Hoje abordaremos Ações de Improbidade Administrativa e como alguns temas importantes inerentes ao procedimento da Lei 8.429/1992 (LIA) estão sendo tratados pela jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça.
Em um dos Informativos divulgado pelo Escritório Elpídio Donizetti Advogados (https://www.elpidiodonizetti.com/ #informativos – nº. 04, Dez/2020), abordei alguns excessos da Improbidade Administrativa, especialmente à luz do princípio constitucional da individualização das penas e do fato de que as consequências da aplicação da Lei 8.429/1992, por serem por vezes até mais graves do que aquelas previstas no Código Penal, devem ser compatibilizadas com as garantias mínimas de todo cidadão.
Comecemos pela petição inicial, que é a forma legal a que alude o art. 2º do CPC/2015 de provocar a jurisdição, de fazer o pedido da providência jurisdicional desejada pelo autor. Nesse caso, quase sempre o autor será o Ministério Público, embora o art. 17 da LIA confira legitimidade ativa também à pessoa jurídica interessada – aqui compreendida como qualquer órgão ou entidade da Administração Direta ou Indireta, federal, estadual, ou municipal, inclusive as que não tem natureza jurídica de Direito Público (empresas públicas e sociedades de economia mista), bem como as empresas incorporadas ao patrimônio público, as entidades criadas ou custeadas com recursos do erário e aquelas que embora não integrem o aparato do Estado, dele recebem subvenções, incentivos ou qualquer forma de transferência de recursos. Ou seja, a referência às pessoas interessadas – vítimas da improbidade – tem interpretação ampla, abrangendo, por exemplo, os partidos políticos, que são pessoas jurídicas de direito privado (art. 44, V, Código Civil), mas recebem recursos de natureza pública, oriundos do Fundo Partidário, e justamente por isso se enquadram no art. 1º da LIA.
Os requisitos da petição inicial são aqueles dispostos nos arts. 319 e 320 do CPC, os quais se aplicam às ações de improbidade. No entanto, além deles exige-se a presença de justa causa para o oferecimento da ação (STJ, 1ª Turma, REsp 952.351/RJ). Entende-se por justa causa o lastro mínimo de provas que comprovem a prática da conduta ímproba e indícios de autoria ao imputado. Dessa forma, se a petição inicial não descreve concretamente a conduta, nem busca demonstrar, com base nos fatos, a existência do elemento subjetivo e do nexo de causalidade, não há como dar prosseguimento à ação de improbidade.
Se presentes os requisitos da petição inicial (incluindo a justa causa), o juízo ordenará a notificação da parte requerida para oferecer manifestação preliminar escrita dentro do prazo de 15 (quinze) dias.
Essa providência não se confunde com a contestação, embora a parte requerida possa apresentar documentos e justificações, e tudo o mais que interessar para a sua defesa. Por se tratar de uma fase preliminar, o mais importante é demonstrar a ausência de lastro probatório mínimo para o prosseguimento da ação. Como as ações civis públicas de improbidade administrativa possuem um peculiar caráter sancionador, assemelhando-se às ações penais, caso demonstrada a inviabilidade da pretensão do autor, por ausência de justa causa, a petição inicial deve ser “rejeitada”, assim como ocorre com a denúncia no processo penal. Contra essa decisão o Ministério Público, caso seja o autor da ação, poderá interpor recurso de apelação.
Caso o juízo receba a petição inicial por entender presente esse lastro probatório mínimo, poderá a parte requerida interpor recurso de agravo de instrumento, nos termos do art. 17, §10 da LIA. Aqui cabe registrar que para o STJ, contra toda decisão interlocutória proferida em Ações de Improbidade Administrativa é cabível agravo de instrumento, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular[1].
A ausência dessa fase preliminar é, segundo o STJ, causa de nulidade relativa. Segundo a Corte, o seu eventual descumprimento somente será causa geradora de nulidade se houver oportuna e efetiva comprovação dos prejuízos (2ª Turma, AgInt no REsp 1.679.187/SP). A propósito, na Edição nº. 38 da “Jurisprudência em Teses”, o STJ editou a seguinte: “A ausência de notificação do réu para a defesa prevista no art. 17, §7º, da Lei de Improbidade Administrativa, só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo (pas de nullité sans grief)”.
