Uma das diretrizes da reforma do Código de Processo Civil teve em mira a resolução da lide com menos processo. O objetivo visado com a instituição do procedimento da tutela antecipada em caráter antecedente foi a estabilização dos seus efeitos, que tem como consequência imediata a extinção do processo. Essa a razão por que se “autonomizou” o procedimento, aos moldes do que ocorre com a tutela cautelar requerida em caráter antecedente, mas com consequências imediatas sobre o direito substancial afirmado pelo demandante, que dele, uma vez estabilizada a tutela, poderá usufruir, sem experimentar os ônus do desenvolvimento do processo até a ocorrência da coisa julgada.
De acordo com o CPC/2015, concedida a tutela antecipada formulada em caráter antecedente, ela pode se tornar estável, dependendo da postura adotada pelo demandado, litisconsorte ou terceiro com legitimidade para impugnar a decisão.
Segundo disposto no art. 304, caput, a tutela torna-se estável se não interposto o respectivo recurso. Respectivo significa competente, devido, cabível. Qual o recurso respectivo? Em se tratando de decisão em tutela antecipada, gênero de tutela provisória, o recurso cabível é o agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, I. Assim, caso o réu não interponha agravo de instrumento, a tutela antecipada, concedida em caráter antecedente, torna-se estável. A mens legislatoris é no sentido de exigir o recurso como forma de evitar a estabilização. Trata-se de um ônus imposto ao demandado. Não basta contestar. É certo que na contestação o réu adquire a prerrogativa de ver a demanda decidida levando-se em conta também as suas alegações. Ocorre que na ponderação dos princípios da amplitude do direito de ação e da defesa, bem como do princípio da celeridade, o legislador optou por este, de sorte que, não obstante a apresentação de contestação, o processo será extinto (art. 304, § 1º).
Não obstante a extraordinária amplitude do direito de ação em mão dupla – exercido pelo autor com o ajuizamento da inicial e pelo réu ao contestar –, o legislador, sopesando outros princípios constitucionais, mormente o da celeridade, houve por bem impor um ônus ao autor, para que a sua demanda tivesse prosseguimento no caso de antecipação dos efeitos da tutela: a) o aditamento da petição inicial, desde que o pedido de tutela passível de estabilização tenha sido formulado em petição incompleta, presentes os demais requisitos; b) a interposição pelo réu do respectivo recurso (qual seja o agravo de instrumento). De qualquer forma, ainda que aditada a petição inicial, o prosseguimento do procedimento, rumo à cognição exauriente, depende da interposição do recurso.
Por mais que não se queira, a lei é aquilo que os tribunais (principalmente o STJ, quando se trata de legislação infraconstitucional) dizem que o é. No que se refere à estabilização, não obstante a clareza da lei (“não interposto o ‘respectivo’ recurso” a tutela tornar-se-á estável), em 04.12.2018, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça interpretou de forma ampla o artigo 304 do Código de Processo Civil de 2015 e entendeu que outras formas de impugnação, como a contestação, servem para impedir a estabilização da tutela antecipada (REsp 1.760.966/SP, Informativo 639). Assim, na linha do citado julgado, que não é vinculante, “caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, não ocorrerá a estabilização da tutela”.
Os fundamentos constantes no voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze (estímulo à interposição de agravos de instrumento e de ajuizamento de ação revisional) poderiam até servir de justificativas para um projeto de lei, mas jamais para ler branco onde preto é. Ao seguir a toada ditada pelo Judiciário, seria de se editar uma lei, com artigo único, dispondo que, no Brasil, adota-se integralmente o sistema da Common Law. Em país que adota o sistema legislado, concorde ou não com a lei, há que obedecê-la. Os precedentes deveriam consistir na interpretação e aplicação da lei sobre determinadas hipóteses. Mas o que vivenciamos é um afastamento do sistema legislado. Como se não bastasse, ainda contamos com uma grave insegurança jurídica, que se reflete no tema em comento. Mais recentemente, o mesmo STJ, agora através de sua 1ª Turma, entendeu que “a apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado – o agravo de instrumento” (REsp 1.797.365/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Min. Regina Helena Costa, j. 03.10.2019, DJe 22.10.2019). Para o Relator, há que se diferenciar a contestação do recurso para fins de aplicação da regra da estabilização. A contestação demonstra a resistência do réu em relação à tutela exauriente, enquanto o recurso de agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. São, pois, institutos inconfundíveis, de modo que a primeira não se mostra suficiente para obstaculizar a estabilização.
