Em sede doutrinária, ainda persiste a controvérsia acerca da natureza dos embargos de declaração. Para alguns doutrinadores, tais embargos não constituem recurso, mas sim meio de correção e integração da sentença.
Tanto para o CPC/1973 quanto para o CPC/2015, no entanto, não há dúvida quanto à natureza recursal dos embargos de declaração, tanto que nas duas legislações eles foram colocados nos títulos relativos aos recursos (arts. 535 a 538 do CPC/1973; arts. 1.022 a 1.026 do CPC/2015).
Os embargos de declaração podem ser conceituados como o recurso que visa ao esclarecimento ou à integração de uma decisão judicial. No CPC/1973 o art. 535 dispunha que os embargos seriam cabíveis contra sentença ou acórdão. No CPC atual a redação do caput do art. 1.022 deixa claro que os embargos podem ser opostos contra qualquer decisão judicial e não apenas contra sentença ou acórdão. Esse entendimento já possuía respaldo em nossos tribunais.[1]
Em suma, não importa a natureza da decisão. Seja interlocutória, sentença ou acórdão, se a decisão for obscura, omissa, contraditória ou contiver erro material, pode vir a ser sanada por meio dos embargos de declaração.
Nada impede que os embargos também sejam opostos contra despachos. É que, apesar de estes pronunciamentos serem desprovidos de conteúdo decisório, é inconcebível que um despacho “viciado” fique sem remédio, de modo a comprometer até a possibilidade prática de cumpri-lo.[2]
Vejamos, então, as hipóteses de cabimento dessa espécie recursal:
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III – corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.
Da interpretação desse dispositivo é possível concluir que os embargos são espécie de recurso de fundamentação vinculada, isto é, restrita a situações previstas em lei. Não servem os embargos, por exemplo, como sucedâneo de pedido de reconsideração de uma sentença ou acórdão.
De acordo com a doutrina e jurisprudência, há obscuridade quando a redação da decisão não é suficientemente clara, dificultando sua compreensão ou interpretação. Ocorre contradição quando o julgado apresenta proposições inconciliáveis, tornando incerto o provimento jurisdicional. Há omissão nos casos em que determinada questão ou ponto controvertido deveria ser apreciado pelo órgão julgador, mas não o foi.
A omissão constitui negativa de entrega da prestação jurisdicional e, segundo o CPC, será considerada omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento ou que incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º. Todas essas disposições permitem que as partes possam reclamar pela via dos embargos de declaração a adequação das decisões aos precedentes judiciais, assim como eventual desobediência aos critérios de fundamentação.
O Código anterior não exemplificava as hipóteses de decisão omissa O atual, ao contrário, deixa claro que, além das omissões aferíveis caso a caso (exemplo: juiz que deixa de apreciar pedido reconvencional), considera-se omissa a decisão que:
- Se limita à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida (art. 489, §1º, I).
Vamos ao exemplo[3]: em ação de cobrança para obtenção do seguro DPVAT, o magistrado de primeiro grau julgou procedente o pedido, valendo-se de referências genéricas ao laudo pericial e à Lei 6.194/1974, bem como a diversos precedentes do tribunal ao qual estava vinculado. Afirmou, ainda, que “a prova produzida demonstrou o nexo de causalidade entre as lesões e a ocorrência de acidente de trânsito”. Não houve qualquer manifestação sobre as teses defensivas, mas apenas transcrições da legislação e reproduções de fórmulas genéricas sem a sua respectiva vinculação ao caso concreto. No exemplo citado o magistrado incorreu no vício da omissão, pois não analisou questões condizente a possível ausência de direito à cobertura securitária, tais como, condutor inabilitado e inadimplência do prêmio do seguro (teses apresentadas pela ré).
- Emprega conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso (art. 489, §1º, II).
