Presente no art. 1.831 do Código Civil, o direito real de habitação permite que o cônjuge sobrevivente – e também o companheiro -, qualquer que seja o regime de bens adotado, permaneça no imóvel destinado à residência da família até o momento do seu falecimento. Trata-se, pois, de um direito vitalício e de caráter personalíssimo, que não pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do sobrevivente. Isso quer dizer que, mesmo que o cônjuge ou companheiro sobrevivente possua outros bens (desde que não sejam da mesma natureza), ele terá direito real de habitação (STJ, REsp 1582178-RJ, j. 11/09/2018). Em outras palavras, “o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa natureza e que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão.
A lei não impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente” (STJ, AgInt no REsp 1.554.976/RS, j. 25/05/2020).
Dúvida que pode surgir está relacionada à persistência desse direito real quando constituída nova união. A jurisprudência entende que a resposta dependerá da data da abertura da sucessão: se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/1916, a nova união afastará o direito real de habitação; se a morte do autor da herança tiver ocorrido na vigência do CC/2002, a constituição de nova união estável não atuará como condição resolutiva do direito real, persistindo, portanto, a regra do art. 1.831 do CC. Essa diferença decorre do fato de que o CC/1916 previa que o direito real de habitação seria extinto quando afastado o estado de viuvez (STJ, REsp 1.617.636-DF, j. 27/08/2019).
Outro questionamento importante e bastante questionado na prática, refere-se à cobrança de remuneração pelos herdeiros ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, pela utilização do imóvel. O STJ tem precedente recente considerando que a natureza gratuita do direito real de habitação não se coaduna com a cobrança de “aluguéis”. Por essa razão, os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel. A Ministra Nancy Andrighi reforça que “seria um contrassenso atribuir-lhe a prerrogativa de permanecer no imóvel em que residia antes do falecimento do seu companheiro, e, ao mesmo tempo, exigir dele uma contrapartida pelo uso exclusivo” (REsp 1.846.167/SP, j. 09/02/2021).
Tatiane Donizetti