Neste artigo falaremos sobre Consignação Extrajudicial: a boa prática segundo o (Art. 539 Do Cpc).
Economia para o devedor que se livra dos custos do processo, bom para o credor que recebe logo o que lhe é devido
- Generalidades
A consignação em pagamento é um meio de pagamento indireto, admitido no Código de Processo Civil em seus artigos 539 a 549, por meio do qual o devedor se libera de obrigação líquida e certa mediante depósito judicial ou extrajudicial da prestação devida.
O desfecho natural de toda e qualquer obrigação é o seu cumprimento. Cumprida a prestação devida, extingue-se o vínculo obrigacional.
O cumprimento da obrigação é não só um dever, mas também um direito do devedor. Não resta dúvida que o pagamento não é apenas uma obrigação mas, também, direito do devedor, não podendo ficar à mercê do credor que displicente ou maliciosamente tenta eternizar o vínculo obrigacional do devedor.
Uma das circunstâncias que acompanham e validam o pagamento é o tempo. A obrigação deve-se executar oportunamente, respondendo a parte que estiver em atraso pelos prejuízos daí decorrentes. O retardo no cumprimento da obrigação denomina-se mora.
Contudo, não é apenas a circunstância temporal que caracteriza a mora. Também quando o devedor oferece coisa diversa ou deixa de efetuar o pagamento – ou o credor recusa recebê-lo – no modo e lugar convencionados, tem-se por caracterizada a mora.
Dívida portáble e quérable. Quanto ao lugar do pagamento, a obrigação deve ser prestada pelo devedor em seu domicílio, salvo se as circunstâncias fáticas ou a leidispuserem o contrário (art. 327 do CC). Nosso sistema jurídico adota a regra de que o pagamento é quesível, isto é, o devedor deve ser procurado pelo credor (dívida quérable), salvo estipulação em contrário, isto é, que se tenha ajustado – ou que se possa inferir dos dados concretos – que ao devedor competiria oferecer o pagamento (dívida portable).
A classificação de dividaquérable e portableé determinante para a caracterização da mora em alguns casos, seja a mora do devedor ou a mora do credor, dependendo da circunstância. Por exemplo, sendo quérable a dívida, o atraso no pagamento não determinará a incidência de mora debitoris, se o credor não o procurar para receber o pagamento. É o que ocorre com os títulos de crédito negociáveis, que circulam por endosso.[2]
Mora do devedor ou do credor. Nesse contexto, tanto o devedor quanto o credor podem incorrer em mora (mora debendi/solvendi e mora credendi/accipiendi, respectivamente).
Não é concebível que ambas as moras ocorram simultaneamente, em primeiro lugar, se as duas moras se repelem, enquanto subsistir a mora do credor, inviável será a configuração da mora do devedor. Por isso, se o obrigado tentou pagar no vencimento e foi injustamente obstaculizado pelo credor, a mora que se configurou é a accipiendi e não a solvendi.
Daí por que não tem sentido falar-se em necessidade de propositura da consignação, na espécie, no primeiro dia útil subsequente ao termo da obrigação, para evitar a incidência do solvens em mora. A ideia de mora vem sempre ligada, indissociavelmente, ao elemento culpa. Portanto, se a falta de pagamento decorre de ato culposo do credor, não há que se falar em responsabilização do devedor pelo inadimplemento, o que soaria muito injusto.A fim de possibilitar a satisfação do direito de se liberar do vínculo obrigacional, criou-se modalidade especial de pagamento: a consignação, que consiste no depósito judicial ou em estabelecimento bancário da quantia ou coisa devida (arts. 334 e seguintes do CC).[3]
Assim, da impossibilidade jurídica de coexistência das duas moras se deduz o entendimento de que havendo a mora accipiendi, extingue-se a previsão temporal certa para que o devedor requeira o pagamento pela via da consignação. O devedor não está em mora, logo, qualquer momento é adequado para optar pela consignação.
Além da mora do credor, o risco de pagamento ineficaztambém é pressuposto para o pagamento por consignação.
A lei, assim, protege o devedor da má-fé ou desídia do credor e lhe garante segurança para que não corra o risco de pagar mal e não conseguir meios hábeis para a extinção da obrigação.
O CPC de 2015 contempla duas modalidades, com ritos distintos, de consignação: extrajudicial e judicial.
Neste artigo, por questão do espaço que nos é reservado, trataremos especificamente da consignação extrajudicial. Para a devida compreensão, ora ou outra darei uma palhinha à consignação judicial, que será objeto de futuro artigo.
