A distinção entre prazos processuais e materiais ganhou força com o CPC atual, especialmente diante da previsão contida no art. 219, que estabelece a forma de contagem dos prazos processuais. Se o prazo tem natureza material, a contagem é contínua, ou seja, os dias não úteis são também contabilizados. Se o prazo tem natureza processual, apenas os dias úteis participam da contagem. Vale lembrar que feriados, sábados e domingos são considerados pelo CPC como dias não úteis (art. 216, CPC).
O questionamento sobre a natureza dos prazos – e, consequentemente, sobre a forma de contagem – já foi respondido algumas vezes pelo Superior Tribunal de Justiça. A título de exemplo, quando a Corte definiu que o prazo para pagamento voluntário do débito no cumprimento de sentença possui natureza processual, deixou claro que embora o pagamento seja um ato a ser praticado pela parte, a intimação para o cumprimento voluntário da sentença, nos termos do art. 523 do CPC, ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos (art. 513, § 2º, I, do CPC). Assim, considerando que a intimação para o cumprimento de sentença se dá na pessoa do advogado constituído, tal esse fato acarretará um ônus ao profissional, que deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as consequências jurídicas da ausencia de cumprimento voluntário da sentença, tais como a imposição de multa e fixação de honorários advocatícios, além da possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, etc. Por essas razões a natureza desse prazo é, no mínimo, híbrida, devendo a contagem observar o art. 219 do CPC.
Se os prazos processuais são aqueles que regulamentam aspectos instrumentais do processo e são praticados em razão dele, os prazos materiais são, por exclusão, aqueles que se relacionam a aspectos extraprocessuais. Ou seja, o prazo material diz respeito ao momento para a parte praticar determinado ato fora do processo.
O ponto nodal da caracterização de um prazo como processual é, pois, além de sua referência à relação jurídica processual – autônoma em relação à de direito material – sua estreita ligação com a preclusão e, por sua vez, com o procedimento e o princípio do impulso processual (…). A natureza processual de um determinado prazo é determinada pela ocorrência de consequências endo-processuais do ato a ser praticado nos marcos temporais definidos, modificando a posição da parte na relação jurídica processual e impulsionando o procedimento à fase seguinte. (Trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.770.863/PR).
A partir desse entendimento podemos concluir que o prazo para o ajuizamento de Ação Rescisória (2 anos do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo) ou para a impetração de Mandado de Segurança (120 dias da ciência do ato impugnado), por exemplo, não possui natureza processual e, por isso mesmo, a sua contagem é contínua, em dias corridos.
Apesar dessa conclusão, o próprio Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de admitir a prorrogação desses prazos – Ação Rescisória e MS. No julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.112.864-MG, a Corte Especial estabeleceu que se o termo final do prazo para ajuizamento da Ação Rescisória recair em dia não útil, ele deverá ser prorrogado para o primeiro dia útil subsequente. Esse entendimento está expresso no art. 975, § 1º, do CPC:
“Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense”.
Em outro caso, o Ministro Sérgio Kukina (REsp 1.944.582/GO), a partir de um juízo de razoabilidade, efetividade e instrumentalidade, ponderou que se o prazo decadencial para impetração do Mandado de Segurança teve seu encerramento durante o recesso forense, é possível a sua prorrogação para o primeiro dia útil seguinte. Isso decorre da necessária interpretação sistemática de preceitos normativos que tratam da mesma matéria. Com efeito, mesmo que o prazo tenha natureza material, necessário compatibilizar a sua contagem com outras normas previstas no ordenamento.
“Em se tratando de prazos, o intérprete, sempre que possível, deve orientar-se pela exegese mais liberal, atento às tendências do processo civil contemporâneo – calcado nos princípios da efetividade e da instrumentalidade – e à advertência da doutrina de que as sutilezas da lei nunca devem servir para impedir o exercício de um direito” (REsp 11.834/PB, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/1991, DJ 30/3/1992).
A partir desses precedentes, problematizo o seguinte: se até mesmo um prazo decadencial pode ser prorrogado quando o seu termo final “cai” no curso de recesso forense ou de feriado, por qual motivo não estender essa conclusão para o “recesso do advogado”?
O art. 220 do CPC, que ficou conhecido como o dispositivo que estabelece as “férias do advogado”, prevê a suspensão do curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Nesse período só se pode praticar atos que independem dos advogados. Juízes podem prolatar sentenças, mas os prazos para interposição de recursos não serão contados. Escrivães podem até movimentar processos, mas a contagem de prazos não se iniciará. Contudo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento, porque indispensável a presença de advogados.
Como a impetração do MS e o ajuizamento de Ação Rescisória dependem necessariamente do trabalho do advogado, é razoável que o direito do cliente ainda possa ser exercido mesmo quando exaurido o prazo material no curso do período previsto no art. 220 do CPC. Vamos ao exemplo: um candidato aprovado em concurso público pretende impetrar MS em razão da sua não nomeação mesmo com o surgimento de vaga. O STJ considera que o termo inicial do prazo decadencial para a impetração do MS nessa hipótese é o término do prazo de validade do concurso (RMS 55.464/RJ, Rel. DJe 27/11/2017). Se o 120º dia contado a partir do término do prazo de validade do concurso cair no dia 15 de janeiro de 2025, ele deve ser prorrogado até o dia 21 de janeiro de 2025.
Infelizmente essa conclusão ainda não é acolhida pelo Judiciário. Em decisão monocrática, o Ministro Marco Aurélio Bellizze (REsp n. 1.942.808, DJe de 27/10/2021) considerou que o prazo do art. 220 do CPC que extrapole o período do recesso forense não acarreta o mesmo efeito prorrogador do dies ad quem admitidos pela jurisprudência do STJ, “posto que não há limitação alguma do acesso ao Poder Judiciário”, especialmente nos casos de processo eletrônico, em que o acesso para distribuição da ação é franqueado 24 horas por dia, via internet.
Não considero razoável esse entendimento, notadamente porque, apesar de o acesso ao processo eletrônico poder ocorrer a todo momento, o que está em “jogo” é a norma processual que estabelece um “descanso” para os advogados, profissionais indispensáveis ao exercício do direito material.
Além disso, mesmo durante o recesso forense é possível que o ato seja praticado por meio eletrônico. Nada impede que o advogado protocole uma Ação Rescisória no dia 25 de dezembro, às 23h. A falta (ou não) de acesso não é o que define a prorrogação, mas o respeito a um direito que foi consagrado ao advogado e noticiado, quando da publicação do CPC atual, como uma conquista da advocacia. “Os advogados poderão usufruir de um período de férias sem a preocupação de cumprir prazos” (trecho do parecer final do deputado Paulo Teixeira no projeto do novo CPC). Se o direito material do cliente depende necessariamente da atuação do profissional da advocacia, o prazo para seu exercício deveria se compatibilizar com a regra do art. 220 do CPC.
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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