Todo aquele que, de qualquer modo, administra bens ou interesses alheios, por força de relação jurídica legal ou contratual, tem a obrigação de prestar contas, quando solicitado.
A obrigação de prestar não guarda qualquer relação com o fato de ser uma parte credora ou devedora da outra. O que se pretende é, tão somente, o esclarecimento de certas situações decorrentes da administração de bens alheios.
O procedimento especial que no CPC/1973 era denominado “ação de prestação de contas” e tinha como espécies a “ação de prestação de contas stricto sensu”, para a qual era legitimado ativo aquele que afirmava ter a obrigação de prestar contas, e a “ação de exigir contas”, cuja legitimidade ativa pertencia a quem afirmasse ter o direito de exigi-las, passou a ser denominado apenas “ação de exigir contas”.
A mudança no título indica as alterações ocorridas no corpo do texto. De acordo com o CPC/2015, não mais se pode falar em “ação de prestação de contas stricto sensu”, restando esse procedimento especial restrito à ação de exigir contas, a qual deverá ser manejada por aquele que afirma ser o titular do direito de exigi-las. Isso não significa que aquele que administra bens e valores de terceiros não possa prestar contas. A jurisdição, uma vez provocada, deve tutelar esse direito de prestar contas, demonstrado o interesse consistente na recusa do destinatário das contas. Apenas não se utilizará o procedimento especial para a prestação de contas, mas sim o procedimento comum. O procedimento especial de que estamos a tratar, repita-se, é destinado tão somente àquele que se julga no direito de exigir contas. Em outras palavras, a pessoa que, no plano material, afirmar ser o titular do direito de exigir as contas.
O objetivo dessa demanda é, em síntese, liquidar, no seu aspecto econômico-financeiro, a relação jurídica existente entre as partes, de tal modo que ao final seja apurada, com exatidão, a existência ou não de saldo em favor de algum dos litigantes. Em outras palavras, ela tem função predominantemente condenatória. Seu objetivo último é definir quem é o credor de determinada relação jurídica material, com a imediata fixação do saldo devedor, que poderá ser exigido no mesmo processo (cumprimento de sentença).
Para o ajuizamento dessa ação não há prazo prescricional específico, disciplinado em lei material. Por essa razão, aplica-se o prazo geral previsto no art. 205 do Código Civil, ou seja, 10 (dez) anos. Nesse sentido: “A ação de prestação de contas tem por base obrigação de natureza pessoal, aplicando-se, a vigência do atual Código Civil, o prazo prescricional de 10 (dez) anos” (STJ, AgInt no AREsp 1.477.128/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 23.03.2020, DJe 30.03.2020).
Excepcionalmente, havendo previsão legal específica, como no caso de ação de exigir contas pelo pagamento de dividendos, deve-se afastar o regramento geral. A propósito do tema, em meados de 2018 o STJ decidiu que, “no tocante à pretensão do titular de ações de haver dividendos de sociedades anônimas, a lei especial regente das sociedades anônimas, preceitua que prescreve em 3 (três) anos a ação para haver dividendos, contado o prazo da data em que tenham sido postos à disposição do acionista (art. 287, II, a, da Lei n. 6.404/1976)”. Por se tratar de lei especial (art. 287, Lei das SA), não se aplica ao caso o art. 205 do CC/2002. Em outras palavras, sendo de três anos o prazo para a ação para haver dividendos, também deve ser de três anos o prazo para o ajuizamento da ação de exigir contas, porquanto “as pretensões de exigir contas e a de obter o ressarcimento, na eventualidade de se apurar a existência de crédito a favor do demandante, embora não se confundam, são intrincadas entre si e instrumentalizadas na mesma ação, a observar, por isso, necessariamente, o mesmo prazo prescricional (Informativo 627, STJ).
A respeito da prescrição, vale uma observação: na hipótese em que a ação de exigir contas tem, na verdade, cunho condenatório, não se tratando apenas de demanda que busca obter o cumprimento de uma obrigação de natureza pessoal, o prazo prescricional pode ser diferenciado.
