Nesse artigo vamos debater se é recorrível o provimento que intima o devedor para pagamento do débito executado.
O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar do cumprimento de sentença que fixa obrigação de pagar quantia certa, dispõe que caso o devedor não efetue o pagamento do débito executado no prazo de quinze dias contados da intimação, o montante da condenação ou, no caso de pagamento parcial, o remanescente da dívida será acrescido de multa no percentual de dez por cento (art. 523, § 1º), além de honorários advocatícios.
Para a incidência da multa por descumprimento da obrigação fixada no pagamento do débito executado na sentença é necessária resistência do executado. De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça[1], para fins de aplicação da multa, podemos vislumbrar as seguintes situações:
– O devedor é intimado para pagar e deposita o valor indicado na petição de cumprimento de sentença, mas informa que esse montante é mera garantia do juízo. Na sequência, apresenta impugnação ao cumprimento de sentença: nesse caso, se a impugnação for julgada improcedente, o devedor deverá pagar a multa do art. 523, § 1º, pois a sua exclusão só ocorre quando o executado deposita voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar o seu levantamento a qualquer outra discussão.
– O devedor é intimado para pagar e deposita o valor indicado na petição de cumprimento de sentença, mas informa que esse montante é mera garantia do juízo. Apesar disso, não apresenta impugnação, operando-se a preclusão. Nesse caso, o devedor não deverá arcar com a multa de 10%, porquanto não houve efetiva resistência.
A intimação para pagamento é um ato processual que não tem natureza decisória, pois, como visto, tão logo ocorra o trânsito em julgado – no caso do cumprimento definitivo –, se o devedor não adimplir a obrigação fixada na sentença, o credor promoverá o início da fase executiva, apresentando demonstrativo atualizado do débito para que o juízo da execução possa providenciar a intimação para pagamento e os atos executórios subsequentes, se necessário.
Embora o parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015 possibilite a interposição de agravo de instrumento “contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença”, não é todo e qualquer pronunciamento judicial que pode ser impugnado.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, confirmando acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não conheceu de agravo de instrumento interposto contra o pronunciamento judicial que determinou a intimação do executado para, sob pena de multa e fixação de honorários advocatícios, pagar o valor judicialmente reconhecido (REsp n. 1.837.211/MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 11/03/2021).
Para a Corte, como o cumprimento de sentença é uma mera fase, e não um procedimento autônomo, “a intimação do devedor para pagamento se afigura como despacho de mero expediente, pois é consectário legal da provocação do credor para a satisfação do seu crédito”. É dizer: o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523, CPC/2015).
Esse sincretismo processual, ou seja, a fusão de atos de cognição e de execução, nos mostra que a intimação do devedor para pagamento se afigura como um despacho de mero expediente, pois se trata de uma consequência legal da provocação do credor para a satisfação do seu crédito. Não há, portanto, um provimento decisório que possa ser impugnado pelo devedor.
Há quem considere o fato desse provimento gerar, de imediato, um prejuízo para o devedor, razão pela qual, valendo-se do entendimento do STJ sobre a taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do CPC/2015, seria possível sustentar a urgência para admitir, em caráter excepcional, a interposição do recurso de agravo de instrumento.
No entanto, a própria legislação veda a recorribilidade dos provimentos jurisdicionais que visem unicamente o impulsionamento da marcha processual (art. 1.001, CPC/2015). O STJ, em outra oportunidade, já decidiu que o eventual prejuízo ou dano aos interesses do devedor é decorrência da iniciativa do credor, e não do despacho inicial do juízo. Dessa forma, o pronunciamento judicial que ordena a intimação do devedor para o pagamento, por si mesmo, não produz qualquer dano ou prejuízo ao interesse do devedor, sendo, assim, irrecorrível (REsp 1.725.612, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. j. 04/06/2020).
Então, como questionar, por exemplo, eventual erro ou excesso do valor executado? A via adequada está disposta no art. 525 do CPC/2015. Nos termos do art. 525, § 1º, inciso V, o excesso de execução pode ser questionado na impugnação ao cumprimento de sentença, que é o instrumento de defesa do executado.
Segundo a definição legal do art. 917, § 2º, há excesso de execução quando: I – o exequente pleiteia quantia superior à do título; II – ela recai sobre coisa diversa daquela declarada no título; III – ela se processa de modo diferente do que foi determinado no título; IV – o exequente, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da prestação do executado; V – o exequente não prova que a condição se realizou.
O dispositivo trata da execução de título extrajudicial, mas é utilizado como referencial para identificar a configuração de excesso em qualquer procedimento executivo. Se o devedor alegar essa matéria, o valor reputado correto deverá apresentado com minuciosa fundamentação em torno do excesso. Não basta indicar simplesmente um valor; é preciso que o executado apresente demonstrativo discriminado e atualizado de seu cálculo (art. 525, § 4º), sob pena de rejeição liminar da impugnação.
Indicado o valor correto, a impugnação terá por objeto apenas o valor controvertido. A parcela reconhecida seguirá o cumprimento de sentença, independentemente de eventual efeito suspensivo que se atribua à impugnação.
O inciso V do art. 525 permite expressamente ao devedor alegar não apenas o excesso de execução, mas também a cumulação indevida de execuções. Nesse ponto é preciso fazer uma observação: como só se pode admitir a cumulação quando o mesmo juízo é competente para todas as execuções, é inviável a cumulação de demandas executivas quando fundadas em títulos judiciais, pois a competência para a execução (ou melhor, para o cumprimento) será do juízo onde se desenvolveu o processo cognitivo. Há exceção quando o exequente pretende cumular execuções fundadas em títulos judiciais distintos, mas que tiveram origem em um mesmo processo. Exemplo: decisão interlocutória que consistiu na determinação de obrigação de prestar e decisão definitiva que condenou o devedor a pagar determinada quantia. Também é possível a cumulação de uma demanda fundada em título judicial com outra que tenha por base título extrajudicial, desde que ambos sejam líquidos (aqui também será competente o juízo onde se formou o título executivo judicial).
Há outros argumentos que podem ser ventilados na impugnação ao cumprimento de sentença, mas esse será tema de um próximo artigo!
Elpídio Donizetti
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[1] “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL EM FASE DE CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBIL DADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA. 1. Ação ajuizada em 2/5/17. Recurso especial interposto em 28/5/18. Autos conclusos ao gabinete em 28/6/19. Julgamento: CPC/15. 2. O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 3. São dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. 4. Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. 5. Na hipótese dos autos, apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que a executada realizou tempestivamente o depósito integral da quantia perseguida e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que houve verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente. Não incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC e correta extinção do processo, na forma do art. 924, II, do CPC. 6. Recurso especial conhecido e não provido” (STJ, REsp 1.834.337/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 03.12.2019, DJe 05.12.2019).