As ações possessórias possuem natureza de direito pessoal, de acordo com parte da doutrina. Há, no entanto, quem sustente o caráter real, considerando que a posse, ainda que não esteja no rol do art. 1.225 do Código Civil, contém todas as características dos direitos dessa natureza, a exemplo da oponibilidade erga omnes.
A partir da conclusão da primeira corrente – no sentido de que a ação tem natureza pessoal –, a competência estaria enquadrada na regra insculpida no art. 46 do CPC/2015, segundo o qual as ações fundadas em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro de domicílio do réu.
Entretanto, não se pode perder de vista que o art. 47, § 2º, CPC/2015 estabelece regra especial. O comando prevê que a ação possessória imobiliária deverá ser proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo terá competência absoluta.
Com efeito, as ações possessórias imobiliárias deverão ser propostas no foro da situação da coisa. Trata-se de norma cogente, que, levando em conta critério funcional, estabeleceu regra de competência absoluta para processar as causas que versem sobre posse de bens imóveis. Eventual infringência à regra do art. 47, § 2º, CPC/2015 conduz à incompetência absoluta do juízo.
Como não se pode falar em prorrogação de competência absoluta, o vício poderá ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição ou reconhecido de ofício.
A natureza absoluta da competência já era reconhecida pela jurisprudência na vigência do CPC/1973 (p. ex. STJ, REsp 1.678.862/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18.09.2018, DJe 24.09.2018). Assim, já era possível extrair do art. 95 do CPC/1973 uma regra de competência absoluta, por meio da qual, recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o foro competente seria necessariamente o da localização do bem.
Apesar da natureza absoluta, há entendimento na jurisprudência do STJ admitindo a relativização da regra do art. 47, §2º, do Código atual, quando a ação possessória for decorrente de relação jurídica de direito pessoal, surgida em consequência de contrato existente entre as partes. Nesse caso, deverá prevalecer, segundo entendimento da Corte, o foro de eleição pactuado (AgInt no REsp 1.835.295/MA, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 30.03.2020, DJe 02.04.2020).
Para exemplificar a excepcionalidade apresentada pela jurisprudência, imagine que João propôs ação de rescisão contrato de compra e venda em face de Pedro, em razão do inadimplemento das parcelas pactuadas. No contrato foi adotado como foro de eleição a cidade de Recife/PE, mas o imóvel objeto do negócio está localizado em João Pessoa/PB. Nesse exemplo, a ação proposta por João é decorrente de uma relação de direito pessoal surgida em consequência de contrato existente entre as partes, no qual foi pactuado livremente o foro de eleição. A existência de um pedido de reintegração de posse formulado por João é mera consequência natural da resolução do contrato pretendida na petição inicial, de modo que não deve atrair a regra de competência absoluta insculpida no art. 47, §2º do CPC/2015.
Regra geral, a competência para processar e julgar a ação possessória será da Justiça Comum Estadual, mais precisamente no foro da situação da coisa. Diz-se regra geral porque, em alguns casos, a competência não será da Justiça Comum Estadual.
Em determinados casos, o Juizado Especial terá competência para o processo e julgamento das ações possessórias. É o que ocorre quando o valor do imóvel não superar o valor de alçada dos Juizados Especiais, ou seja, 40 salários mínimos, consoante se extrai do art. 3º, IV, da Lei nº 9.099/1995.
Existe também a possibilidade de o litígio possessório recair sobre imóvel de propriedade da União ou suas autarquias, fundações ou empresas públicas. Nessa hipótese, a competência será da Justiça Estadual, se as partes disputam a posse sem contestação de domínio por parte da União. Uma vez manifestado o interesse do ente público no litígio, o processo deverá ser remetido à Justiça Federal, porquanto, a teor da Súmula nº 150 do STJ, a ela compete decidir acerca do interesse da União no feito. Não importa o fato de a ação possessória vedar a discussão acerca do domínio. Se a decisão no pleito possessório implicar alteração no contexto econômico da pessoa jurídica de direito público, autorizada estará a intervenção anômala da União, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 9.469/1997.
O enunciado da Súmula 637 do STJ, aprovado em 07.11.2019, admite a legitimidade do ente público para intervir incidentalmente em ação possessória entre particulares, sendo-lhe permitido deduzir qualquer matéria defensiva, até mesmo a alegação de domínio. Trata-se de hipótese que, na prática, relativiza a regra exposta no art. 557 do CPC/2015, segundo a qual “na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento de domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa”. Veja um exemplo: em ação de reintegração de posse envolvendo particulares, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) apresenta oposição alegando que o terreno objeto da ação é de propriedade da autarquia federal. Nesse caso, por se tratar de bem público, não há falar em demonstração do poder físico sobre o imóvel para a caracterização da posse, de modo que caberá ao INCRA reivindicar a proteção possessória por meio da oposição. A ação irá tramitar, a partir da intervenção da autarquia federal, perante a Justiça Federal.
A aplicação do entendimento sumulado não indica a automática procedência da demanda em favor do ente público. De acordo com o parágrafo único do art. 557 do CPC/2015, “não obsta a manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”. Assim, não é a intervenção do poder público e a alegação de propriedade que inviabilizará a proteção possessória pretendida pelas partes, mas o que efetivamente for apurado no curso do processo.
Elpídio Donizetti
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