Conforme veremos adiante, a ação de exigir contas tem duas fases distintas: em um primeiro momento, discute-se a existência do dever de prestar as contas e, sucessivamente, caso haja essa obrigação, analisa-se a existência de eventual saldo devedor após a prestação das contas. O prazo prescricional será analisado conforme a fase desse procedimento. Assim, se não houver previsão em lei especial, à relação de direito material deve ser aplicado o prazo geral do art. 205 do Código Civil – 10 anos.
Por outro lado, na segunda fase do procedimento, se houver apuração de saldo remanescente, a pretensão da ação de exigir contas terá natureza condenatória, razão pela qual deverá o juiz analisar a pretensão indenizatória ou ressarcitória à luz do Código Civil (especialmente o art. 206). Em suma:
PRIMEIRA FASE | SEGUNDA FASE |
Objetivo: apurar a existência do direito de analisar a gestão de determinado patrimônio ou interesse. | Objetivo: apurar a existência de eventual crédito. |
Prescrição: 10 anos, caso não exista disposição específica na legislação especial. | Prescrição: dependerá da relação de direito material (ex.: prestação de contas que abrange a execução de contrato de serviços advocatícios – art. 206, § 5º, II, CC/2002 [5 anos]). |
Conforme o CPC atual, terá legitimidade para propor essa demanda quem tem o direito de exigir as contas, não havendo mais, portanto, duplicidade da legitimação ativa (art. 550, caput).
Ter-se-á interesse na propositura da ação de exigir contas sempre que houver recusa ou mora por parte de quem tem a obrigação de prestá-las, ou quando ocorra discordância sobre as verbas que deverão integrar o acerto de contas.
Exemplo interessante foi julgado em 2020 pelo STJ.[1] A Corte deu parcial provimento a um recurso especial para admitir a legitimidade ativa de genitor para exigir da genitora a apresentação de contas em relação aos valores pagos a título de prestação alimentícia ao filho. No caso concreto, a genitora, que detinha a guarda unilateral do filho, questionou a utilização da ação, argumentando que a prestação de contas tem por objetivo estabelecer a existência de um crédito, o que seria inviável para o caso, diante da irrepetibilidade da verba alimentar. O STJ ponderou que o art. 1.583, § 5º, do Código Civil[2] permite a possibilidade de supervisão do genitor que não detém a guarda, de modo que ele sempre será parte legítima para solicitar informações ou exigir contas que estejam relacionadas a assuntos que, direta ou indiretamente, interfiram na vida do filho. De toda forma, a ação de rito especial não poderá fixar em favor do genitor eventual crédito, já que as prestações pagas são irrepetíveis. Servirá, contudo, a partir de seu resultado, para fundamentar eventual pedido de revisão dos alimentos, fixação de guarda ou mesmo uma ação de reparação por danos materiais.
Também merece destaque o correntista bancário (Súmula nº 259 do STJ[3]). O envio regular de extratos bancários não retira do titular da conta o interesse em ajuizar ação contra a instituição financeira para obter pronunciamento judicial acerca da regularidade e correção dos lançamentos unilateralmente efetivados pelo banco.
A respeito da competência, a ação será proposta no foro do local em que se deu a gestão ou administração (art. 53, IV, b, do CPC). Trata-se de competência territorial, logo, relativa.
Havendo no contrato celebrado entre as partes cláusula de eleição de foro, este prevalecerá, exceto se abusiva, hipótese em que poderá ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz (art. 63, § 3º, do CPC).
No caso de prestação de contas envolvendo administradores judiciais (inventariante, tutor, curador, depositário), será competente para julgar as contas o órgão perante o qual tramitou ou tramita o processo no qual foi nomeado o administrador (art. 553 do CPC). A competência, aqui, é funcional e, portanto, absoluta.
Na ação de exigir contas, o procedimento é bifásico: primeiro se discute o direito de o autor exigir as contas; depois, as condições para a prestação e cobrança.
