O art. 77, IV, do Código de Processo Civil prevê as astreinte, elencando como um dos deveres das partes e de seus procuradores o cumprimento das decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final. Essa disposição visa assegurar a efetividade do processo e, consequentemente, preservar o princípio do acesso à ordem jurídica justa.
Em algumas situações o legislador previu, além de consequências para o descumprimento das determinações judiciais, medidas capazes de forçar o cumprimento da obrigação fixada. Por exemplo, o art. 536, §1º, do CPC/2015, ao estabelecer as regras sobre o cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, definiu que cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. Dentre as medidas está a aplicação de multa, a qual denominamos de astreintes.
As astreintes são aplicáveis, também, na hipótese de descumprimento de decisões interlocutórias. É bastante comum que ao deferir uma tutela provisória de urgência, o julgador fixe multa diária por dia de descumprimento, de forma a estimular o cumprimento da decisão. Por exemplo: em ação declaratória de inexistência de débito, ao deferir o pedido de exclusão do nome do autor dos cadastros de inadimplentes, o juiz determina a intimação da parte contrária para proceder à exclusão no prazo de 05 (cinco) dias; caso não cumprida a obrigação, incidirá multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento. Destaca-se que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de admitir a aplicabilidade da multa inclusive contra a Fazenda Pública (1ª Seção, REsp 1.474.665/RS). As astreintes fixadas em antecipação de tutela possuem, contudo, uma peculiaridade: a sua exigibilidade dependerá da procedência do pedido principal[1].
Essa multa poderá ser fixada por tempo de atraso, de forma a coagir o devedor a adimplir a obrigação na sua especificidade. Normalmente ela é estabelecida por dia de descumprimento. Porém, nada impede que a circunstância concreta exija outra periodicidade ou mesmo que ela seja aplicada de uma única vez.
Em relação ao art. 536, que trata das obrigações de fazer e de não fazer, não é facultado ao devedor optar pelo pagamento da multa ou pelo cumprimento do preceito fixado na sentença. A multa tem caráter complementar e será devida até mesmo nos casos em que a obrigação tenha se convertido em perdas e danos. Assim, mesmo que ocorra o adimplemento tardio da obrigação fixada na sentença ou o pagamento das perdas e danos, a multa cominatória anteriormente fixada ainda poderá ser exigida pelo credor. Nesse sentido é o posicionamento do STJ (p. ex: 3ª Turma, REsp 1.183.774/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/06/2013).
Em relação ao valor da multa, cabe ao julgador agir com responsabilidade e proporcionalidade ao fixá-la. Se for estabelecida em valor irrisório, poderá estimular o descumprimento da obrigação. Da mesma forma, se o valor fixado for exorbitante, o cumprimento da obrigação principal pode se tornar desinteressante para o devedor. Temos que ter em mente que o adimplemento da obrigação em si é o ideal, servindo a multa apenas como uma espécie de pressão para o cumprimento da obrigação tal como pactuada.
Diante dessa liberdade do juiz em relação ao quantum, entende-se possível que a multa supere o valor da obrigação principal. Para o STJ, a razoabilidade e a proporcionalidade das astreintes deve ser verificada no momento em que fixadas, levando em conta o seu valor inicial, e não em relação ao valor da obrigação principal ou do montante consolidado pela desobediência do devedor (3ª Turma, AgInt no AREsp 1.696.617/SP, j. 15/03/2021). No mesmo sentido o Enunciado 96 da I Jornada de Direito Processual Civil, segundo o qual “os critérios referidos no caput do art. 537 do CPC devem ser observados no momento da fixação da multa, que não está limitada ao valor da obrigação principal e não pode ter sua exigibilidade postergada para depois do trânsito em julgado”.
A respeito do valor fixado no âmbito dos procedimentos regidos pela Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), há posicionamento do FONAJE no sentido de não se limitar o quantum ao valor de alçada, de modo que é possível executar as astreintes que superem 40 (quarenta) salários mínimos. Confira: “A multa cominatória não fica limitada ao valor de 40 salários mínimos, embora deva ser razoavelmente fixada pelo Juiz, obedecendo ao valor da obrigação principal, mais perdas e danos, atendidas as condições econômicas do devedor” (Enunciado 144).
