Em sede doutrinária, ainda persiste a controvérsia acerca da natureza dos embargos de declaração. Para alguns doutrinadores, os embargos não constituem recurso, mas sim meio de correção e integração da sentença.
Tal discussão possui relevância, por exemplo, no âmbito dos procedimentos sujeitos à Lei n. 9.099/1995. Isso porque, nos Juizados Especiais Cíveis, se o valor da causa não ultrapassar vinte salários mínimos, a demanda poderá ser proposta pelo autor sem a necessária assistência de advogado. Contudo, a interposição de recurso ficará restrita ao profissional. Nesse sentido é o art. 41, § 2º: “No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado”.
A prevalecer a tese de que os embargos de declaração não são espécie de recurso, poderia o autor ou réu, não assistido por advogado, apresentar o recurso se presente omissão, obscuridade, contradição ou erro material na sentença de primeiro grau. Ocorre que para a maioria da doutrina, e também para o nosso Código de Processo Civil, não há dúvida quanto à natureza recursal dos embargos de declaração, tanto que eles são inseridos no título relativo aos recursos (artigos 1.022 a 1.026 do CPC/2015).
Os embargos de declaração podem ser conceituados como o recurso que visa ao esclarecimento ou à integração de uma decisão judicial. Esta deve ser compreendida como qualquer ato decisório, incluindo-se neste conceito a sentença, o acórdão e a decisão interlocutória (art. 1.022, CPC/2015).
Em suma, não importa a natureza da decisão. Seja interlocutória, sentença ou acórdão, se a decisão for obscura, omissa, contraditória ou contiver erro material, pode vir a ser sanada por meio dos embargos de declaração.
Há também quem considere cabível a interposição de embargos de declaração contra despacho, mesmo que este não tenha conteúdo decisório. Para essa corrente, é inconcebível que um despacho “viciado” fique sem remédio, de modo a comprometer até a possibilidade prática de cumpri-lo.
Na jurisprudência é uníssono o entendimento pela impossibilidade de interposição desse recurso contra despachos de mero expediente, como, por exemplo, ato que determina o recolhimento de preparo[1].
Entendo que se houver algum vício no despacho, capaz de impedir que a parte cumpra a deliberação contida, ainda que sem caráter decisório, será possível a utilização dessa espécie recursal. Se no caso do preparo o recorrente já tiver peticionado pugnando pela concessão da gratuidade judiciária, é razoável que, diante da omissão do julgador em analisar o pedido, os embargos sejam recebidos e acolhidos. Caso contrário, admite-se que essa decisão omissa signifique o deferimento tácito do pedido de gratuidade[2].
Quanto às hipóteses de cabimento previstas na legislação, vislumbra-se que há restrição legal para a interposição, circunstância que traz como característica dos embargos a fundamentação vinculada. Se no recurso de apelação é possível ventilar qualquer matéria – a fundamentação é ampla -, nos embargos exige-se que a decisão seja omissa, obscura, contraditória ou eivada de erro material. Não servem os embargos, por exemplo, como sucedâneo de pedido de reconsideração de uma sentença ou acórdão.
Vejamos, então, as hipóteses no artigo 1.022 do CPC/2015:
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III – corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.
De acordo com a doutrina e jurisprudência, há obscuridade quando a redação da decisão não é suficientemente clara, dificultando sua compreensão ou interpretação. Ocorre contradição quando o julgado apresenta proposições inconciliáveis, tornando incerto o provimento jurisdicional. Há omissão nos casos em que determinada questão ou ponto controvertido deveria ser apreciado pelo órgão julgador, mas não o foi.
A omissão constitui negativa de entrega da prestação jurisdicional e, segundo o CPC, será considerada omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento ou que incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º. Ambas as disposições permitem que as partes possam reclamar pela via dos embargos de declaração a adequação das decisões aos precedentes judiciais, assim como eventual desobediência aos critérios de fundamentação.
O § 1º do art. 489 relaciona as hipóteses em que a decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão não se considera fundamentada. O STJ, em reiteradas decisões, parece utilizar uma fórmula genérica, não admitindo o recurso quando “devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito”[3].