A primeira fase do procedimento está descrita no art. 550. Apresentada a petição inicial, o réu será citado para que preste as contas ou ofereça contestação em 15 dias. Se o réu não contestar o pedido, será proferido o julgamento antecipado; caso contrário, havendo contestação, o juiz decidirá e, se julgar procedente o pedido, condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar.
O termo inicial do prazo de 15 (quinze) dias para apresentar as contas tem início de forma automática, tão logo seja realizada a intimação do réu, na pessoa de seu advogado. Ou seja, é desnecessária a intimação pessoal do réu[4]. Esse entendimento decorre do fato de que a decisão nesta primeira fase, embora se assemelhe a uma sentença, não o é por conta da definição disposta no art. 203, § 1º, CPC. Assim, se procedente o pedido para a prestação das contas, tal decisão desafiará recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, II)[5]. Assim, o pronunciamento que julga procedente a primeira fase da ação de exigir contas tem natureza jurídica de decisão interlocutória de mérito, sendo recorrível por meio de agravo de instrumento, a contagem do prazo previsto no art. 550, § 5º, do CPC/2015 começa a fluir automaticamente a partir da intimação do réu, na pessoa do seu advogado, acerca da respectiva decisão, considerando que o recurso cabível, em regra, não tem efeito suspensivo (art. 995).
Na segunda fase serão observadas as regras dos arts. 551 e 552 do CPC. O réu apresentará as contas, sendo conferido ao autor o direito de se manifestar sobre elas. Na sentença, será apurado o saldo – que pode ser favorável ou desfavorável ao autor – que constituirá título executivo judicial a favor de quem for declarado o saldo credor. Nesse ponto vale transcrever a assertiva considerada incorreta pela Fundação Carlos Chagas na prova para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, aplicada em 2017: “Na ação de exigir contas, a sentença deverá apurar o saldo, se houver, mas só poderá constituir título executivo judicial em prol do autor da demanda”.
Citado para a ação de exigir contas, poderá o réu adotar uma das seguintes atitudes, ainda na primeira fase do procedimento:
a) Apresentar as contas e não contestar: essa postura do réu caracteriza verdadeiro reconhecimento da procedência da pretensão de exigir contas. O procedimento será abreviado, suprimindo-se uma fase (a primeira), ficando a lide circunscrita às contas em si e decidida por sentença, que porá fim à fase cognitiva. O que vier depois tratar-se-á do cumprimento de sentença.
A forma exigida pelo CPC/1973 (art. 917) para apresentação das contas (forma mercantil) sempre deixou em dúvida os operadores do direito. Seria mesmo necessário um modelo rígido de apresentação, com todos os elementos de uma escrituração contábil, ou poderiam ser aceitas as contas prestadas de outro modo, mas que atingissem a finalidade de demonstrar a exata administração e movimentação dos recursos financeiros? O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 917 do CPC/1973, afastou o rigor exigido pela legislação, possibilitando a apresentação das contas de modo diverso, desde que fosse possível compreender os dados necessários ao correto deslinde da controvérsia.[6] O CPC/2015 adotou o entendimento jurisprudencial como forma de privilegiar os princípios da instrumentalidade e da efetividade processual, consoante disposto no atual art. 551.
O que importa é que as contas sejam inteligíveis, que o réu demonstre que agiu com lisura na administração de bens alheios. Estas as contas em consonância com as práticas respeitantes ao comércio ou à mercancia, como nos livros e balanços financeiros, não tem qualquer influência sobre a manifestação da justiça, que é mundana e cega, mas enxerga até as falcatruas de alguns governantes e empresários que prestam impecáveis contas em forma mercantil.