- A consignação extrajudicial
Nossa conversa, sempre que possível, inicia-se com a apresentação da lei regedora da matéria versada. Aqui vamos tratar do procedimento da consignação, portanto a norma que nos servirá de baliza será o Código de Processo Civil. Contudo, jamais podemos nos esquecer de que o pagamento – a consignação constitui uma modalidade de pagamento – em si é objeto do direito material, razão pela qual devemos ficar atentos, na espécie, ao que dispõe o Código Civil(art. 334 a 345).
Já que estou fazendo um curso para confeiteiro, sirvo-me de comparações ligadas à minha nova área de conhecimento.Em breve, além de jurista serei tambémpâtissier – em francês fica mais chique, recomenda um amigo de academia. Espero que me perdoem pelas comparações. A capa do rocambole é regulada pelo Código de Processo Civil, mas o recheio (o doce de leite) é encontrado no direito material. A receita do bolo é apresentada pelo CPC, que obviamente faz menção aos ingredientes. Mas os ingredientes em si são esmiuçados no Código Civil. O pagamento, o tempo, o lugar, o modo, tudo é objeto do Direito Civil. Agora, se o pagamento – ou recebimento, porque a mora pode ser do credor – não foi levado a efeito por quem deveria realizá-lo, a tempo e modo devidos, pode o devedor se valer da consignação em pagamento e é aí que entra o CPC.
A consignação extrajudicial é opção do devedor, que caso entenda ser a medida inútil ou inviável, poderá optar pelo procedimento de consignação pela via judicial. Estamos em tempo de desjudicialização. Não se pode impedir a pessoa de bater às portas do Judiciário, mas até por economia de tempo e dinheiro deve-se, na medida do possível, optar pela via extrajudicial. O que aqui estou a falar serve também para quem pretende se divorciar, ver declarado usucapião sobre um imóvel, proceder ao inventário e partilha administrativamente, realizar a demarcação e divisão de terras particulares, atestar ou documentar um fato por ata notarial, proceder auma averbação premonitória ou buscar a homologação de penhor legal. Todos esses procedimentos (previstos no CPC) podem ser levados a efeito nos cartóriosextrajudiciais.
A consignação extrajudicial não constitui ritual de passagem para a propositura da ação de consignação. Como já afirmado, diante da recusa de recebimento por parte do credor, nada obstaculiza que o devedor recorra diretamente ao Judiciário. Contudo, a consignação extrajudicial pode servir de comprovação da negativa do credor de receber o pagamento e dar quitação. Há entendimento jurisprudencial que erige a demonstração da recusa a uma condição da ação consignatória. Sem a comprovação de que o credor se opôs ao pagamento ofertado, inexistente estaria o interesse processual, o que acarreta o indeferimento da inicial (art. 330, III).
“Não havendo a demonstração da negativa do credor em receber as prestações deve o pedido consignatório ser julgado improcedente.” (TJ-MG – Apelação Cível: 10114130136947001 MG, Relator: Maurílio Gabriel).
Embora disponha de outros meios para comprovação da negativa de recebimento – lavratura de ata notarial, por exemplo, a manifestação escrita que o credor deve fazer ao banco como forma de recusa do depósito extrajudicial, preenche satisfatoriamente o requisito do interesse processual (necessidade da tutela jurisdicional e adequação do meio escolhido).
Exigir a comprovação do interesse processual para acionar a máquina judiciária, parece razoável. Entretanto, exigir a comprovação de que “o credor dificultou ou recusou o recebimento da quantia” para a consignação extrajudicial afigura exagero. Não cabe ao Judiciário proteger o particular que no tempo que lhe foi assinado pela lei não manifesta recusa. A presunção é legal. Não recusou de forma escrita o depósito feito extrajudicialmente,reputa-se quitado o débito, nos limites da consignação. O depósito extrajudicial constitui direito potestativo do devedor. Trata-se de manifestação da vontade (ou ausência delapor parte do credor), matéria eminentemente privada. No sentido de controlar a necessidade da consignação extrajudicial, com a qual não concordamos, já manifestou o TJMG:
A consignação em pagamento, seja ela judicial ou extrajudicial, somente tem lugar na hipótese em que o devedor, por algum fato vinculado ao credor (mora do credor), não consegue realizar o pagamento do débito de forma direta. – Não comprovado que o credor dificultou ou recusou o recebimento da quantia devida, resta afastada a possibilidade da consignação extrajudicial dos valores. – Além disso, para que reste verificado o efeito liberatório da consignação extrajudicial do valor devido, deve ser comprovada a notificação extrajudicial do credor quanto à consignação e a sua posterior recusa em receber as quantias. (TJMG – Apelação Cível 1.0707.15.006266-9/001).