Não nos parece ser a interpretação mais adequada, pois, como já dissemos, as consequências de uma condenação por improbidade administrativa são extremamente graves, não sendo razoável afastar as garantias expressamente previstas na legislação. Ainda que a parte contrária tenha a possibilidade de arguir a ausência de justa causa na própria contestação, o simples trâmite da ação de improbidade já é capaz de lhe causar efeitos adversos, que poderiam ser minimizados se observada a fase preliminar, com a possibilidade de julgamento de improcedência ou de carência da ação (art. 17, § 8º). Além disso, como o STJ reconhece que no recebimento da inicial prevalece o princípio in dubio pro societate (1ª Turma, AgInt no AREsp 674.441/CE), com mais razão deve ser oportunizada prévia manifestação da parte requerida, a fim de que as ações evidentemente temerárias sejam encerradas no momento processual adequado, sem maiores prejuízos para o agente público.
Se houver o recebimento da ação de improbidade a parte requerida será citada para apresentar contestação. Embora não tenha sido definido o prazo para a defesa, aplicam-se subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil. Assim, terá o advogado ou defensor da parte requerida o prazo de 15 (quinze) dias úteis para contestar a ação de improbidade administrativa.
A fase instrutória seguirá o rito do procedimento ordinário, com a oitiva de testemunhas, depoimentos pessoais e eventualmente prova pericial. É possível, ainda, a utilização de prova emprestada colhida em processo penal, desde que assegurado o contraditório e a ampla defesa (Tese nº. 10 da Edição nº. 40 da Jurisprudência em Teses).
Podem as partes requerer a suspensão do processo por prazo não superior a 90 (noventa) dias, para a realização de acordo de não persecução cível através da formulação de Termo de Ajustamento de Conduta, nos termos do art. 17, § 10-A, da LIA. Se a suspensão do processo ocorrer antes da apresentação da contestação, o prazo ficará interrompido, ou seja, voltará a correr “do zero”, caso já tenha sido deflagrado.
Apesar de a legislação não ter regulamentado o acordo, alguns Colégios de Procuradores editaram regulamentos para admitir o denominado ANCP (exemplo: Resolução 1193/2020 do Colégio dos Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo). O Conselho Nacional do Ministério Público tem resolução sobre a matéria, embora editada antes da alteração na LIA que inseriu o art. 17, § 10-A[2].
Recentemente a 1ª Turma do STJ reconheceu, por unanimidade, a possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível inclusive nas ações de improbidade administrativa que estejam em fase recursal, mesmo com condenação em 2ª instância, desde que não tenha havido o trânsito em julgado (REsp 1.314.581/SP).
Realizada a fase instrutória, o juiz proferirá sentença, aplicando ao agente público as sanções descritas no art. 12 da LIA, dependendo da conduta praticada. Por exemplo, se tiver havido lesão ao erário (art. 10), serão possíveis as seguintes penalidades: ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
A sentença de procedência da ação de improbidade administrativa não precisa necessariamente aplicar todas as penalidades descritas no art. 12. De acordo com o STJ (Edição nº. 40 da Jurisprudência em Teses), “o magistrado não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992, podendo, mediante adequada fundamentação, fixa-las e dosá-las segundo a natureza, gravidade e consequências da infração”. De toda sorte, não existe autorização para que os juízes apliquem sanções abaixo do patamar legal. Por exemplo: no caso de condenação pela prática de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11), a penalidade de “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos” (art. 12, III), não pode ser aplicada por tempo inferior (menos de 3 anos) (STJ, 2ª Turma, REsp 1.582.014/CE).
Contra a decisão de procedência da ação de improbidade caberá recurso de apelação, a ser julgado pelo Tribunal respectivo. Isso porque, como não há foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa, a competência será do juízo de 1ª instância (STJ, Corte Especial, AgRg na Rcl 12.514/MT). O mesmo vale para a decisão de improcedência da demanda, contra a qual também será cabível recurso de apelação. Em verdade, contra a sentença definitiva ou terminativa (ex.: extinção sem resolução do mérito por ausência de legitimidade), a parte interessada poderá fazer uso do recurso previsto no art. 1.009 do Código de Processo Civil.
Excepcionalmente caberá Recurso Especial ao STJ para a revisão das sanções impostas. Como regra, diante da impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório em sede de Recurso Especial (Súmula nº. 7 do STJ), não pode o STJ rever a dosimetria da pena. No entanto, quando da leitura do acórdão recorrido ficar claro que houve desproporcionalidade entre o ato praticado e as sanções aplicadas, admitir-se-á a revisão. Nesse sentido: 1ª e 2ª Turmas do STJ. AgInt no AREsp 507.804/SE e AgInt na TutPrv no REsp 1.624.020/MA, respectivamente.