O autor terá o prazo de quinze dias[7] para se manifestar sobre as contas prestadas, prosseguindo-se o processo na forma dos arts. 354 e seguintes, ou seja, pode o juiz proferir sentença desde logo ou sanear o processo, preparando-o para o julgamento do mérito, tudo a depender da situação em que se encontra o feito.
b) Apresentar as contas e contestar: tal situação pode parecer ilógica, mas não o é. De fato, ao prestar as contas, o réu estaria reconhecendo o direito do autor em exigi-las, o que seria incompatível com a contestação. Entretanto, Furtado Fabrício nos dá um exemplo em que essa postura seria possível: quando a divergência entre as partes disser respeito não à obrigação de prestar contas, mas ao seu conteúdo.[8]
Pode o réu, portanto, apresentar as contas e, não obstante, contestar o pedido, afirmando, por exemplo, que, ao prestá-las extrajudicialmente ao autor, este injustificadamente as recusou. Estaria o réu a alegar, então, verdadeira falta de interesse de agir do autor. Todavia, caso reconheça a correção das contas prestadas, não deve o juiz extinguir o feito sem resolução do mérito. Atento ao princípio da economia processual, o magistrado deve proferir julgamento meritório, de improcedência do pedido, acertando desde já o litígio. As contas são boas e já haviam sido prestadas, daí a declaração (de improcedência) no sentido de que o autor não tem direito a qualquer saldo. Nesse caso, as despesas processuais e honorários advocatícios serão suportados pelo autor, pois fora ele quem dera causa à instauração da demanda.[9]
c) Contestar a obrigação de prestar contas: nessa hipótese, o juiz decidirá se o réu tem ou não obrigação de prestar contas. Em caso afirmativo, condena-o, por meio de decisão interlocutória, a prestá-las no prazo de quinze dias (art. 550, § 5º)[10] e então passa-se à segunda fase. Ao contrário, se entender que o réu não tem obrigação de prestar contas, por sentença julgará improcedente o pedido; na sentença, o juiz dirá não que as contas são boas ou ruins, mas que o réu sequer tem o dever de prestá-las. Registra-se que o STJ já admitiu a flexibilização do prazo para apresentação das contas, afirmando que a sua natureza não é peremptória.[11] Por fim, cabe ressaltar que esse prazo de 15 dias para o réu cumprir a condenação na primeira fase (art. 550, § 5º), segundo entendimento do STJ, começa a fluir automaticamente a partir da sua intimação na pessoa do seu advogado (REsp 1.847.194/MS, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 16.03.2021).
d) Contestar sem negar a obrigação de prestar contas: nessa hipótese, a contestação limitar-se-á às matérias processuais (art. 337 do CPC). Nesse caso, duas são as possibilidades. O juiz pode acatar as defesas processuais e extinguir o processo sem julgamento do mérito (por sentença, é claro). Pode também rejeitar tais defesas, entendendo que o réu está obrigado a prestar contas, e então condená-lo (em decisão interlocutória) a tanto. Ao rejeitá-las, o juiz condenará o réu a prestar as contas, na forma do § 5º do art. 550.
e) Manter-se inerte: aplica-se o art. 355 em decorrência dos efeitos da revelia, salvo se ocorrer uma das hipóteses do art. 345. Também nesse caso o réu será condenado a prestar contas no prazo de quinze dias. Quero alertar o leitor que, em qualquer procedimento, a revelia, por si só, não significa que o juiz seja compelido a condenar o réu à prestação de contas. Como ensina Barbosa Moreira[12], deve o juiz verificar a verossimilhança dos elementos apresentados na inicial. Nessa linha também é a jurisprudência do STJ: “A caracterização de revelia não induz a uma presunção absoluta de veracidade dos fatos narrados pelo autor, permitindo ao juiz a análise das alegações formuladas pelas partes em confronto com todas as provas carreadas aos autos para formar o seu convencimento”.[13]
A primeira fase da ação de exigir contas encerra-se com um pronunciamento judicial (decisão interlocutória, porquanto não pôs fim à fase cognitiva do processo) acerca da existência ou não do direito de exigir contas.
É possível, contudo, o julgamento meramente terminativo, com o reconhecimento de alguma das hipóteses do art. 485 do CPC. Nesse caso, o ato judicial terá natureza de sentença, exatamente porque pôs fim a toda a fase cognitiva do processo.