Optando pela via extrajudicial, o devedor deverá respeitar todos os requisitos exigíveis para efetivação do pagamento conforme consta no Código Civil:
Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.
O regramento jurídico (a receita) da consignação extrajudicial encontra-se no artigo539do CPC[4], aplicando-se subsidiariamente outros dispositivos do Código, principalmente os que tratam do procedimento da consignação judicial. A recomendação deste Advogado é que ao redigir a petição (da consignação judicial) ou o requerimento para a consignação extrajudicial mantenha os Códigos Civil e Processo Civil, nos dispositivos pertinentes, abertos na sua mesa.
Cabimento da consignação. Quanto às hipóteses de cabimento da consignação, o caput do art. 539 faz menção implícita ao art. 335 do Código Civil, que estabelece as hipóteses de cabimento desse procedimento:
Art. 335. A consignação tem lugar:
I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;
II – se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
V – se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
É de se lembrar que o art. 335 do Código Civil trata da consignação em geral, sem distinguir procedimento. Vamos então separar os alhos dos bugalhos.
A consignação extrajudicial pressupõe obrigação em dinheiro[5] (CPC, art. 539, 1º), credor certo, capaz, que resida em lugar atendido pelos serviços dos correios. Pode-se excepcionalmente admitir a consignação extrajudicial em face de incapaz, entretanto, por óbvio, aceito o pagamento, a quitação deverá ser dada pelo representante legal do credor. No caso de ausentes, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, caberá ao curador, aceitar ou não o pagamento e, se for o caso, dar quitação, tudo nos limites que lhe for estabelecido pelo juiz. Se ocorrer dúvida sobre quem deva receber a quantia depositada, o procedimento extrajudicial não é cabível. O credor deve ser certo. Havendo dúvidas sobre quem deva pagar, há que se recorrer ao Judiciário. Se pender litígio sobre a quantia depositada, também não caberá a consignação extrajudicial. A lei diz que o credor será cientificado por carta com aviso de recebimento, logo, pressupõe que o credor resida em lugar atendido pelos serviços dos correios. Pode-se cogitar de a cientificação ser entregue pelo oficial do Cartório de Títulos e Documentos. Tudo vai depender do caso concreto e do custo benefício. A justiça é como óleo de peixe elétrico. Serve para tudo. Se o lugar é perigoso, por exemplo, você não encontrará oficial disposto a enfrentar a barra. No procedimento da consignação extrajudicial não há espaço para cientificação por edital. Para não bater a cara na portaapenas nas hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 539 não há contraindicação para a consignação extrajudicial. Nos demais casos, recomenda-se a consignação judicial. A justiça não tem contraindicação.
O correr dos anos nos ensina que em certos casos a consignação extrajudicial não é viável. Mas sempre que vislumbrar a possibilidade de o credor aceitar o valor que será depositado, deve-se proceder ao depósito extrajudicial. Não se pode perder de vista que o credor leva em conta o fato da demora e dos custos do processo. É um ponto favorável ao devedor. O credor entende que a dívida é 10 e o devedor entende que só deve 8. Não é incomum o credor aceitar e levantar o depósito dos 8, dando quitação de todo o débito, para evitar a demanda. De qualquer forma, a opção é do consignante, que de um modo geral se baseia na estratégia e nas orientações do seu Advogado.
Procedimento. Feitas as considerações iniciais e definidas as hipóteses de cabimento, falemos do procedimento da consignação extrajudicial. Passemos então a discorrer sobre o artigo 539:
Art. 539. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.
O caput do dispositivo trata da consignação, sem distinguir se judicial ou extrajudicial. “Nos casos previstos em lei”,quer dizer nas hipóteses previstas no art. 335 do Código Civil. Já sabemos as quais.
Você pode requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.
Como estamos a tratar da consignação extrajudicial, somente quantia em dinheiro – a redundância é proposital – pode ser depositada. A simples consignação não basta para que opere o efeito do pagamento. A ausência da manifestação da recusa é que vai acarretar a presunção (legal) de quitação da integralidade da obrigação a que se refere o depósito. Pode o depósito se referir a uma ou mais parcelas ou à integralidade da obrigação. Tudo vai depender do montante da obrigação e do que constou da correspondência endereçada ao gerente do banco onde se procedeu ao depósito, para remessa ao credor.