A decisão que fixa as astreintes não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado. Esse é o entendimento do STJ firmado no julgamento do REsp 1.333.988/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Informativo nº 539). Para a Corte, a multa é estabelecida sob a cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, quando se tornar irrisória, exorbitante ou desnecessária, pode ser modificada ou até mesmo revogada pelo magistrado, a qualquer tempo, até mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença.
Essa não parece ter sido a intenção do legislador, pois o art. 537, §1º, CPC/2015, admite a modificação do valor ou da periodicidade da multa VINCENDA, nada estabelecendo acerca da alterabilidade da multa VENCIDA.
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
Uma interpretação literal do dispositivo, conjugada com a ideia de direito adquirido, não admite a análise retroativa sobre a multa. Em outras palavras, a decisão que altera a multa ou que a exclui tem eficácia apenas ex nunc. Contudo, essa não é a interpretação da jurisprudência, que considera ser possível ao juiz determinar, com eficácia ex tunc, a modificação ou a revogação da multa já aplicada:
O art. 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015 não se restringe somente à multa vincenda, pois, enquanto houver discussão acerca do montante a ser pago a título da multa cominatória, não há falar em multa vencida. (AgInt no REsp 1.846.190/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe de 27/04/2020).
A propósito, no julgamento do EAREsp 650.536/RJ (j. 07/04/2021), a Corte Especial do STJ decidiu que a multa, por não ter uma finalidade em si mesma, pode ser revista ex officio, a qualquer tempo, inclusive na fase recursal.
A multa pode ser executada provisoriamente, ou seja, antes do trânsito em julgado da decisão definitiva. Esse já era o entendimento firmado nos tribunais superiores: STJ, AgR no REsp 1.42.691/BA, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 18.02.2014. Se, por exemplo, o juiz fixar multa em caso de descumprimento de medida concedida em sede de tutela provisória de urgência, de natureza antecipada ou cautelar, essa decisão constituirá título executivo hábil para o cumprimento provisório, que correrá por conta e risco do credor. Havendo, na sentença, posterior alteração da decisão que deferiu o pedido de tutela provisória, ficará sem efeito o crédito derivado da fixação da multa, perdendo o objeto a execução provisória daí advinda. Caso alguma medida constritiva já tenha sido realizada para o cumprimento da multa, aplica-se a regra do art. 520, I, ficando o exequente obrigado a reparar os danos que o executado haja sofrido.
Ressalte-se que o legislador do CPC/2015 apenas permitiu o cumprimento provisório da multa, consagrando o entendimento no sentido de que as astreintes têm eficácia imediata. Contudo, eventual levantamento do valor fixado (e depositado judicialmente) a título de multa só deverá ser realizado após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte (art. 537, § 3º). Em outras palavras, a exigibilidade da multa é imediata, contudo, o valor deve permanecer depositado em juízo à espera do trânsito em julgado. Tal vedação pode ser excepcionada se o credor da multa prestar caução suficiente e idônea.
Por fim, interessa saber se o valor da multa integra os honorários advocatícios. O CPC/2015 (art. 85) estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre dez por cento (10%) e vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação.
Nesse contexto, por valor da condenação deve-se entender apenas o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material, ou também a multa decorrente do descumprimento da obrigação? Aqui a ideia é a mesma: como a multa cominatória constitui instrumento de direito processual criado para a efetivação da tutela específica perseguida, ou para a obtenção de resultado prático equivalente, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, constituindo, portanto, medida de execução indireta, não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afastam da base de cálculo dos honorários advocatícios (STJ, 3ª Turma, REsp 1.367.212/RR, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cuêva, j. 20/06/2017).
Elpídio Donizetti
[1] As astreintes fixadas em antecipação de tutela ficam pendentes de condição resolutiva, qual seja, a procedência do pedido principal. Logo, se improcedente o pleito formulado na ação, a multa cominatória perde efeito retroativamente (AgRg no REsp n. 1.362.266/AL, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 3/9/2015).
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