Infelizmente a divergência no âmbito da Corte Cidadã só aumenta. Em 2024 foi a vez da 4ª Turma definir que a ausência de recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada não acarreta sua estabilização se a parte se opôs a ela mediante contestação (REsp 1.938.645/CE, Rel. Ministra Maria Isabel Galloti, julgado em 04/06/2024). Parece-nos que é esse o entendimento que vem prevalecendo, ou seja, para a maioria, a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária.
No caso específico, o não exercício da faculdade de recorrer (ou de contestar, se seguirmos a linha da jurisprudência já citada) implica um ônus, qual seja, o obstáculo ao “direito” de ver a demanda dirimida, levando-se em conta a postulação formulada na contestação. Estabilizada a demanda, no mesmo processo, as portas da justiça se fecharam tanto para o autor quanto para o réu. Perderão eles, em decorrência do encerramento da relação processual, com julgamento da “situação estabilizanda”, o direito de prosseguir no procedimento rumo à cognição exauriente. Não esqueçamos de que a estabilização se dá nos exatos limites do que foi antecipado. Segundo a exposição de motivos do CPC/2015, “Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguirá o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação fique protegida pela coisa julgada”. O prazo para “rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada” (a eficácia da medida concedida) é de dois anos. Não ajuizada essa revisional, a “situação estabilizanda” (probabilidade mais perigo ou a evidência) resta estabilizada. Contudo, essa estabilização não significa que tanto o autor quanto o réu não possam discutir o direito de fundo.
A extinção se dá com julgamento da situação estabilizanda, isto é, com o pronunciamento judicial sobre a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Em se tratando de tutela da evidência, a declaração se limitará à “evidência” do direito – que é mais do que probabilidade e menos do que certeza. Trata-se de um terceiro gênero de extinção, a par das duas hipóteses já conhecidas (com e sem julgamento do mérito). Há algum conteúdo declaratório, para além dos requisitos inerentes ao processo, porém, não sobre a crise de direito substancial em si, mas apenas sobre a probabilidade e a situação de perigo ou risco ou evidência do direito.
Não se trata de extinção sem resolução do mérito, uma vez que não se encontra presente qualquer hipótese que autorize essa modalidade de extinção (art. 485). Por outro lado, também não se pode falar em extinção com resolução do mérito, porquanto não houve cognição exauriente, tampouco declaração de prescrição ou decadência, e assim a decisão não tem aptidão para formar coisa julgada material. Trata-se de um tertium genus de extinção. Extinção com estabilização. Para que o processo alcance esse status (extinção com estabilização da decisão), deve haver manifestação expressa do demandante no requerimento da tutela antecipada em caráter antecedente, no sentido de que pretende se valer do benefício da estabilização, bem como a inércia do demandado, no que se refere à (não) interposição do recurso cabível (agravo de instrumento) contra a decisão concessiva da tutela antecipada. Sem a manifestação do demandante, o procedimento prossegue rumo à sentença com base em cognição exauriente, com aptidão para formação de coisa julgada. O mesmo se dá se o demandado interpuser recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada. A apresentação da contestação pelo demandado é irrelevante para a estabilização. A ele foi imposto o ônus de recorrer ou então de ajuizar ação autônoma de revisão, reforma ou invalidação da decisão cujos efeitos foram estabilizados (art. 304, § 2º). Se não recorreu, a decisão será estabilizada. O legislador, em razão do não exercício de uma faculdade-ônus imposta ao réu (recorrer da decisão concessiva da tutela antecipada), obstou a possibilidade de a tutela jurisdicional ser prestada em mão dupla, isto é, ao autor (que manifestou o direito de ação na inicial) e ao réu, que apresentou contestação, com ou sem pedido reconvencional.