Na apuração dos valores você deve calcular tudo que entende devido, incluindo correção monetária e juros, se for o caso. Na consignação judicial, se o credor contestar o valor, dizendo o porquê não aceita o pagamento, o juiz vai decidir a questão, julgando procedente ou improcedente o pedido consignatório e, portanto, declarando ou não a extinção da obrigação. Na consignação extrajudicial não há declaração alguma. O que acarreta a extinção da obrigação (nos limites definidos no requerimento) é a ausência de recusa, pouco importa se o credorfica inerte ou se levanta a quantia depositada. Caso manifeste a recusa, a consignação extrajudicial restará infrutífera, cabendo ao devedor, se do seu interesse, recorrer às vias judiciais. O gerente do banco depositário é a “autoridade” que mediará a interlocução entre devedor e credor (a necessidade da desjudicialização dos processos levou o legislador a designar colaboradores). O devedor requer o depósito ao gerente do banco, que por sua vez comunicará ao credor. O credor manifesta recusa e a obrigação permanecerá indene ou fica silente e então a obrigação será extinta. Nada obsta, evidentemente, que o credor manifeste a aquiescência com o que foi depositado, o queacarretará a extinção da obrigação. A lei não prevê, mas a nosso ver obstáculo não háque o credor informe ao banco as razões da recusa. Se a discordância se referir apenas à quantia depositada, recebida a informação do banco, pode o devedor proceder ao depósito da diferença, caso em que o banco novamente cientificará o credor.
Onde fazer o depósito. Como estamos a tratar da consignação extrajudicial, o depósito não é feito em juízo, e sim em estabelecimento bancário. Mas em qual agência o depósito deve ser feito? Sabemos que não basta consignar. Há que se pagar corretamente. A consignação somente terá força de pagamento se o objeto for endereçado (ofertado) à pessoa certa, no tempo e modo corretos. Sem esses requisitos o pagamento não será válido (art. 336 do Código Civil). Nesse ponto deve-se consultar o Código Civil e, se foro caso, o contrato.
De regra o pagamento é quesível (utiliza-se também a expressão dívidaquérable), ou seja, deve ser procurado pelo credor (art. 327[6]); nesse caso o deposito deverá ser feito em “estabelecimento bancário oficial” situado no domicílio do devedor. Entretanto, se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias, o pagamento será portável (ou portable) e então o depósito deverá ser feito em estabelecimento oficial situado no domicílio do credor.
O CPC estabelece que, onde houver, o estabelecimento bancário deve ser oficial. Por “oficial” entende-se Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e bancos estaduais. Para mim essa intelecção não é a mais correta, uma vez que o sistema bancário contempla todos os bancos, pouco importa a natureza da empresa que o opera, se autarquia, empresa pública, de economia mista ou de capital totalmente privado. Qualquer que seja o banco, é oficial. Não há um banco oficial e outro extraoficial. Assim, não é crível que um juiz, chamado a decidir tal questão, vá entender que a dívida não foi quitada porque o depósito correspondente foi feito no Banco X quando deveria sê-lo no Y.
A expressão “lugar do pagamento” constante no § 1º do art. 539 deve ser compreendida em sentido amplo (foro de pagamento). Assim, inexistindo agência bancária no local específico destinado ao pagamento – por exemplo, no distrito de Andiroba –, pode-se proceder ao depósito na instituição bancária localizada na sede da comarca, no caso, na cidade de Esmeraldas (MG).
Com o sistema integrado pela internet, essa exigência perde um pouco o sentido. O espírito da lei é não dar ao credor mais trabalho para receber do que aquele que teria se a obrigação fosse cumprida sem a necessidade de consignação extrajudicial. Se o depósito foi feito em Manaus, mas o credor consegue, sem esforço extraordinário, levantá-lo em Porto Alegre (local previsto para o pagamento), irregularidade não há.
