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Nulidade da sentença arbitral: até onde o Judiciário pode ir?

Nulidade da sentença arbitral: até onde o Judiciário pode ir?

Da mesma forma que ocorre no processo judicial, a formação da coisa julgada no âmbito do procedimento arbitral está sujeita à imutabilidade da decisão proferida após as etapas necessárias do procedimento (art. 31, Lei nº. 9.307/96). Ou seja, a sentença proferida pelo juízo arbitral faz coisa julgada material e, constitui, por força de lei, título executivo judicial (art. 525, VII, do CPC/15).

Em hipóteses restritas há possibilidade de a sentença arbitral ser anulada pelo Poder Judiciário, conforme possibilita o art. 33 da Lei 9.307/96[1]. No entanto, os fundamentos para invocar a nulidade são reduzidos a um elenco previamente fixado no art. 32:

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

I – for nula a convenção de arbitragem;      

II – emanou de quem não podia ser árbitro;

III – não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;

IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;

V – Revogado.

VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;

VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e

VIII  – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei (princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento).

Além de uma ação própria – ação declaratória de nulidade de sentença arbitral –, que deve ser proposta no prazo decadencial de 90 (noventa) dias, a nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada via impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/96), caso a decisão venha a ser executada judicialmente.  Para esta hipótese não se aplica o prazo de noventa dias antes referido, até porque o executado só pleiteará a nulidade quando for judicialmente acionado pelo exequente. Sobre a execução da sentença arbitral, conferir outro artigo de nossa autoria: https://www.elpidiodonizetti.com/contrato-que-contem-clausulaarbitral-pode-ser-executado-judicialmente/.

Nosso escopo nesse texto é tratar dos limites impostos pela Lei de Arbitram à atuação do Judiciário. Abordaremos a possibilidade de nulidade à luz do art. 32 que, como vimos, é bastante restrito (ou deveria ser).

Temos que ter em mente a seguinte premissa: não cabe ao Judiciário adentrar no mérito da decisão arbitral, julgando os fundamentos utilizados na formação da convicção dos árbitros, mas, apenas, verificar se devidamente observado o procedimento legal pertinente. É esse o entendimento jurisprudencial que vem prevalecendo. Por exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO NA DECISÃO ARBITRAL – VÍCIOS NÃO VERIFICADOS – PLEITO DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA EXECUTIVA AFASTADO – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA – RECURSO DESPROVIDO. O controle judicial sobre a validade das sentenças arbitrais está relacionado a aspectos estritamente formais, não sendo lícito ao magistrado togado examinar o mérito do que foi decidido pelo árbitro. (TJ-PR – ES: 00510894620208160000 PR 0051089-46.2020.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Desembargadora Regina Afonso Portes, Data de Julgamento: 02/03/2021, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/03/2021).

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL. VÍCIOS FORMAIS. AUSÊNCIA. 1. Demanda na qual se questiona a validade de sentença arbitral por ofensa aos princípios da motivação e do contraditório, além de outros vícios formais. 2. Na ação de invalidação de sentença arbitral, o controle judicial, exercido somente após a sua prolação, está circunscrito a aspectos de ordem formal, a exemplo dos vícios previamente elencados pelo legislador (art. 32 da Lei nº 9.307/1996), em especial aqueles que dizem respeito às garantias constitucionais aplicáveis a todos os processos, que não podem ser afastados pela vontade das partes. 3. Hipótese em que a sentença arbitral não está fundada em meras suposições, mas, sobretudo, na ausência de cláusula penal para a hipótese de resolução antecipada do contrato e na vedação ao enriquecimento sem causa. 4. Aplica-se à arbitragem, à semelhança do processo judicial, a teoria da substanciação, segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido, não se podendo afirmar, no caso em exame, que a solução apresentada desbordou das postulações inicialmente propostas. 5. No procedimento arbitral, é plenamente admitida a prorrogação dos prazos legalmente previstos por livre disposição entre as partes e respectivos árbitros, sobretudo em virtude da maior flexibilidade desse meio alternativo de solução de conflitos, no qual deve prevalecer, em regra, a autonomia da vontade. 6. Se a anulação da sentença proferida fora do prazo está condicionada à prévia notificação do árbitro ou do presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe um prazo suplementar de dez dias (art. 32, VII, da Lei de Arbitragem), não há motivo razoável para não aplicar a mesma disciplina ao pedido de esclarecimentos, que, em última análise, visa tão somente aclarar eventuais dúvidas, omissões, obscuridades ou contradições, ou corrigir possíveis erros materiais. 7. Sentença arbitral pautada em princípios basilares do direito civil, não importando se houve ou não referência expressa aos dispositivos legais que lhes conferem sustentação, não havendo como afirmar que houve julgamento por equidade, em desrespeito às condições estabelecidas no compromisso arbitral. 8. O mero inconformismo quanto ao conteúdo meritório da sentença arbitral não pode ser apreciado pelo Poder Judiciário. Precedentes. 9. Recursos especiais não providos (STJ – REsp: 1636102 SP 2016/0057629-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 13/06/2017, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2017).

