A ação rescisória será proposta no prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975). Esse prazo tem natureza decadencial, uma vez que ação rescisória trata de tutela constitutiva negativa fundada no direito potestativo de desconstituir decisão de mérito transitada em julgado, com prazo estabelecido em lei. Importante atentar que não é a ação rescisória que decai no prazo assinalado, mas o próprio direito material à rescisão.
Note, contudo, que, apesar de se tratar de prazo decadencial, insuscetível de interrupção ou de suspensão, o CPC estabelece que, se o termo final do prazo para ajuizamento da ação rescisória recair durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense, ele deverá ser prorrogado para o primeiro dia útil subsequente (art. 975, § 1º). Essa disposição, a propósito, consolida o entendimento do STJ (REsp 1.112.864/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 19.11.2014).
Não podemos confundir o prazo para propositura da ação rescisória com o termo a quo para o seu ajuizamento. Supondo-se que o acórdão tenha transitado em julgado no dia 25/10, o prazo para a ação rescisória começará a ser contado do dia 25 ou do dia 26? Majoritariamente, considera-se que o prazo decadencial começa a correr da data do trânsito em julgado da sentença rescindenda, computando-se, para tanto, o dia do começo, ou seja, 25/10.
Outro tema importante diz respeito à contagem do prazo da ação rescisória decisão objetivamente complexa.
Decisão objetivamente complexa é aquela na qual coexiste mais de uma resolução do mérito. Em razão da pluralidade de pretensões formuladas, o dispositivo do julgado apresentará vários capítulos ou decisões, uma para cada pedido. Exemplo de ato judicial complexo é o que julga pedido de indenização por danos materiais e morais.
A decisão, nesse caso, será formalmente una. Mas, em razão da pluralidade de pretensões, cada uma a ensejar decisão judicial específica, vários provimentos jurisdicionais serão proferidos.
É possível, ainda, que cada uma das pretensões seja decidida em momento diverso dentro do processo. Imagine, por exemplo, se o juiz, na decisão saneadora, reconhece a prescrição de uma das pretensões formuladas, seguindo o feito com relação às outras. Ter-se-ia, aqui, o que se denomina de sentença parcial, porquanto não se resolve todo o litígio. Trata-se, como bem observa Leonardo José Carneiro da Cunha, de prática corriqueira na praxe forense que denota “a existência, no sistema brasileiro, de fracionamento do julgamento, pungindo o dogma incrustado na doutrina, segundo o qual haveria a unidade e unicidade da sentença, de forma a não se possibilitar a cisão ou desmembramento do julgado”.[1]
O problema que se afigura quanto à ação rescisória pode ser ilustrado nos seguintes termos: imaginemos que a sentença condene o réu à reparação dos danos materiais, mas julgue improcedente o pedido de indenização por danos morais. Da sentença apenas o autor recorre, e o tribunal nega provimento à apelação. Temos aqui uma dualidade de julgados definitivos: a sentença que condenou o réu a pagar danos materiais e o acórdão que, ao negar provimento à apelação, substitui a sentença quanto ao pedido de indenização por danos morais.
Surge então a dúvida: seria possível falar em diferentes momentos de trânsito em julgado – um para cada decisão –, ensejando, via de consequência, diversos termos iniciais para o prazo da ação rescisória?
Por muito tempo o STJ entendeu que não seria possível o fatiamento da coisa julgada, de modo que o prazo da ação rescisória iniciar-se-ia do trânsito em julgado do último pronunciamento jurisdicional (Súmula nº 401 do aludido tribunal).[2] O STF, no entanto, possuía entendimento contrário, no qual admitia a chamada coisa julgada progressiva.[3] Também o Tribunal Superior do Trabalho considerava que, havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado se daria em momentos distintos, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão (ex-Súmula nº 100 – alterada pela Res. nº 109/2001, DJ 20.04.2001).