Há ainda a possibilidade de o mérito ser decidido com a declaração no sentido da inexistência do direito material de exigir contas, alegado pelo autor. Aqui também haverá sentença e, no caso, sentença que implica resolução do mérito, uma vez que declara a inexistência do dever de prestar contas por parte do réu. Assim, se reconhece o dever de prestar contas, a decisão será interlocutória, uma vez que a fase cognitiva do processo terá prosseguimento. Ao revés, se prosseguimento não houver, estaremos diante de sentença. Trata-se, como já dito, de entendimento consolidado no âmbito do STJ.
A sentença que julga improcedente a pretensão de exigir contas terá natureza declaratória e, por não ensejar a abertura de uma nova fase, sujeita-se a recurso de apelação. A decisão de procedência é de conteúdo condenatório, impondo ao réu obrigação de fazer (prestar as contas em 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar). O recurso cabível depende justamente do resultado: se houve procedência do pedido do autor, o réu fica vencido na primeira fase da ação de exigir contas, podendo recorrer dessa decisão por meio de agravo de instrumento. De toda forma, não havendo reforma, deve o réu arcar com os honorários advocatícios como consequência do princípio da sucumbência. A propósito, de acordo com o entendimento do STJ, o valor desses honorários dependerá de apreciação equitativa pelo juiz[14]. É que, por não haver, ainda, condenação (que, na verdade, além de inestimável é também imprevisível), a verba honorária será fixada com base no § 8º do art. 85.
Bem. Uma vez definido o dever de o réu prestar as contas, será ele intimado para fazê-lo no prazo de 15 dias. Conforme já delineado, essa intimação ocorrerá na pessoa do advogado por ele constituído. No caso de não haver constituído patrono nos autos, será reputado revel, o que, entre outras consequências, implica a fluição dos prazos da data da publicação do ato decisório no órgão oficial (art. 346, parágrafo único). Interposto o recurso contra a decisão que condena à prestação de contas, e mantida a decisão em grau recursal, terá início, a partir da intimação da decisão do Tribunal, o prazo de 15 dias.
O aperfeiçoamento do ato a ser praticado pelo réu – apresentação em juízo das contas – indubitavelmente necessitará do acompanhamento do advogado já constituído, pelo que é de se reputar válida a intimação feita na pessoa deste. Repita-se. Não havendo constituição de patrono (advogado) nos autos, não pode o réu apresentar contas: haverá incidência dos ônus da revelia, que, no caso, tem possível consequência no julgamento como boas (corretas) as contas apresentadas pelo autor, exceto nas hipóteses mencionadas nos incisos do art. 345, que afastam os efeitos da revelia.
Vale lembrar que nessa primeira fase, havendo conclusão pela necessidade de o réu apresentar contas, ele será condenado ao pagamento de honorários[15].
Por conseguinte, o início da segunda fase da ação de exigir contas também independe da intimação pessoal da parte ré, bastando a ciência do advogado que a representa.
Prestadas as contas, terá o autor quinze dias para sobre elas se manifestar (art. 550, § 2º).
A não impugnação das contas pelo autor não significa que o julgador deve acatá-las de plano. Ao magistrado são facultados amplos poderes de investigação, podendo ele, a despeito da ausência de resposta do autor, instaurar a fase instrutória, com realização de perícia e colheita de prova em audiência.
Havendo necessidade de instrução probatória, produzir-se-ão as provas pretendidas, com designação de audiência de instrução e julgamento para oitiva de eventuais testemunhas. É possível, inclusive, que na segunda fase seja acolhido pedido para produção de prova pericial contábil[16]. Nesse caso, a decisão interlocutória que eventualmente deferir a produção dessa prova não se submeterá ao regime recursal diferenciado que o legislador estabeleceu para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único). Ao contrário, submeter-se-á ao regime recursal aplicável à fase de conhecimento, pois, como vimos, é nela que o réu irá propriamente prestar as contas pleiteadas pelo autor, cabendo ao juiz avaliá-las e, somente após, reconhecer a eventual existência de saldo credor ou devedor. Assim, como não existe previsão legal para a recorribilidade imediata da referida decisão interlocutória no caput e nos incisos do art. 1.015 do CPC, não cabe agravo de instrumento[17].