A meu ver, é necessário um equacionamento entre os princípios da fundamentação e da celeridade – ou que os sujeitos do processo passem a utilizar esse recurso de forma consciente e não para protelar infinitamente a resolução da demanda. Da mesma forma que cabe ao juiz enfrentar os argumentos relevantes para a solução do caso concreto, sob pena de inviabilizar o direito de constitucional de ação, também evidenciado pelo direito à interposição de recurso, cabe aos advogados cautela na utilização do apelo, até mesmo porque, conforme veremos adiante, os embargos protelatórios sujeitam o recorrente ao pagamento de multa, sem prejuízo das penalidades por eventual litigância de má-fé.
Ainda sobre o cabimento, o Código de Processo Civil admite a interposição dos embargos de declaração para correção de erro material. Essa hipótese, já reconhecida pela jurisprudência, encontra respaldo no art. 494, inciso I, CPC/2015, que permite ao juiz, após a publicação da sentença, corrigir inexatidões materiais ou erros de cálculos e pedido da parte ou mesmo de ofício. Os demais pontos ou questões sobre os quais o magistrado deva se manifestar, inclusive de ofício, a exemplo das matérias de ordem pública, inserem na omissão a que se refere o art. 1.022, II. Cabe ressalvar que não haverá preclusão, se não houver oposição de embargos de declaração para a correção de erro material, porquanto poderá o juiz o tribunal poderá corrigi-lo a qualquer tempo, em qualquer grau de jurisdição.
Acerca das hipóteses de não cabimento, destaca-se que há muito tempo o Superior Tribunal de Justiça criou uma tese extremamente prejudicial à advocacia, inviabilizando a interposição dos embargos de declaração contra decisão de presidente do tribunal que não admite Recurso Especial ou Recurso Extraordinário. Segundo a ministra Isabel Gallotti, “o único efeito prático de tais embargos de declaração seria a postergação injustificável, inútil, do trâmite processual, prejudicando a parte vencedora e assoberbando ainda mais o serviço judiciário” (AgInt no AgRg nos EDcl no AREsp 671.167/DF).
Não nos parece razoável essa interpretação, especialmente se a decisão que inadmite o RE ou REsp não for suficiente clara em sua fundamentação. Felizmente o STJ já vem admitindo exceção a essa jurisprudência defensiva, como nos casos em que a decisão for proferida de forma tão genérica que não permita sequer a interposição do agravo interno[4].
O procedimento dos embargos de declaração é bastante diverso dos demais recursos previstos no CPC. Inicialmente, diferentemente das demais espécies recursais, cujo prazo de interposição é, em regra, de quinze dias, os embargos de declaração possuem prazo de cinco dias. A contagem, tal como ocorre em todos os prazos de natureza processual (art. 219, CPC/2015), se dá apenas em dias úteis.
O recurso deve ser interposto em petição dirigida ao juiz ou órgão prolator da decisão, com a indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeita a preparo (art. 1.023, CPC). Tratando-se de sentença, serão julgados pelo juiz; se opostos em face de decisão monocrática de relator, serão julgados monocraticamente por este; se a decisão embargada é um acórdão, o julgamento dos embargos declaratórios caberá ao órgão colegiado (art. 1.024, § 2º, CPC/2015). No caso de acórdão, é possível a interposição recursal apenas em relação a um dos votos.
Diferentemente da regra geral do recurso de apelação, os embargos de declaração não têm, em regra, efeito suspensivo. Em outras palavras, não suspendem a eficácia da decisão embargada. Em certos casos, entretanto, é temerário dar cumprimento imediato a decisão obscura, contraditória, omissa ou eivada de erro material. Essa a razão por que o § 1º do art. 1.026 do CPC/2015 prevê a possibilidade de concessão de efeito suspensivo ope judicis aos embargos de declaração. Trata-se de uma modalidade de tutela acautelatória. O pedido de suspensão pode ser formulado no bojo dos embargos de declaração ou em petição avulsa, na qual se demonstrará que o cumprimento da decisão viciada pode causar danos graves e de difícil reparação à parte e que, exatamente em razão dos vícios, há probabilidade de provimento do recurso. Não se trata, portanto, de efeito suspensivo automático.