Este último entendimento contava com previsão no projeto inicial do CPC/2015, mas foi retirado na redação final, a qual albergou o prazo rescisório único defendido pela jurisprudência do STJ. Em outras palavras, ainda que seja possível decompor o decisório em partes distintas (capítulos autônomos), o termo a quo para a propositura da ação rescisória será o mesmo para todos os capítulos.
Para que não restem dúvidas: o CPC de 2015 alberga a coisa julgada progressiva e autoriza, por exemplo, o cumprimento definitivo de parcela incontroversa da sentença condenatória (STJ, 2ª Turma, AgInt no AgInt no REsp 2.038.959-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/4/2024). Com efeito, quando não impugnados capítulos da sentença autônomos e independentes, estes transitarão em julgado e sobre eles incidirá a proteção assegurada à coisa julgada. Entretanto, o prazo para a eventual rescisão da decisão como um todo será único. Se um capítulo transitou em julgado em 2021 e o outro apenas em 2023, o prazo para a rescisória será a partir da última decisão proferida no processo.
Conquanto não nos pareça tecnicamente correta a orientação do STJ e, agora, do CPC/2015, uma vez que se admite sentença parcial e, portanto, fracionamento da coisa julgada, não há dúvidas de que, em termos práticos, essa solução é menos embaraçosa, porquanto evita o inconveniente de, nas palavras do Ministro Francisco Peçanha Martins, “existir ação em prosseguimento enquanto rescisórias estariam sendo propostas em juízo, ao longo do tempo e nas competências diversas”.[4]
Não obstante as diversas opiniões doutrinárias, considero que a definição de um prazo para ajuizamento de ação rescisória também não comporta incoerência com o julgamento antecedente parcial do mérito (art. 356) nem com o possível cumprimento definitivo da decisão caso haja “trânsito em julgado” (art. 356, § 3º). O trânsito em julgado citado pela norma diz respeito à modalidade de cumprimento da sentença e não tem relação com o prazo para eventual propositura de demanda rescisória.
O CPC/2015 (art. 975, §§ 2º e 3º) também elenca duas novas exceções relativas ao termo a quo do prazo para a propositura da ação rescisória: (i) se a ação rescisória for fundada no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo; (ii) se o vício da decisão ocorrer em razão de simulação ou de colusão entre as partes, o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão. Se a causa envolver alguma das hipóteses do art. 178, o Ministério Público terá que observar a regra geral.
Em suma:
Regra: o prazo de dois anos inicia-se com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, que se aperfeiçoa com o exaurimento dos recursos cabíveis ou com o transcurso do prazo recursal;
1ª Exceção: no caso de prova nova, o prazo de dois anos inicia-se na data da descoberta dessa prova, observado o prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Lembrando que a prova nova deve ser aquela cuja valoração seja capaz de, por si só, alterar o julgamento rescindendo; Vale ressaltar que esse é o posicionamento da lei e acolhido pelo STJ, que também já admitiu o enquadramento da prova testemunhal no conceito de prova nova;[5]
2ª Exceção: no caso de simulação ou colusão das partes, o termo inicial começa a partir do momento em que houve ciência da simulação ou da colusão, se a ação for proposta por terceiros ou pelo Ministério Público;
3ª Exceção: está prevista no § 15 do art. 525. Quando a sentença se fundar em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em controle difuso ou concentrado, o termo inicial da ação rescisória será a data do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF (cf. item 5.3.3, Capítulo II, Parte II).
Importa ressalvar que a aplicação dessas exceções somente deve ocorrer em relação à coisa julgada formada após a entrada em vigor do CPC, ou seja, a partir de 18.03.2016.
Ainda em relação à prova nova, temos que provocar o seguinte raciocínio: o CPC fala no prazo de dois anos a partir da descoberta da nova prova, observado o prazo máximo de cinco anos contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. A pergunta é: Os dois anos somam-se aos cinco? Ou seja, 05 (cinco) anos é o prazo máximo para a descoberta da prova nova e 2 (dois) anos, a contar da descoberta, é o prazo para o ajuizamento? Se esse for o raciocínio correto, a depender da data da descoberta da prova, a rescisória poderá ser proposta em até 7 (sete) anos a contar do trânsito em julgado.