A tutela antecipada estabilizada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida em ação própria (art. 304, § 3º). Mas o que conservará os seus efeitos ou restará estabilizado? Apenas os efeitos da tutela concedida. Se a decisão foi para retirar o nome dos cadastros de proteção ao crédito, é esse efeito – que é um minus em relação à tutela declaratória de inexistência da dívida – que se torna estável se não interposta a ação no prazo de dois anos. Propositalmente, estou sendo repetitivo. Nessa ação revisional ou invalidatória, cujo prazo decadencial é de dois anos, deverá o réu se restringir a atacar os efeitos da tutela antecipatória concedida, por exemplo, contrapondo ao juízo de delibação levado a efeito pelo juiz, pelo qual chegou à conclusão de que o débito já havia sido pago. O objeto é a tutela antecipada concedida, no exemplo dado, é o retorno do nome do autor ao cadastro restritivo de crédito, para tanto pode e deve se avançar sobre o objeto da cognição sumária – no exemplo, a existência ou não da dívida. Se não ajuizada a ação revisional ou invalidatória, o que resta estabilizada e, portanto, indiscutível, é a retirada do nome do autor dos cadastros de proteção ao crédito em razão dos fundamentos adotados na decisão concessiva da tutela antecipada. O fundamento adotado na decisão concessiva da tutela antecipada no exemplo dado foi a inexistência da dívida, que foi tida como paga, mas sobre esse fundamento não houve declaração, apenas cognição sumária. Sem declaração não há coisa julgada, uma vez que esta recai primordialmente sobre o objeto da declaração, abrangendo, via de consequência, os efeitos dela. Aliás, o próprio Código, no art. 304, § 6º, deixa claro que coisa julgada não há. Assim, mesmo depois de ultrapassado o prazo decadencial da mencionada ação, não se pode falar em coisa julgada. Há estabilização irreversível dos efeitos da tutela. O nome do autor, em razão do fundamento adotado pelo juiz, não mais poderá ser inserido nos cadastros restritivos de crédito. Nada obsta, entretanto, que o réu, depois dos dois anos, observado o prazo prescricional, ajuíze ação de cobrança contra o requerente da tutela que foi estabilizada, invocando como fundamento a existência de crédito a seu favor. O fundamento, porque não foi alcançado pelos limites objetivos da estabilização, pode ser atacado para demonstrar a existência da dívida, jamais para promover a reinscrição do nome do requerente da tutela estabilizada nos cadastros restritivos de crédito. Uma vez condenado e transitada em julgado a decisão condenatória, poderá o nome do requerente da tutela estabilizada ser reinscrito no referido serviço de proteção ao crédito. A reinscrição não era possível tendo por fundamento a mera existência da dívida, com base em título extrajudicial, porquanto esta, com base em cognição sumária, foi reputada inexistente. Agora, pode-se proceder à inscrição originária, com base em outro fundamento, ou seja, a coisa julgada emergente da decisão condenatória.
O prazo decadencial para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada é de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo. Concedida a tutela antecipada, o réu é intimado da decisão, iniciando o prazo de 15 dias – salvo a possibilidade de contagem em dobro – para a interposição do agravo de instrumento. Ultrapassado o prazo sem a efetiva interposição do recurso, o processo é extinto (art. 304, § 1º). É a contar da ciência dessa sentença extintiva que se conta o prazo decadencial. O dispositivo não menciona a natureza da extinção, mas tal fato não tem o condão de transmudar a substância das coisas. Não há cognição exauriente ou qualquer circunstância que autorize a concluir que houve análise do mérito (art. 487), pelo contrário.
A ação de revisão ou invalidação da tutela antecipada estabilizada será instruída com os autos da ação onde foi deferida essa tutela. Para verificar a viabilidade da ação, qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida (art. 304, § 4º). Se não houver necessidade de análise dos elementos constantes nos autos onde requerida a tutela antecipada, bastará que o autor, na inicial, requeira o apensamento.
A legitimidade para a propositura da ação é do autor ou do réu, devendo perquirir sobre o interesse do autor no caso de se ter concedido exatamente o que foi pedido no requerimento da tutela antecipada. Competente para essa ação de revisão/invalidação é o juízo no qual foi concedida a tutela antecipada. Mais técnico, em vez de prevenção, como consigna o § 4º do art. 304, seria distribuição por dependência. No rigor doutrinário, prevenção não é critério de determinação, mas sim de modificação de competência.
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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