Semelhante ao inciso anterior, são aquelas decisões que, por exemplo, afirmam estar presentes a “fumaça do bom direito” e o “perigo da demora”, sem analisar as peculiaridades do caso concreto que permitem concluir pela presença desses requisitos. No processo penal, a “ordem pública” (art. 312, CPP) é um exemplo clássico de conceito jurídico indeterminado que precisa ser adaptado ao caso concreto para que seja admitida a decretação da custódia preventiva. Veja, a propósito, um precedente do STJ sobre esse inciso:
“Incorre em negativa de prestação jurisdicional o tribunal que prolata acórdão que, para resolver a controvérsia, apoia-se em princípios jurídicos sem proceder à necessária densificação, bem como emprega conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.999.967-AP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/08/2022).
- Invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (art. 489, §1º, III).
Um exemplo julgado pelo Tribunal carioca[4] serve para exemplificar esse inciso. Em uma ação de prestação de contas o juízo sentenciante julgou procedente o pedido, argumentando apenas o seguinte: “No caso em tela, tem-se que o réu foi ex síndico do Condomínio autor, portanto, é inerente a sua atividade a prestação de contas para permitir a verificação do bom uso do dinheiro comum. Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido (…)”. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a sentença se valeu de motivos genéricos, que se prestariam a justificar qualquer outra decisão. Para a Corte, o juiz não poderia invocar genericamente a qualidade de síndico. Era necessário que o julgador enfrentasse as alegações das partes e, no caso concreto, o ex síndico havia alegado a prestação de contas e a respectiva aprovação em assembleia, bem como comprovado o afastamento da função em determinado período, no qual não poderia ser invocado o dever de prestar contas.
Infelizmente ainda é bastante comum decisões a do exemplo. Qual advogado nunca se deparou com a seguinte decisão “Defiro o pedido de tutela provisória porque presentes os requisitos legais”? Quando o juízo se limita a mencionar genericamente a presença dos requisitos legais, sem expor os fundamentos de fato que o levaram a assim concluir, abre-se a possibilidade de o advogado manejar os embargos de declaração.
- Não enfrenta todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador (art. 489, §1º, IV).
O julgador possui o dever de enfrentar apenas as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. Dessa forma, não cabem embargos de declaração contra a decisão que não se pronunciou sobre determinado argumento que era incapaz de alterar ou mesmo enfraquecer a decisão adotada.
Imagine que em uma ação de cobrança houve julgamento desfavorável ao autor, tendo o julgador acolhido a tese do réu relacionada à prescrição da dívida e ainda reconhecido a existência de pagamento pelo réu. O autor interpôs recurso de apelação e o Tribunal confirmou a sentença, mas apenas se manifestou sobre a prescrição no acórdão. O recorrente (autor) interpôs embargos de declaração, alegando a existência de omissão. Nesse caso, mesmo que o recorrente tenha acrescentado argumento sobre o pagamento, se a prescrição é causa de autônoma extinção da dívida, não há razão para o acolhimento dos aclaratórios[5].
- Se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos (art. 489, §1º, V).
A decisão não precisa ser extensamente fundamentada, mas cabe ao julgador tornar públicas as razões do seu convencimento, diante dos argumentos colocados pelas partes. A ausência de fundamentação ofende, inclusive, o direito à ampla defesa, pois as partes não podem combater uma decisão não fundamentada. Assim, se o julgador apenas indica ser aplicável ao caso a Súmula “X” do STJ, sem, entretanto, fazer a necessária correlação com os elementos do caso concreto, de modo a demonstrar que o referido precedente, de fato, se amolda à situação dos submetida a julgamento, a decisão é nula por falta de fundamentação.
- Deixa de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento (art. 489, §1º, VI).
Nesses casos, a não aplicação do precedente precisa ser justificada, cabendo ao julgador, por exemplo, realizar a distinção entre o caso posto e a decisão paradigma.
O STJ já teve a oportunidade de decidir sobre o alcance desse dispositivo. Por exemplo, no julgamento do AREsp 1.267.283-MG, de Relatoria do Ministro Gurgel de Faria, realizado em 27/09/2022, a 1ª Turma enfatizou que a utilização de um julgado isolado do Tribunal não se encaixa na natureza jurídica de “súmula, jurisprudência ou precedente” para fins de aplicação do art 489, § 1º, VI. Se não há multiplicidade de julgamentos no mesmo sentido, não é possível tratar o acórdão como “jurisprudência”. Também não é possível considerar como “precedente” qualquer acórdão ou outra espécie de decisão judicial. O precedente a que se refere o inciso IV abarca apenas os casos julgados na forma qualificada, ou seja, aquelas decisões que possuem o poder de vincular os julgadores e estão descritas nos arts. 927 e 332 do CPC. Vale ressaltar que o acórdão pode até ser considerado como um precedente persuasivo, mas não é capaz, por si só, de ensejar a interposição de embargos de declaração para eventual correção de omissão[6].