Em seguida, será proferida sentença que julgará as contas.
Caso deixe o réu de cumprir a obrigação de prestar contas, estas serão apresentadas pelo autor, sendo vedado ao réu impugná-las (art. 550, § 5º, in fine).
Tal qual a ausência de impugnação do autor às contas prestadas pelo réu, a não apresentação das contas por este não implicará necessária aprovação daquelas que vierem a ser exibidas pelo demandante. As contas serão analisadas pelo juiz, que poderá determinar a realização de exame pericial e determinar a realização de diligências outras que reputar essenciais à solução da lide (art. 550, § 6º). O réu não poderá impugnar as contas apresentadas, mas nada o impede de participar da instrução probatória, produzindo provas que entenda pertinentes para solução da demanda.
A sentença a ser proferida declarará qual é a conta correta e definirá quem é credor do saldo porventura apurado. A sentença já conterá o comando de pagar quantia certa e valerá como título executivo judicial (art. 552), a ser exigido nos mesmos autos, em uma nova fase processual: o cumprimento de sentença.
Quanto ao recurso cabível no final da fase de conhecimento, que pode ser encurtada – por exemplo, quando entender o julgador, que o direito material não ampara a pretensão do autor a exigir contas – ou encerrada após a apresentação das contas, não há dúvida. A decisão tem natureza de sentença, que encerra um módulo do processo (a fase de conhecimento), logo o recurso cabível é a apelação.
[1] Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/04082020-Terceira-Turma-admite-acao-de-prestacao-de-contas-para-fiscalizar-recursos-de-pensao-.aspx. Acesso em 27 set. 2020.
[2] “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação dos filhos”.
[3] A súmula continua válida com o CPC/2015, mas a sua redação deve ser atualizada com o novo nome do procedimento (“Ação de exigir contas”).
[4] A jurisprudência acolhe essa conclusão. Por exemplo: STJ, 3ª Turma, REsp 1.847.194/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, julgado em 16/03/2021.
[5] Nesse sentido: “(…) Se, na vigência do CPC/73, o pronunciamento jurisdicional que julgava a primeira fase da ação de prestação de contas era a sentença, suscetível de impugnação pelo recurso de apelação, é certo que, após a entrada em vigor do CPC/15, instalou-se profunda controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do ato judicial que encerra a primeira fase da ação agora chamada de exigir contas, se sentença suscetível de apelação ou se decisão interlocutória suscetível de agravo de instrumento. 5. O CPC/15 modificou substancialmente os conceitos de sentença e de decisão interlocutória, caracterizando-se a sentença pela cumulação dos critérios finalístico (‘põe fim à fase cognitiva do procedimento comum’) e substancial (‘fundamento nos arts. 485 e 487’) e caracterizando-se a decisão interlocutória pelo critério residual (‘todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não seja sentença’). 6. Fixadas essas premissas e considerando que a ação de exigir contas poderá se desenvolver em duas fases procedimentais distintas, condicionando-se o ingresso à segunda fase ao teor do ato judicial que encerra a primeira fase; e que o conceito de sentença previsto no art. 203, § 1º, do CPC/15, aplica-se como regra ao procedimento comum e, aos procedimentos especiais, apenas na ausência de regra específica, o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas: se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação. 7. Havendo dúvida objetiva acerca do cabimento do agravo de instrumento ou da apelação, consubstanciada em sólida divergência doutrinária e em reiterado dissídio jurisprudencial no âmbito do 2º grau de jurisdição, deve ser afastada a existência de erro grosseiro, a fim de que se aplique o princípio da fungibilidade recursal. 8. Delineada suficientemente, nas causas de pedir existentes na petição inicial, o objeto e o período das contas que deverão ser prestadas, inclusive com delimitação judicial do objeto para fins de prosseguimento da ação em sua segunda fase, não há que se falar em pretensão genérica que inviabilize a prestação. 9. O art. 54, § 2º, da Lei nº 8.245/91, estabelece uma faculdade ao locatário, permitindo-lhe que exija a prestação de contas a cada 60 dias na via extrajudicial, o que não inviabiliza o ajuizamento da ação de exigir contas, especialmente na hipótese em que houve a efetiva resistência da parte em prestá-las mesmo após a delimitação judicial do objeto”. (REsp 1.746.337/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 12.04.2019).