À arbitragem como via de composição de litígios deve ser dada prevalência, sempre que possível, à autonomia das partes. E, por óbvio, à autonomia do árbitro ou do tribunal arbitral para dirimir o litígio de acordo com o livre convencimento de cada julgador arbitral, respeitados os limites impostos pela lei. Por isso mesmo a discussão sobre a validade da sentença arbitral é restrita às hipóteses legalmente previstas no art. 32 da Lei nº 9.307⁄1996.

Talvez a hipótese que suscite mais dúvidas seja aquela disposta no inciso VII do art. 32, que faz referência aos princípios. O § 2º do art. 21 da Lei de Arbitragem dispõe que serão sempre respeitados, no procedimento arbitral, os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. Todos esses princípios decorrem do devido processo legal, cujas garantias não podem ser afastadas pela vontade das partes.

Em um caso concreto, por violação ao princípio da imparcialidade, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais anulou uma sentença arbitral porque restou evidenciado que o árbitro condicionou sua própria remuneração ao êxito da demanda e ainda conduziu o processo sem observar o procedimento fixado na cláusula compromissória. (Apelação Cível 10000190518035001, Relator: Marcos Lincoln, Data de Julgamento: 26/05/2021, Câmaras Cíveis / 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/05/2021).

Em outro caso, o Tribunal de Justiça de Goiás verificou que uma das partes foi impedida de produzir e contrapor provas e de influenciar na formação da convicção do árbitro, pois deixou de ser intimada para um determinado ato do procedimento arbitral. O TJGO anulou a sentença arbitral por violação ao contraditório, esclarecendo, ainda, que esse princípio é fator de legitimação do processo, ao ponto de ser factível afirmar que não existe processo sem contraditório, ainda que no plano da jurisdição arbitral (Apelação Cível: 0255079-21.2018.8.09.0006, Relator: Des(a). Reinaldo Alves Ferreira, Data de Julgamento: 28/01/2021, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/01/2021).

O problema reside na interpretação e no consequente alcance desses princípios. Como são cláusulas abertas, não é incomum que gerem conclusões distintas. Vamos ao exemplo: imagine que duas pessoas se submetem voluntariamente ao procedimento arbitral e uma delas postula pela realização de prova pericial. Podemos falar em nulidade da sentença arbitral na hipótese de o árbitro afastar a necessidade dessa prova? Em outras palavras, a parte supostamente prejudicada pode pedir a intervenção do Poder Judiciário alegando violação ao contraditório?

Uma coisa é o árbitro deixar de apresentar a devida fundamentação sobre a (des)necessidade da prova – seja pericial ou qualquer outra. Nesse caso é claro que há motivo para nulidade.  Do mesmo modo que na jurisdição estatal, os árbitros que atuam perante o tribunal arbitral têm a faculdade de decidir sobre a produção das provas necessárias ao deslinde da causa, conforme possibilitam os arts. 21, § 2º, e 22, caput, da Lei de Arbitragem:

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, ás partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.

§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo.

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outros provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.

Como esse livre convencimento deve-se dar de modo motivado, se não houver qualquer fundamentação para o indeferimento da prova pretendida haverá possibilidade de anulação da sentença. Veja ementa de um caso semelhante julgado pelo TJGO:

“(…) Evidenciado o cerceamento do direito de defesa em razão da ausência de análise do pedido de produção de provas, impõe-se a declaração de nulidade da sentença arbitral, já que a concordância quanto à data da prolação da sentença, não pode ser interpretada como desistência, mesmo que tácita, da produção de provas”. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA” (TJ-GO – AC: 50132685620208090051 Goiânia, Relator: Des(a). Itamar de Lima, 3ª Câmara Cível).

Outra coisa é o árbitro, de forma fundamentada, indeferir a produção de uma determinada prova. Como o próprio § 2º do art. 21 faz referência ao livre convencimento, não nos parece que exista a possibilidade de o Poder Judiciário se imiscuir na questão.