Ademais, o STJ também já teve a oportunidade de esclarecer que os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado são considerados precedentes meramente persuasivos, de modo que, se o advogado invocar uma decisão do TJDFT em um caso submetido a julgamento pelo TJMG, não há qualquer obrigatoriedade de que aquela decisão seja considerada por ocasião do julgamento pelo tribunal mineiro. Em suma: “A regra do art 489, §1º, VI, do CPC, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado” (STJ, 3ª Turma. REsp 1.698.774-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020).
Por fim, o CPC admite o cabimento dos embargos de declaração para corrigir erro material. Essa hipótese, já reconhecida pela jurisprudência,[7] encontra respaldo no art. 494, inciso I, que permite ao juiz, após a publicação da sentença, corrigir inexatidões materiais ou erros de cálculos e pedido da parte ou mesmo de ofício. Os demais pontos ou questões sobre os quais o magistrado deva se manifestar, inclusive de ofício, a exemplo das matérias de ordem pública, inserem na omissão a que se refere o art. 1.022, II. Cabe ressalvar que não haverá preclusão, se não houver oposição de embargos de declaração para a correção de erro material, porquanto poderá o juiz o tribunal poderá corrigi-lo a qualquer tempo, em qualquer grau de jurisdição.
Convém anotar, ainda, que o STJ tem entendido que não cabem embargos de declaração contra decisão de presidente do tribunal que não admite Recurso Especial ou Recurso Extraordinário. O entendimento, contudo, admite exceção nos casos em que a decisão for proferida de forma tão genérica que não permita sequer a interposição do agravo[8]. E qual é a consequência prática desse entendimento do STJ? Imagine que a parte prejudicada interponha Recurso Especial e, ao analisar os requisitos de admissibilidade, o Tribunal inadmita o recurso. O recorrente apresenta embargos de declaração, em vez de interpor agravo em recurso especial. Como o STJ não admite a interposição de embargos declaratórios, eles não terão o condão de interromper o prazo para a interposição de outros recursos. Com isso, se o recorrente pretender, após o não conhecimento dos embargos, interpor agravo em recurso especial, este apelo não será conhecido em razão da intempestividade. Essa jurisprudência defensiva vem sendo constantemente objeto de enunciados doutrinários em sentido oposto, a exemplo do Enunciado 75 da I Jornada de Direito Processual Civil, segundo o qual “cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal”.
[1] “Os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer decisão judicial e, uma vez opostos, interrompem o prazo recursal” (STJ, REsp 401.223/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 26.03.2002).
[2] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. V, p. 533. Parte da doutrina considera que, nesse caso, bastaria um simples pedido de correção.
[3] Exemplo concreto/real julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Cível n. 10000212316202001 MG, Relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 02/12/2021, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/12/2021).
[4] TJRJ, Agravo de Instrumento n 00695499720208190000, Relator: Des(a). Luiz Fernando de Andrade Pinto, 25ª Câmara Cível, julgado 25/02/2021.
[5] Nesse sentido já decidiu o STJ em caso semelhante: 1ª Seção, EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), julgado em 8/6/2016.
[6] No mesmo sentido é o enunciado 11 da ENFAM: “Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332”
[7] “Verificada a existência de erro material a macular e contradizer o acórdão embargado, há que se efetuar a sua imediata correção” (STJ, EDcl no REsp 117.913/DF, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 19.05.1998). No STF: RE-AgRg-EDcl 401.720/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.12.2006; Rcl-AgRg-EDcl 2.433/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 16.11.2006.
[8] STJ, AgInt no AREsp 1.143.127/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 28.11.2017.
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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