Um mofado dogma segundo o qual ninguém pode ser compelido, manu militari,[1] a prestar um fato ou abster-se da prática de algum ato, por muito tempo, obstaculizou a efetividade da tutela jurisdicional quando se tratava de obrigação de fazer ou de não fazer.[2] Mormente quando se tratava de obrigação infungível,[3] a única solução cabível contra o devedor inadimplente era a conversão da obrigação em perdas e danos.
Tanta era a proteção que cercava o devedor da obrigação de fazer que o direito positivo contemplava a execução de tal modalidade de obrigação apenas se contida em título judicial. Somente com o advento da Lei nº 8.953/1994, que alterou o CPC/73, é que se permitiu que a obrigação de fazer fosse passível de execução também quando contida em título extrajudicial.
A preocupação com a efetividade do processo levou o legislador a criar mecanismos no processo de conhecimento e no de execução para coagir o devedor a cumprir, tal como pactuadas, as obrigações de fazer e de não fazer, passando as perdas e danos a constituírem o último remédio à disposição do credor.
O art. 461 do CPC/1973, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 8.952/1994 e as alterações da Lei nº 10.444/2002, instituiu meios que permitiram ao aplicador do direito assegurar a tutela específica ou o resultado prático que deveria ter sido produzido com o cumprimento da obrigação pactuada. O caput do art. 461 foi praticamente reproduzido no Código atual. Veja:
CPC/1973 | CPC/2015 |
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. | Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. |
De acordo com o caput, poderá o juiz, na sentença, se procedente o pedido, conceder a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, ou determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação originária. Exemplo: o Ministério Público, em ação civil pública, pleiteia seja o réu condenado a não lançar poluentes no ar. Poderá o juiz, na sentença, condenar o réu à tutela específica, consistente no abster-se de lançar poluentes, ou determinar providências que assegurem o mesmo resultado prático, ou seja, a preservação do meio ambiente, que pode ser alcançada com a instalação de filtros (tutela equivalente).
O referido dispositivo permite-nos extrair duas conclusões a propósito do momento para concessão da tutela equivalente. Pode ser concedida na própria sentença, em acolhimento a pedido alternativo do autor, ou de ofício, ante a impossibilidade de concessão da tutela específica. Pode também a tutela equivalente ser concedida após a sentença, de ofício, como consequência do descumprimento do preceito fixado no provimento judicial.
O parágrafo único do art. 497 é novidade no ordenamento. Ele assim dispõe: “Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”.
Apesar de existir correspondência no CPC/1973, a regra evidencia algo que já tinha aplicação na prática. Para surtir efeitos, a sentença de procedência pode ser complementada por comandos imperativos, que são acompanhados de medidas de pressão para que o próprio devedor adote a conduta devida e produza o resultado específico. A ação ou omissão prejudicial à efetivação da tutela correspondente deve ser “barrada”, mesmo que a parte contrária não esteja agindo com dolo ou com culpa. Em termos práticos, ao autor deve ser garantida a satisfação do direito que já foi confirmado na sentença.
Independentemente da providência a ser adotada pelo magistrado para efetivar a tutela concedida na sentença, é possível a aplicação concomitante de multa com o intuito de desestimular o réu a descumprir a determinação judicial (art. 500). A multa poderá ser fixada por tempo de atraso, de forma a coagir o devedor a adimplir a obrigação na sua especificidade. Até mesmo nos casos em que a obrigação tenha se convertido em perdas e danos, permanece possível a aplicação da multa.
Além da multa, não se descarta a aplicação das medidas de apoio, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, intervenção em empresas e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial (art. 536, § 1º).
Ao credor não é facultado optar pelo pagamento da multa ou pelo cumprimento do preceito fixado na sentença. Assim, se a multa não foi capaz de compelir o devedor a adimplir a obrigação específica, deverá o juiz determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento. Mesmo adimplindo a obrigação, poderá o credor, após o trânsito em julgado da sentença, promover a execução da multa (execução por quantia certa).
A conversão da obrigação em perdas e danos ocupa o último lugar no rol de alternativas postas à disposição do credor, figurando como medida substitutiva do objeto da obrigação original, caso não tenha a multa o poder de coação almejado e não seja possível obter a tutela equivalente (art. 499). Entretanto, poderá o autor desprezar as tutelas que o legislador lhe facultou e requerer, já na petição inicial, a substituição da obrigação específica por perdas e danos.
A regra prevista o art. 499 pode ser assim sintetizada: a conversão em perdas e danos só irá ocorrer se (i) for impossível a tutela específica e a obtenção do resultado equivalente ou (i) se o autor assim o requerer. Ocorre que em março de 2024 o legislador alterou o CPC e inseriu um parágrafo único a esse dispositivo, estabelecendo que: “Nas hipóteses de responsabilidade contratual previstas nos arts. 441, 618 e 757 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e de responsabilidade subsidiária e solidária, se requerida a conversão da obrigação em perdas e danos, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o cumprimento da tutela específica”.