Por fim, quanto ao prazo prescricional para essas demandas, é preciso observar a condição do agente. De acordo com o art. 23 da LIA, as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego; III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei. Em caso de concurso de agentes os prazos serão contados individualmente, ou seja, de acordo com as condições de cada réu (STJ, 2ª Turma, REsp 1.230.550/PR).
Vejamos alguns exemplos: (i) se o ato de improbidade é cometido no curso do mandato, o termo inicial da prescrição de 05 (cinco) anos (art. 23, I, LIA), tem início somente após o seu término. No caso de reeleição, considera-se o término do último mandato; (ii) se o ato foi praticado por servidor estatutário federal, aplica-se o prazo de 05 (cinco) anos previsto no art. 142 da Lei 8.112/1990, iniciado da data em que o fato se tornou conhecido, com interrupção na hipótese de sindicância ou de processo disciplinar até a decisão final proferida por autoridade competente (art. 142, §§ 1º e 3º da Lei 8.112/1990).
Especificamente em relação aos notários e registradores, estes podem ser considerados sujeitos ativos dos atos de improbidade, porque se encaixam no conceito amplo de “agentes públicos”, na categoria dos “particulares em colaboração com a Administração” (STJ, 1ª Turma, REsp 1.186.787/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 24/04/2014). Entretanto, a Lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) não traz qualquer previsão sobre o prazo para a aplicação de penalidades administrativas aos notários e oficiais de registro. Nesse caso, a jurisprudência vem entendendo ser possível aplicar o prazo de prescrição previsto no Estatuto dos Funcionários Civis do Estado (STJ, RMS 23.587/RJ). Para os Estados em que há legislação estabelecendo expressamente o prazo prescricional para apuração da inflação disciplinar, é este que deverá ser adotado também para fins de improbidade administrativa. Por exemplo, no Estado de Minas Gerais a ação disciplinar contra titulares de serviços notariais e de registro é de: 05 (cinco) anos para o caso de infração punível com perda da delegação ou do cargo; 02 (dois) anos, no caso de infração punível com suspensão ou multa; 01 (um) ano, no caso de infração punível com repreensão. Esses prazos são interrompidos pelo simples ajuizamento da ação de improbidade (STJ, REsp 1.391.212/PE).
Se a conduta também puder configurar crime, entende-se que o prazo prescricional será o mesmo da lei penal, ainda que não tenha sido proposta a competente ação penal para apurar o suposto ilícito (STF, 1ª Turma, RMS 31506 AgR/DF e também o Enunciado nº. 5 da CGU). Para tanto, deve-se considerar a pena in abstrato, ou seja, aquela prevista no tipo penal e não o quantum previsto na LIA. Imagine, por exemplo, que um servidor público federal recebeu vantagem financeira em troca de influência e informação que obteve em razão do cargo. Nesse caso, a conduta pode configurar crime de corrupção passiva majorada (art. 317, §1º, do CPC). Dessa forma, a prescrição não será regulada pela Lei 8.112/1990, mas pelo Código Penal, de modo que, considerando a pena máxima cominada para o delito, o prazo prescricional em abstrato será de 20 anos.
Nesse sentido também já se manifestou o STJ:
(…) Deve ser considerada a pena in abstrato para o cálculo do prazo prescricional, a um porque o ajuizamento da ação civil pública por improbidade administrativa não está legalmente condicionado à apresentação de demanda penal. Não é possível, desta forma, construir uma teoria processual da improbidade administrativa ou interpretar dispositivos processuais da Lei n. 8.429/92 de maneira a atrelá-las a institutos processuais penais, pois existe rigorosa independência das esferas no ponto. A dois (e levando em consideração a assertiva acima) porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica. (REsp 1.106.657/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/09/2010) (EDv nos EREsp. 1.656.383/SC, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 5/9/2018).
Como a Lei de Improbidade Administrativa é relativamente sucinta quando trata sobre Ações de Improbidade Administrativa, nós advogados precisamos estar atentos à jurisprudência, sem deixar, é claro, de criticá-la não apenas quando o entendimento for de encontro aos interesses de nossos clientes, mas também quando afrontarem os princípios constitucionais, especialmente da ampla defesa e do contraditório.
Elpídio Donizetti
[1] “Aplica-se à ação de improbidade administrativa o previsto no artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular, segundo o qual das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento” (REsp 1.925.492/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021, Informativo 695). Para o STJ, “deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: “A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em ‘outros casos expressamente referidos em lei” (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018.
[2] A Resolução nº 179/2017 do CNMP já contemplava a hipótese de consensualidade no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, seja na esfera judicial ou extrajudicial.
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