por trinta dias. De acordo com a nova legislação, prazo para apresentação do laudo poderá ser prorrogado pela metade do prazo originalmente fixado pelo juiz, e não mais por um novo prazo que ele arbitrar. Exemplo: fixado o prazo de dez dias para apresentação do laudo, a prorrogação limitar-se-á ao prazo de cinco dias (quinze dias no total). A nova disposição, apesar de diminuir a discricionariedade do magistrado, garante maior celeridade ao procedimento.
[9] Esse prazo deve ser analisado com cautela. Isso porque, entre a data da entrega do laudo e a data da realização da audiência, deve haver tempo hábil para que (i) as partes apresentem suas manifestações, (ii) o perito responda aos quesitos e para que (iii) sejam esclarecidos os eventuais quesitos complementares. Se considerarmos o tempo necessário para as intimações dos envolvidos em cada ato, deve-se garantir prazo superior a vinte dias (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 283).
[10] Caso o perito tenha apresentado pedido de prorrogação, cabe ao juiz aguardar o decurso do prazo antes de aplicar qualquer penalidade.
[11] Exemplos: REsp 792.741/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 25.10.2007; REsp 800.180/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 08.05.2006; REsp 299.575/MG, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 15.12.2003.
[12] O art. 475 do CPC/2015 (art. 431-B do CPC/1973) permite que o juiz nomeie mais de um perito nas hipóteses em que a complexidade da perícia exija mais de uma área de conhecimento. Nestes casos, a participação de mais de um profissional, cada um em sua área de atuação, conferirá mais segurança e qualidade à prova.
[13] “(…) No caso dos autos, não se comprovou a presença do fumus boni iuris, uma vez que deveria o ora agravante ter se manifestado quanto à suposta parcialidade do perito no momento da sua nomeação (primeira oportunidade em que lhe coube falar nos autos) e não após a realização da perícia que entendeu lhe ser desfavorável. 3. Agravo Regimental improvido” (AgRg na MC 21.336/RS, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 01.10.2013).
[14] O Superior Tribunal de Justiça (Informativo nº 532) já manifestou entendimento segundo o qual não pode ser arguida a suspeição ou o impedimento após a entrega do laudo pericial. Trata-se de decisão criticável, capaz de permitir injustiças se não interpretada com parcimônia.
[15] Nesse sentido: RMS 22.514, Rel. Min. Humberto Martins, j. 06.02.2007.