Na obrigação Alimentar Avoenga, algo corriqueiro acontece nas consultas relacionadas ao dever de prestar alimentos: há sempre a questão “e se o pai ou a mãe não tiver condições de prover os alimentos, quem ficará responsável pela verba?”. Os arts. 1.696 e 1698 do Código Civil respondem esse questionamento.
O primeiro prevê que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. O art. 1.698, por sua vez, dispõe “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”.
A lei material estabelece uma ordem de preferência que o credor dos alimentos deverá seguir. Assim, sempre que o genitor ou a genitora não tiver condições de suportar o encargo (ou eles não existirem; p. ex: são falecidos), os parentes serão chamados a prestar a obrigação, sempre na proporção de seus respectivos recursos. No caso dos avós (linha ascendente), estes somente responderão se os pais não puderem fazê-lo; e os bisavós, quando os avós não tiverem condições, e assim sucessivamente, se dando assim, a obrigação alimentar avoenga.
Não se trata de uma regra de solidariedade, pois o que o art. 1.698 do CC/2002 autoriza é que outros devedores sejam chamados apenas quando houver necessidade. Maria Berenice Dias explica que essa regra “deixa claro que a obrigação alimentar, primeiramente, é dos pais, e na ausência de condições destes, transmite-se aos seus descendentes, isto é, aos avós, que são os parentes em grau imediato mais próximo”. (Manual de Direitos das Famílias, 14ª Edição, 2021, p. 434).
Há divergências na jurisprudência a respeito do acionamento obrigação alimentar avoenga, quando apenas um dos genitores não dispõe de condições de pagar a verba alimentar. A autora anteriormente citada esclarece que os avós que possuem condições econômicas devem ser chamados quando seus filhos (pais do alimentando) deixarem de atender às obrigações de sustento do neto. Porém, isso não quer dizer que se tenha que averiguar a possibilidade dos dois genitores. Vejamos um exemplo: Andréia aciona o Poder Judiciário como representante de Pedro, contra o genitor Paulo, pedindo que o juiz o condene ao pagamento de verba alimentar em favor do filho. Paulo não dispõe de condições financeiras de assumir o encargo. Nessa hipótese, os avós paternos de Pedro poderão ser imediatamente acionados ou somente se demonstrado que Andréia também não tem condições de arcar com o sustento do filho? É essa a divergência apontada por Maria Berenice Dias (p. 435), para quem há possibilidade de que o filho, ciente de que o pai não tem condições de lhe prover o sustento, ajuíze a ação de alimentos em face do pai e do avô, em litisconsórcio facultativo sucessivo eventual. Assim, “comprovada a impossibilidade do pai, já decorre a condenação do avô, o que em muito agiliza o recebimento dos alimentos”.
Essa, contudo, não é a tese majoritariamente aceita pela jurisprudência. O enunciado 596 da súmula de jurisprudência do STJ prescreve que “a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, configurando-se apenas na impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”.
O enunciado tem um importante efeito prático, pois condiciona o ajuizamento da ação primeiro em face dos pais. Somente depois, se demonstrada a incapacidade financeira, os avós poderão ser demandados, de modo subsidiário e complementar. Nesse ponto, surgem alguns questionamentos: como chamar os avós para compor o polo passivo da ação de alimentos? Existindo avós paternos e maternos, todos deverão ser demandados?
Embora a legislação utilize o verbo “chamar” (art. 1.698), não se trata de chamamento ao processo, espécie de intervenção de terceiros prevista no CPC/2015. Isso porque, não há solidariedade, por exemplo, entre pai e avô. Trata-se de uma modalidade de intervenção sui generis, que gera um litisconsórcio passivo ulterior.
É esse o posicionamento do STJ (REsp.1.715.438/RS, rel. Min. Nancy Andrighi), para quem “a natureza jurídica do mecanismo de integração posterior do polo passivo previsto no art. 1.698 do CC/2002 é de litisconsórcio facultativo ulterior simples, com a particularidade, decorrente da realidade do direito material, de que a formação dessa singular espécie de litisconsórcio não ocorre somente por iniciativa exclusiva do autor, mas também por provocação do réu ou do Ministério Público, quando o credor dos alimentos for incapaz”.
Cristiano Chaves ensina que no caso das ações de alimentos avoengos, vislumbra-se com clareza a aplicação dessa tese. Se o credor está representado processualmente e somente demandou um dos avós, o acionado, o próprio autor (em sua réplica) e/ou o Ministério Público podem requerer a convocação dos demais. “Tem-se, aqui, um caso de litisconsórcio facultativo atípico, na medida em que as regras processuais são flexibilizadas, mitigadas, em prol da obtenção de uma decisão mais justa e eficaz em favor do credor de alimentos incapaz. Até porque o processo deve ser instrumental, não finalístico em si mesmo”[1].
Para aqueles advogados(as) que forem constituídos por um dos avós (paternos, por exemplo), a aplicação da tese é salutar, pois se os demais (avós maternos) estiverem vivos, poderão ser chamados para integrar a lide, a fim de que as despesas sejam compartilhada sem oneração excessiva para aqueles que foram originariamente demandados. De toda sorte, paira sobre esse posicionamento diversas críticas doutrinárias, especialmente vinculadas à celeridade do processo. Carlos Roberto Gonçalves, por exemplo, citando Fredie Didier Junior (Direito Civil Brasileiro, vol. 06, 15ª Edição, 2018), considera que como a obrigação alimentar é divisível, “o ingresso do terceiro, no particular, não traz qualquer benefício ao réu – suposto devedor. Se ele é parente e tem condições de pagar, o magistrado fixará o valor da sua parcela de contribuição. Se houver outro devedor na mesma classe que também possua condições de arcar com a pensão (outro avô, p. ex.), essa circunstância será trazida como argumento de defesa e certamente será levada em consideração pelo magistrado no momento de fixar o valor devido pelo demandado. Caberá ao autor, na réplica, demonstrar que esse outro devedor-comum não tem condições de pagar – exatamente por isso, a demanda fora dirigida apenas contra um dos devedores. Mas, e isso é fundamental, o devedor-réu somente pagará aquilo que puder. Se a pensão, a final definida, for insuficiente, poderá o credor-autor promover outra ação de alimentos em face, agora, daquele devedor-comum-terceiro”.
Para esses autores sequer haveria necessidade, por exemplo, de os avós paternos demandarem os avós maternos. Bastaria alegar a existência e capacidade de outro(s) obrigado(s), de modo a permitir ao julgador a fixação de uma obrigação proporcional para a obrigação alimentar avoenga.
Por conta dessa celeuma, é sempre importante que nós, advogados, conheçamos os precedentes do Tribunal no qual iremos litigar, independentemente de estarmos prestando assistência ao alimentando ou aos alimentantes, ao lidar com a obrigação alimentar avoenga.
Tatiane Donizetti
* Imagem: Canvas
[1] https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/12/28/o-stj-e-obrigacao-alimenticia-duas-novas-orientacoes/#:~:text=A%20toda%20evid%C3%AAncia%2C%20tem%2Dse,n%C3%A3o%20final%C3%ADstico%20em%20si%20mesmo%E2%80%A6.