Com efeito, se os elementos probatórios constantes nos autos forem suficientes para o deslinde da causa, não há que se falar em cerceio da ampla defesa ou do contraditório. Se o juiz é o destinatário final da prova, ao árbitro deve ser aplicada a mesma lógica. Ambos estão adstritos ao sistema da livre persuasão racional, de modo que devem valorar a prova de acordo com o caso concreto, afastando a necessidade de dilações probatórias que não interessem ao litígio ou sejam protelatórias. O precedente a seguir é esclarecedor no ponto em que possibilita o árbitro afastar a necessidade de produção de uma determinada prova sem qeu isso implique cerceamento do direito de defesa:

“(…) A livre apreciação da prova e o livre convencimento motivado do juiz são princípios basilares do sistema processual civil brasileiro, pelo que, em regra, não configura cerceamento de defesa o deslinde da causa sem a produção de prova pericial requerida pela parte quando o magistrado entender substancialmente instruído o feito, declarando a prescindibilidade de produção probatória, desde que motivadamente. 3. Inexiste vício de fundamentação quando o magistrado aborda a questão controvertida de maneira sucinta e objetiva, desde que devidamente identificados os dispositivos legais e motivos que o levaram a decidir. 4. Conforme jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o indeferimento de realização de prova pericial pelo juízo arbitral não configura ofensa ao princípio do contraditório, mas consagração do princípio do livre convencimento motivado, sendo incabível, portanto, a pretensão de ver declarada a nulidade da sentença arbitral com base em tal argumento, sob pena de configur ar invasão do Judiciário no mérito da decisão arbitral. 5. No caso concreto, concordando expressamente as partes com a maneira como foi conduzida a instrução do procedimento arbitral, não há o que se falar em cerceamento de defesa e nulidade da sentença arbitral”. (TJ-MG – AC: 50763235120208130024, Relator: Des.(a) Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento: 10/10/2023, 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/10/2023).

Portanto, se o indeferimento de uma prova for devidamente fundamentado pelo árbitro, aquele que pretendeu a produção da deferida prova não poderá pleitear, na via jurisdicional, a nulidade da sentença caso ela lhe seja desfavorável.

Ocorre que alguns Tribunais por vezes anulam decisões proferidas em procedimentos arbitrais sob o argumento de que a prova pretendida se mostrava imprescindível. A nosso ver esse tipo de conduta termina por enfrentar o mérito da decisão do árbitro e não pode ser adotada de forma indiscriminada. Vamos ao exemplo: o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou uma sentença arbitral que indeferiu a produção de prova pericial. No caso concreto, a árbitra que presidiu o procedimento rejeitou o pedido de realização de perícia ao argumento de que os fatos controvertidos já se encontravam devidamente esclarecidos pelas provas documental e testemunhal. Ocorre que o TJSP considerou que o procedimento arbitral no qual se pediu a anulação teve como causa de pedir a ineficácia de um produto, tema evidentemente técnico que não poderia ser suprido por depoimentos de testemunhas, ou documentos unilaterais (TJ-SP 10623143420158260100 SP 1062314-34.2015.8.26.0100, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 07/03/2018, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 08/03/2018).

Embora não saibamos o teor dos documentos e o conteúdo prova testemunhal no caso julgado pelo TJSP, o fato é que o Poder Judiciário enfrentou a necessidade da prova pericial. Ou seja, adentrou no mérito da decisão da árbitra que considerou suficientes os documentos apresentados no caso concreto – e que poderiam ter sido rebatidos pela parte adversa com outras testemunhas ou um laudo particular, por exemplo.

Sabemos que o art. 443, II, do CPC/2015, afasta a prova testemunhal quando o fato somente puder ser comprovado por exame pericial. A problemática reside em estabelecer quem irá decidir sobre a imprescindibilidade dessa prova: o árbitro, que tem melhores condições de avaliar o caso concreto, pois é quem participa de toda a instrução probatória e colhe os elementos essenciais ao julgamento da causa, ou o Poder Judiciário, que por uma limitação legal não pode enfrentar questões atinentes à justiça da decisão?


[1] Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei. 

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Por Elpídio Donizetti:  fundador do Escritório Elpídio Donizetti Advogados. Integrante do quadro de árbitro da Câmara Mineira de Arbitragem Empresarial (CAMINAS). Advogado atuante em arbitragens domésticas e internacionais, especialmente junto a Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC). Experiência em contencioso cível, notadamente em Tribunais Superiores.

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