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Meios de execução atípicos: uma breve análise sobre o inciso IV do art. 139 do CPC e o atual posicionamento da jurisprudência

Meios de execução atípicos

Meios de execução atípicos: uma breve análise sobre o inciso IV do art. 139 do CPC e o atual posicionamento da jurisprudência

Ao bordar o tema “meios de execução atípicos”, é bem provável que esse seja um dos dispositivos mais conhecidos do Código de Processo Civil de 2015. Quem ainda não ouviu no noticiário – jurídico ou não – a existência de decisões judiciais envolvendo apreensão de passaporte e suspensão de Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir em processos executivos? A partir da interpretação do inciso IV do art. 139 do CPC/2015, muitos juízes passaram a adotar – às vezes de forma indiscriminada e desproporcional – meios de execução atípicos com o objetivo de forçar o executado/devedor ao cumprimento de obrigações fixadas em títulos judiciais ou extrajudiciais, inclusive de natureza pecuniária.

Os meios de execução atípicos  permitem ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive em ações que tenham como objeto o cumprimento de prestação pecuniária. O dispositivo representa uma ampliação dos poderes do juiz para se permitir a concessão de medidas destinadas a assegurar a efetivação da tutela pretendida (preventiva ou repressiva), assim como das decisões judiciais.

Para facilitar a compreensão sobre a amplitude dessas medidas, podemos conceituá-las da seguinte forma:

  • Medidas coercitivas: são aquelas que objetivam forçar o cumprimento de uma ordem judicial. Aquele que sofre a medida deve raciocinar no sentido de compreender que é mais vantajoso cumprir e satisfazer a obrigação ou o dever imposto do que assumir a medida coercitiva. O exemplo clássico é a imposição de multa diária.
  • Medidas indutivas: essa expressão figura – creio que pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro – no projeto de lei da ação civil pública. A doutrina ainda não se ocupou do tema. Para mim, trata-se de uma subdivisão das medidas coercitivas. Os legisladores – os doutrinadores principalmente – têm um pendor especial para a criação de espécies desnecessárias. Exibem exóticos termos como a maior descoberta do século. Bem, creio que essa tal indução advém da prisão. Isso para os que sustentam que o cumprimento de decisão judicial pode ser exigido sob cominação de prisão, porquanto distinta da prisão por dívida. Por ora, espero que os leitores não se preocupem com a terminologia. O que se pode dizer é que se trata de mais uma medida para forçar o destinatário da ordem (do mandamento) a cumpri-la.
  • Medidas mandamentais: são aquelas que podem produzir parte dos efeitos de uma decisão de cunho constitutivo, mas que não se confundem com a própria tutela pretendida. Trata-se de uma ordem que pode ser destinada às partes ou a um terceiro.
  • Medidas sub-rogatórias: “São mecanismos de cumprimento da ordem judicial que dispensam a colaboração do ordenado, já que a prestação imposta pode ser atribuída a terceiro, de forma a realizar exatamente o resultado idêntico àquele que seria operado pelo sujeito passivo” (ARENHART, Sérgio Cruz. A intervenção judicial e o cumprimento da tutela específica. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 57, n. 385, p. 45-60, nov. 2009).

O Código de Processo Civil de 1973 já autorizava o juiz, de ofício ou a requerimento, a determinar medidas necessárias para assegurar a efetivação da tutela específica pretendida nas ações que tinham por objeto o cumprimento de obrigações de fazer (ou não fazer) ou de entregar coisa, bem como para garantir a obtenção do resultado prático equivalente (arts. 461 e 461-A, CPC/1973). O juiz podia, por exemplo, impor multa diária ao réu, determinar a busca e apreensão de coisa ou o desfazimento de obra.

Com a nova disposição sobre meios de execução atípicos, a regra se tornou mais abrangente, de modo que, atualmente, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, buscar o modo mais adequado para se efetivar a tutela do direito ou a decisão proferida e efetivamente não cumprida.

Sem deixar de considerar alguns excessos cometidos por magistrados(as) brasileiros(as), o fato é que o dispositivo pode ser bastante útil para forçar o devedor a cumprir determinada obrigação. Isso não quer dizer que a apreensão de passaporte e CNH sejam os únicos caminhos. É possível, por exemplo, suspender, como medida coercitiva atípica, os créditos que uma empresa tem para receber de uma administradora do cartão de crédito. Imagine, por exemplo, que a Empresa XYZ Ltda. é sujeito passivo de uma execução. Neste procedimento, as tentativas de penhora de ativos financeiros, ações e veículos não lograram êxito. Surge a informação de que a empresa devedora, uma livraria on-line, continua a receber pagamentos de compras realizadas por consumidores por do cartão de crédito de bandeira Visa. É plenamente possível que se determine, como medida executiva atípica, a suspensão dos repasses pela Visa à empresa devedora, até o limite da obrigação executada. Trata-se de providência de caráter subsidiário.

A propósito da subsidiariedade das medidas atípicas, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o seguinte enunciado: “A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II” (Enunciado n. 12).

Notadamente quanto ao passaporte, a jurisprudência ainda não chegou a um consenso. A 4ª Turma do STJ considerou, por unanimidade, que a medida coercitiva de apreensão de passaporte é ilegal e arbitrária por restringir desproporcionalmente o direito de ir e vir, garantido constitucionalmente. A decisão foi proferida no RHC 97.876, julgado em junho de 2018. Por outro lado, em setembro de 2019, no julgamento do RHC 173.332, o Supremo Tribunal Federal manteve a deliberação de apreensão de passaporte em ação que buscava a reparação de dano ambiental.

Quanto a suspensão de CNH, o STJ já se manifestou favorável aos meios de execução atípicos, mas registrou que a deliberação é excepcional e exige a presença de sinais que comprovem a ocultação patrimonial (REsp 1.782.418/RJ). Ademais, devem ser exauridos os meios coercitivos típicos (como penhora de ativos financeiros, veículos e imóveis) antes da adoção da medida atípica. Nesse sentido: “(…). A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade” (STJ, REsp 1788950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 23.04.2019, DJe 26.04.2019).

Já em 2020, o art. 138, IV, foi adotado com outra finalidade, diversa do pagamento de dívida submetida à execução. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que esse dispositivo admite, por exemplo, a condução coercitiva de familiares para a realização de exame de DNA, em caso de Ação Investigatória da Paternidade. No caso concreto, a Corte entendeu inviável a aplicação do enunciado da súmula 301, porque a presunção de paternidade no caso de recusa é destinada ao suposto pai, e não aos demais familiares. “A impossibilidade de condução do investigado “debaixo de vara” para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica a impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do CPC/2015, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ, ou quando se observar postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa. Por fim, aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos arts. 401 a 404, do CPC/2015, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida” (Rcl 37.521-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, j. 13.05.2020, DJe 05.06.2020).

Toda essa conjuntura apresentada na jurisprudência pode ser alterada futuramente pelo Supremo Tribunal Federal. Isso porque, encontra-se pendente de julgamento Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI 5.941 MC/DF) destinada a declarar a nulidade, “sem redução de texto, do inciso IV do artigo 139 da Lei 13.105/2015, para declarar inconstitucionais, como possíveis medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias oriundas da aplicação daquele dispositivo, a apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública”. No início de 2019, a Procuradora-Geral da República encaminhou parecer favorável à procedência da ADI, argumentando que tais medidas representam restrição a liberdades individuais em razão de dívida civil e, por isso, violam a Constituição. A ADI 5941 teve seu julgamento iniciado (e ainda não finalizado) em outubro de 2020. Nós, advogados, aguardaremos ansiosos por esse desfecho.

Elpídio Donizetti

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