[6]37 “Agravo regimental. Recurso especial. Divergência jurisprudencial demonstrada. Ação de prestação de contas. Necessidade de forma mercantil. Ausência de rigor. Apresentação de contas de maneira inteligível. Harmonização com a concepção finalística do processo. 1. A apresentação de contas em forma mercantil é uma necessidade do processo, uma vez que o exame, a discussão e o julgamento devem ser facilitados para os sujeitos processuais. 2. As contas apresentadas de forma não mercantil podem ser consideradas se forem apresentadas de maneira clara e inteligível de forma a atingir as finalidades do processo. Deverão, portanto, ser aproveitadas e julgadas, após confrontadas com as impugnações da parte adversa. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (STJ, AgRg no REsp 1.344.102/SP, Rel. Min. João Otávio Noronha, j. 17.09.2013).
[7] No CPC/1973 esse prazo era de cinco dias (art. 915, § 1º).
[8] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 320-321.
[9] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de…, op. cit., p. 372.
[10] No CPC/1973 esse prazo era de 48 horas (art. 915, § 2º). Segundo entendimento do STJ, esse prazo de 48 horas para a apresentação das contas pelo réu, previsto no art. 915, § 2º, do CPC/1973, deveria ser computado a partir da intimação do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito do autor de exigir a prestação de contas (STJ, REsp 1.582.877-SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.04.2019).
[11] “Agravo interno no recurso especial. Ação de prestação de contas. Segunda fase. Julgamento da apelação. Utilização dos fundamentos da sentença. Possibilidade. Prazo de 48 horas para prestar as contas. Art. 915, § 2º, do CPC/1973. Flexibilização. Possibilidade. Recurso desprovido. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é admitido ao Tribunal de origem, no julgamento da apelação, utilizar, como razões de decidir, os fundamentos delineados na sentença (fundamentação per relationem), medida que não implica em negativa de prestação jurisdicional, não gerando nulidade do acórdão, seja por inexistência de omissão seja por não caracterizar deficiência na fundamentação. 2. O prazo de 48 (quarenta e oito) horas para a apresentação das contas pelo réu, previsto no art. 915, § 2º, do CPC/1973, deve ser computado a partir da intimação do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito do autor de exigir a prestação de contas. 2.1. Todavia, o referido prazo não é peremptório, podendo ser flexibilizado pelo julgador, a depender da complexidade das contas a serem prestadas, devendo essa análise ser realizada em cada caso. 3. Agravo interno desprovido” (STJ, AgInt no REsp 1650460/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 31.08.2020, DJe 08.09.2020).
[12] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro, 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 97.
[13] STJ. Agravo Regimental no REsp 1.194.527/MS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 20.08.2015, DJe 04.09.2015.
[14] “Os honorários advocatícios de sucumbência na primeira fase da ação de exigir contas devem ser arbitrados por apreciação equitativa, conforme disposto no § 8º do art. 85 do CPC/2015”. (STJ, 3ª Turma. REsp 1.874.920-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/10/2022).
[15] “Nos termos do entendimento jurisprudencial desta Corte de Uniformização, havendo a procedência do pedido autoral, na primeira fase da ação de exigir contas, é cabível a condenação ao pagamento dos honorários sucumbenciais.” (STJ, AgInt no REsp n. 1.885.090/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 22/11/2023). Há precedente isolado da Quarta Turma em sentido oposto (STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1918872-DF Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/03/2022), porém, vem prevalecendo a corrente que admite a excepcional apreciação equitativa no que tange aos honorários na primeira fase.
[16] Contra essa decisão, a propósito, não cabe qualquer recurso imediado.
[17] “A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento”. (STJ, 3ª Turma. REsp 1.821.793-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2019).
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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