Há quem considere que o limite de 5 anos substitui o prazo geral de 02 (dois) anos. Assim, se o trânsito em julgado ocorreu em 30/04/2019, a ação rescisória deve ser necessariamente proposta até 30/04/2024. Assim, mesmo que o prazo bienal seja contado a partir da nova prova, a ação rescisória, para essa corrente, não pode ser proposta de ultrapassados 5 (cinco) anos do trânsito em julgado.
Entendo, contudo, que os prazos podem ser somados. Veja, por exemplo, o caso em que o trânsito em julgado ocorreu em 10/03/2021. O autor obtém a prova nova apenas em 10/03/2025, ou seja, quatro anos após o trânsito em julgado. Ele terá até 10/03/2026 para ajuizar a ação rescisória – observando o limite de cinco anos – ou poderá ajuizá-la até 10/03/2026, usando, neste caso, a regra geral de 02 (dois) anos a partir da descoberta da prova?
Infelizmente a jurisprudência ainda não esclareceu o tema a contento. Por ora sugerimos que seja observada a corrente mais restritiva, até porque a hipótese de rescisão com base em prova nova, apesar de ser comum nos tribunais, dificilmente é considerada apta para rescindir a decisão. Isso ocorre porque muitos advogados e advogadas não compreendem, a partir da jurisprudência, o que é (ou não) considerado prova nova. Um laudo produzido após o trânsito em julgado, com base em dados do processo originário, não é uma prova nova. Um fato novo também não se confunde com prova nova. Ele até pode permitir o ingresso com nova demanda, caso não haja identidade entre a causa de pedir. No entanto, devido à eficácia preclusiva da coisa julgada, o fato novo não tem aptidão para provocar a rescisão do julgado[6].
Por fim, questão que ainda merece ser abordada é se o Ministério Público, a Fazenda Pública e a Defensoria Pública gozam de prazo em dobro para propositura da ação rescisória. É que, nos termos dos arts. 180 e 183 e 186, todos eles possuem prazo em dobro para manifestarem-se nos autos.
Conforme se depreende do dispositivo legal, o benefício de dilação do prazo só se aplica às manifestações em demandas já existentes (contestação e contrarrazões, por exemplo). A ação rescisória, todavia, constitui ação autônoma de impugnação de decisão judicial, razão pela qual não se sujeita à regra do prazo diferenciado.[7]
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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[1] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O § 6º do art. 273 do CPC: tutela antecipada parcial ou julgamento antecipado parcial da lide? Revista Gênesis de Direito Processual Civil, n. 32, p. 291-311, abr.-jun. 2004, p. 299.
[2] Súmula nº 401 do STJ: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.
[3] STF, RE 666.589/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.03.2014.
[4] Voto proferido no EREsp 404.777/DF.
[5] Para o STJ, “no novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo” (REsp 1.770.123/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 02.04.2019).
[6] “O documento novo apto a dar ensejo à rescisão, segundo doutrina e jurisprudência dominante, é aquele: a) existente à época da decisão rescindenda; b) ignorado pela parte ou que dele ela não poderia fazer uso; c) por si só apto a assegurar pronunciamento favorável; d) guarde relação com fato alegado no curso da demanda em que se originou a coisa julgada que se quer desconstituir. 4. Caso concreto em que a Corte de origem reconheceu não guardarem relação, os documentos apresentados, com fato alegado na ação originária, não evidenciarem a quitação da obrigação objeto de cobrança em ação transitada em julgado, nem ter-se escusado o demandante de sua não apresentação em momento processual oportuno” (REsp n. 1.293.837/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 2/4/2013, DJe de 6/5/2013)
[7] Esse já era o entendimento quando da vigência do CPC/1973. Cf. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2007.