Por vezes pode o autor prejudicado requerer desde logo a conversão da obrigação em perdas e danos justamente por não mais lhe ser útil o cumprimento extemporâneo do que foi pactuado. Em casos assim, parece-nos que a alteração legislativa afasta o desejo do autor, privilegiando a possibilidade de o devedor cumprir a tutela específica, mesmo que extemporaneamente. Em suma, mesmo que o autor tenha requerido a conversão da obrigação em perdas e danos em razão do inadimplemento do devedor, deverá o juiz oportunizar o cumprimento da obrigação.
O texto do parágrafo único do art. 499 menciona explicitamente apenas as hipóteses previstas nos arts. 441, 618 e 757 do Código Civil (vícios redibitórios, defeitos em construções e cobertura securitária) e os casos de responsabilidade subsidiária ou solidária. De toda sorte, são situações nas quais mesmo com o inadimplemento, terá o devedor a oportunidade de adimplir com os termos pactuados.
Apesar da literalidade do dispositivo, entendemos que se o autor/credor demonstrar a inutilidade ou impossibilidade de cumprimento da tutela específica, não haverá necessidade de que o juiz insista no cumprimento junto ao devedor.
O STJ tem vasta jurisprudência no sentido de ser possível a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, independentemente de pedido explícito e mesmo em fase de cumprimento de sentença, se verificada a impossibilidade de cumprimento da obrigação específica (1ª Turma. AgInt no RMS 39.066/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/4/2021). Na verdade, em qualquer fase do procedimento é possível o requerimento de conversão (1ª Turma. REsp 2.121.365-MG, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 3/9/2024).
O mesmo STJ entende que essa conversão é possível nas hipóteses em que verificada a negligência ou a demora do demandado no cumprimento da tutela específica (1ª Turma. AgInt no AREsp 1.205.100/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/3/2019).
Com efeito, se for inviável a concessão da tutela específica e o autor trouxer elementos que justifiquem a imediata conversão, pensamos ser o caso de excepcionar a exigência prevista no novo dispositivo legal, sob pena de privilegiar a conduta omissiva do devedor.
Quanto à sentença ou acórdão que contenha obrigação de entrega de coisa, a efetivação da tutela far-se-á segundo o art. 498, que assim prescreve:
Art. 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
Na petição inicial, o autor requererá a providência judicial almejada, consistente numa ordem, mandamento ou determinação para que o réu entregue a coisa (certa) descrita no título que representa a obrigação (contrato de compra e venda, por exemplo). Quando se tratar de coisa incerta, ou seja, determinada apenas pelo gênero e quantidade (um boi zebu dentre aqueles que se encontravam na Exposição de Uberaba), o autor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, a ordem judicial será no sentido de que entregue a coisa individualizada no prazo fixado pelo juiz (art. 498, parágrafo único). A ordem visada pelo autor poderá ser pleiteada a título de tutela antecipada ou final.
Em resposta ao pedido do autor, poderá o juiz, na decisão, final ou antecipatória, conceder a tutela específica, ou seja, determinar a entrega da coisa ou determinar providências que assegurem o mesmo resultado prático. Exemplo: a concessionária se obrigou a entregar o automóvel modelo Marea ELX. Ocorre que o modelo ELX não é mais fabricado, mas a concessionária tem em seu pátio o modelo ELP, similar ao que consta do contrato. Pode o juiz, a requerimento do autor, determinar a entrega do modelo similar, assegurando, assim, resultado prático equivalente.
Como meio de compelir o réu a cumprir a determinação judicial, também poderá o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, impor multa (astreintes) ao devedor da obrigação, fixando-lhe prazo razoável para entrega da coisa. Para evitar repetição, fazemos remissão ao que afirmamos a propósito da multa relativa ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer, perfeitamente aplicável à efetivação da tutela das obrigações de entregar coisa.
Não sendo a multa eficaz para vencer a resistência do réu a entregar a coisa no prazo estabelecido, “será expedido mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel” (art. 538).
A efetivação da tutela, como podemos verificar, é feita por coerção ou por atos do Estado-juízo sobre a própria coisa (busca e apreensão). Somente na hipótese extrema de perda da coisa, de absoluta impossibilidade de apreendê-laou se houver motivo plenamente justificado pelo credor para o desinteresse no adimplemento tal como pactuado, a obrigação converter-se-á em perdas e danos.
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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[1] Segundo Cândido Dinamarco (A reforma da reforma), “o dogma da intangibilidade da vontade humana, zelosamente guardado nas tradições pandectistas francesas, fazia o mundo aceitar que toute obligation de faire, ou de ne pas faire, se resout en dommages et intérêts, en cas d’inexecution de la part du débiteur (art. 1.142 do Código Civil francês)”.
[2] Obrigação de fazer é aquela em que o devedor se comprometeu a prestar um ato positivo, por exemplo, construir um muro, escrever um livro etc. Obrigação de não fazer é aquela em que o devedor assume o compromisso de abster-se da prática de determinado ato, como, por exemplo, não construir edifício com mais de três andares, não impedir a passagem do vizinho etc.
[3] Fungível é a obrigação que admite e infungível a que não admite a sua execução por pessoa diversa do obrigado.