No CPC/1973 havia previsão do recurso denominado embargos infringentes, cabível “quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória” (art. 530, 1ª parte).
Desde o projeto inicial enviado ao Senado Federal (PLS nº 166/2010) optou-se por expungir os embargos infringentes do rol de recursos existentes no CPC (art. 994), o que foi aceito pelos Senadores na votação do texto final.
Ocorre que, em contrapartida, no art. 942, o legislador criou uma espécie de incidente – uma técnica de julgamento – que funciona como sucedâneo dos embargos infringentes no recurso de apelação. A emenda ficou bem pior do que o soneto. Equivocadamente argumentavam que os embargos infringentes eram o responsável pelo atravancamento da máquina judiciária (o bode posto na sala do Judiciário). O problema é que se criou um monstrengo, esse, sim, altamente burocratizante.
Vamos às diferenças entre o extinto recurso, cuja interposição, nas restritas hipóteses de cabimento, não chegava a cinco por cento, e o minotauro criado pelo legislador do atual Código. Esse, a meu ver, é um ponto que o CPC está a merecer reforma – a pura e simples extinção dessa famigerada técnica – antes mesmo da sua entrada em vigor.
Os embargos infringentes eram cabíveis em hipótese restrita de reforma, por maioria, de sentença de mérito ou de julgamento de procedência, também por maioria, da ação rescisória. De acordo com o art. 942, será aplicada a técnica de julgamento consistente na convocação de novos julgadores em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, com nova sustentação oral, quando: (i) em apelação, pouco importa se de mérito ou meramente extintiva, se confirmou ou reformou a sentença recorrida, desde que o primeiro julgamento seja por maioria; (ii) em ação rescisória, quando o resultado, por maioria, for no sentido da rescisão da sentença; (iii) em agravo de instrumento interposto contra decisão que julga parcialmente o mérito, houver reforma da decisão do juiz de primeiro grau. As diferenças não param na extraordinária ampliação das hipóteses de cabimento. Os embargos infringentes eram uma espécie recursal, assim, a interposição era voluntária. A nova técnica, ao revés, é obrigatória. Uma verdadeira remessa necessária, sem indicação de novo relator, mas, injustificadamente, com a possibilidade de uma nova sustentação oral num mesmo julgamento.
Como espécie recursal, os embargos infringentes dependiam de uma atuação da parte prejudicada – ou seja, devia estar presente a voluntariedade para a sua interposição. Já o incidente ou a técnica de julgamento prevista no art. 942, além de possuir caráter imperativo, independerá da provocação das partes. Veja:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
§ 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
§ 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
§ 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II – da remessa necessária;
III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
Em suma:
Hipóteses de cabimento e condições para aplicação da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC: | Na apelação | No agravo de instrumento | Na ação rescisória |
Se o acórdão foi proferido por maioria, não importando se o Tribunal manteve ou reformou a decisão. | Quando o acórdão proferido pelo Tribunal tiver reformado decisão que julgou parcialmente o mérito. | Quando o acórdão proferido pelo Tribunal tiver resultado na rescisão da decisão. |
Repita-se, para enfatizar a degeneração do que antes era recurso. Se no CPC/1973 eram as partes que detinham o poder de dizer se a questão, decidida por maioria de votos, seria ou não submetida ao reexame (arts. 530 a 534 do CPC/1973), com o CPC vigente, será do Estado-juiz, de ofício, o exercício dessa função.
Na prática, a aplicação da tal técnica de julgamento pode trazer inúmeros problemas de muitas ordens, principalmente nos tribunais menores, com um ou dois órgãos fracionários.
Como a técnica passará a ser aplicada não só à apelação (em qualquer hipótese de julgamento por maioria) e à ação rescisória, mas, também, ao agravo de instrumento,[1] não é difícil imaginar que a quantidade de trabalho no âmbito dos tribunais aumentará. Tal constatação vai de encontro ao objetivo de simplificação inicialmente proposto pelo legislador.
Feitas as críticas, passemos a analisar o instituto, a partir do seu cabimento.
De acordo com o caput, o cabimento dessa técnica de julgamento, assim já considerada pelo STJ, está vinculado ao resultado não unânime da apelação, o que quer dizer que ela tem cabimento tanto nos casos em que há reforma, quanto nos casos em que a decisão é mantida, desde que o resultado no julgamento da apelação não seja unânime. Noutros termos, “a técnica deve ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada” (Informativo 639, STJ). Também há aplicabilidade da técnica para os casos de inadmissibilidade, desde que o resultado seja não unânime.
É válido destacar que a redação do CPC trata do “resultado” e não do fundamento utilizado por cada julgador. Por exemplo: pode um desembargador julgar a apelação improcedente por entender que ocorreu a prescrição. Os outros, no entanto, usam como fundamento a ausência de provas. Os três julgam improcedente a apelação. É esse o resultado. Ainda que os fundamentos sejam diversos, o resultado é o mesmo e, justamente por isso, não será cabível aplicar a técnica de ampliação do colegiado.
O CPC prevê que o Regimento Interno de cada tribunal convocará os julgadores “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”. Apesar de se tratar de expressão genérica e, portanto, sujeita a diversas interpretações, entendo que, se os tribunais se organizarem em Câmaras com cinco Desembargadores, o novo julgamento não prejudicará nenhuma das partes, porquanto a mesma sustentação poderá ser aproveitada.
Caso o julgador que participou do primeiro julgamento queira alterar o voto, a lei processual traz essa permissão. Nos termos do § 2º do art. 942, os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento. A jurisprudência reconhece que, na segunda fase (ou melhor, no segundo julgamento), os julgadores convocados analisem integralmente o recurso, e não apenas o ponto ou objeto da divergência. Ou seja, diferentemente do que ocorre com os recursos, não há limites por conta da devolutividade. Justamente por essas razões entende-se que a eventual dispensa de um julgador, integrante necessário do quórum ampliado, sob o argumento de que já teria sido atingida maioria, constituiu ofensa ao art. 942 do CPC. Para o STJ, por exemplo, a técnica não pode ser reduzida a uma mera busca pela maioria de votos, significando, por outro lado, uma proposta de ampliação dos debates em sua inteireza, inclusive com a possibilidade de os julgadores que já votaram alterarem os seus votos e, consequentemente, o resultado final (STJ, REsp 1.890.473/MS, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 17.08.2021).
Outro ponto importante que merece destaque é o fato de que os novos julgadores convocados podem analisar integralmente o recurso, e não apenas o ponto objeto da divergência. Isso quer dizer que a técnica de ampliação obrigatória do colegiado independe da matéria acerca da qual houve divergência, pois o prosseguimento do julgamento deverá ocorrer sobre todo o processo e não apenas em relação à parte constante do voto vencido. Em outras palavras, diferentemente dos recursos, não há limites por conta da devolutividade, sendo possível a apreciação integral do apelo.[2] Isso ocorre porque a regra do art. 942 não comporta efeito devolutivo, pois não se apresenta como um recurso, mas como uma técnica de julgamento.
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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[1] A ampliação traduz posição jurisprudencial. Nesse sentido: “II – Embora o art. 530 do Código de Processo Civil se refira exclusivamente aos acórdãos proferidos em apelação ou em ação rescisória, mormente após a reforma do Código de Processo Civil ocorrida com o advento da Lei 10.352/2001, admite-se a interpretação extensiva do referido dispositivo legal, para abranger também as hipóteses de acórdão proferido em agravo de instrumento em que é decidido o mérito da demanda […]” (STJ, REsp 818.497/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 09.03.2010, DJe 06.05.2010).
[2] REsp 1.771.815/SP, j. 21.11.2018.