A interposição produz um efeito peculiar dos embargos de declaração: o efeito interruptivo. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes (art. 1.026, CPC/2015). Há interrupção, e não suspensão, o que significa que o prazo para interposição de outros recursos recomeça, por inteiro, a partir da intimação do julgamento dos embargos. Se, no entanto, os embargos forem intempestivos – apresentados fora do prazos recursal, não haverá interrupção do prazo para outros recursos[5].
No âmbito da jurisprudência, o STJ já teve a oportunidade de manifestar entendimento no sentido de que os embargos também não interrompem o prazo no caso de irregularidade formal e manifesto descabimento:
“(…) A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência desta Corte a respeito do tema, que entende que a interposição de recurso manifestamente inadmissível não interrompe o prazo para interposição de novos recursos. 2. Decisão denegatória de seguimento do recurso extraordinário que se encontra devidamente fundamentada, ainda que de forma contrária aos interesses das agravantes. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento”. (STF, AI: 687810 RJ, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 23/03/2011).
“(…) A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não há exaurimento de instância, para fins de interposição de recurso de natureza extraordinária, quando os aclaratórios opostos contra acórdão são rejeitados por decisão monocrática, uma vez que não foram esgotados todos os meios ordinários possíveis para que o Tribunal a quo decida a questão objeto dos recursos excepcionais. 2. Os embargos de declaração, quando não conhecidos (o recurso foi considerado inexistente por falta de assinatura do procurador), não interrompem o prazo para interposição de medida recursal posterior. Hipótese de intempestividade do recurso especial. 3. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt no AREsp 909.976/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 28/09/2017).
Em relação a este último julgado, penso que seria possível sanear o vício, no prazo de cinco dias (art. 932, p. único, CPC/2015). Apesar disso, vem prevalecendo que essa sanabilidade só pode ser aplicada aos recursos interpostos após a entrada em vigor do CPC atual[6] e apenas para vícios formais[7]
Ainda que protelatórios os embargos, o efeito interruptivo opera-se. A protelação conduz à imposição de multa, que pode ser elevada no caso de reiteração da conduta, mas jamais à subtração do efeito inerente próprio do recurso (art. 1.026, § 2º e § 3º). Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito prévio do valor respectivo (art. 1.026, § 3º).
Mas, afinal, o que vem a ser recurso manifestamente protelatório? O STJ, em sede de recurso repetitivo, definiu algumas hipóteses nas quais os embargos de declaração deverão ser considerados protelatórios: “Caracterizam-se como protelatórios os embargos de declaração que visam rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente julgado pelo rito dos artigos 543-C e 543-B, do CPC” [art. 1.036, CPC/2015] (REsp 1.410.839/ SC, julgado em 14/05/2014).
O nítido propósito procrastinatório dos embargos de declaração esbarra, agora, nos precedentes firmados pelas Cortes Superiores. Tal entendimento é mantido no CPC vigente, especialmente em razão da força vinculante dos precedentes judiciais (art. 927, CPC/2015).
Como se pode perceber, os embargos de declaração são extremamente úteis para complementar as decisões judiciais e, dessa forma, conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. Não devem, portanto, ser utilizados simplesmente para prolongar o prazo para a interposição dos outros recursos e procrastinar a solução da controvérsia.
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[1] Embargos de Declaração n. 70079466413, 4ª Câmara Cível, TJRS, Relator Alexandre Kreutz, j. em 12/12/2018.
[2] STJ, AREsp 440.971.
[3] AgInt no REsp 1.454.246 (DJE 13/02/2019); AgInt no AREsp 1.118.009 (DJE 27/04/2018); AgInt nos EDcl no AREsp 1.047.863 (DJE 10/10/2017).
[4] STJ. AgInt no AREsp 1143127/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 28/11/2017.
[5] STJ. REsp 1522347/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/2015, DJe 16/12/2015. No mesmo sentido: “É assente neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que os embargos de declaração intempestivos não interrompem o prazo para a interposição de outros recursos” (EDcl no AgRg no AREsp 908.937/BA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 13/09/2016).
[6] A sanabilidade dos vícios de admissibilidade recursal é restrita aos interpostos após o NCPC (STJ – AgInt no AREsp 1027326/PR, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5a REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018. Ver também o EREsp 1305856/SP, 2019)
[7] Nesse sentido: AgInt no AREsp 692495/ES e AgInt no AREsp 1075687/SP.