O gerente do banco é a autoridade central. Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o valor ser depositado em estabelecimento bancário, diz o § 1º art. 539. Mas não se trata de um mero depósito, com a simples indicação da conta, agência e às vezes CPF/CNPJ do credor. Embora a lei não diga, a consignação extrajudicial, tal como a judicial – guardadas as devidas distinções -, pressupõe, senão uma lide, ao menos uma dificuldade qualquer (entendo que devo 8, mas o credor só dá quitação se eu pagar 10). O que quero dizer é que o credor deve ser informado da causa da consignação. Tudo de forma sintética, o devedor, em correspondência dirigida ao gerente do banco, deve expor as razões do ato consignatório e no final requerer que cientifique o credor do depósito, enviando-lhe cópia da correspondência ao banco endereçada. Não é necessária a fundamentação exigida pelo art. 319, apenas deixar claro eventual divergência com referência aos requisitos do pagamento e a obrigação que pretende seja quitada.Você deve dizer por que está consignando o que entende devido e não o que o credor exige, mas, com o depósito, pretende quitar a integralidade da obrigação. Nada impede que o devedor, além do requerimento feito ao gerente do banco, remeta diretamente ao credor carta expondo as razões da consignação extrajudicial. O Advogado sabe da importância da prova. Em se optando o devedor por comunicar diretamente ao credor as razões que o levou a proceder ao depósito bancário, ideal é que o faça por meio do cartório de títulos e documentos.
Um exemplo vale por mil palavras
Belo Horizonte (MG), 10 de janeiro de 2020
Ilmo. Sr. Riobaldo Tatarana de Jesus
Gerente do Banco do Brasil – Agência 8246-9
Belo Horizonte (MG)
Senhor Gerente,
Orlando Gomes, inscrito no CPF: 111.222.333-44, domiciliado na Avenida das Rosas, número 01, Bairro Justiça, Belo Horizonte/MG, CEP55-666-777, correntista dessa Agência, na forma do art. 539 do Código de Processo Civil, requero depósito nesse estabelecimento bancárioda quantiade R$ 180,00 (cento e oitenta reais), com a finalidade de quitar, salvo recusa do credor, a integralidade do débito referente à compra de uma Air Fryer preta, marca Excellente em 21/10/2019. Salienta o consignante que o preço do eletrodoméstico era R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), contudo, conforme emails trocados com o vendedor, em razão da avaria no bem adquirido, possivelmente em decorrência do transporte, o requerente teria um desconto de R$70,00 (setenta reais), pagando apenas R$ 180,00 (cento e oitenta reais). A compra foi feita a prazo, contudo, não obstante as mensagens trocadas, na data do vencimento, o credor se recusou a receber a quantia pactuada, daí por que se faz a presente consignação, no intuito de quitar a integralidade do débito decorrente da aquisição.
Credor: Loja das Panelas Ltda, CNPJ 455.345/0001-24, situada na Rua Padre Cícero, nº 10, bairro Ceará. Belo Horizonte – MG, Cep: 30.310-160.
Requer ainda a cientificação da credorapara levantar a quantia depositada ou manifestar recusa, conforme §§ 1º a 3º do mencionado dispositivo legal.
Anexa a este requerimento cópia dos e-mails encaminhados à credora, convencionando o valor do bem. Solicita que cópia deste requerimento e dos documentos que o instruem sejam encaminhados ao credor.
Atenciosamente,
Orlando Gomes
CPF: 111.222.333-44
Feito o depósito e a respectiva cientificação, ao credor resta aceitar (tácita ou expressamente) a quantia que lhe é posta à disposição ou manifestar a recusa. Tanto a recusa quanto à aceitação, de regra, não admite condição. Contudo, em nome da efetividade, que permeia também os atos extrajudiciais, diante da manifestação do credor (no sentido, por exemplo, de que aceitaria a quantia de X) admite-se a complementação do depósito.
Entende-se que, em homenagem ao princípio da boa-fé, deve o credor expor ao depositante as razões da recusa, ainda que sucintamente, para que este possa examinar se procedem ou não. Caso entenda que o depósito não é integral, deverá o credor indicar, ainda, a importância faltante. Quanto ao já depositado poderá fazer o levantamento da quantia, ficando, por óbvio, o devedor liberado em relação a estes valores.
Cientificação do credor. O credor será cientificado pelo banco, por meio de carta com aviso de recebimento, de que o devedor procedeu ao depósito da quantia de tanto, visando quitar a obrigação mencionada na correspondência, cuja cópia, juntamente com o comunicado do banco, é encaminhada ao credor. Da carta de cientificação deve constar o prazo de 10 (dez) dias, a contar do retorno do aviso de recebimento, para o credor manifestar a recusa. Decorrido o prazo sem a manifestação de recusa, considerar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada (art. 539,§2º).
Exemplo de cientificação:
AG. PODER JUDICIÁRIO – BH (MG)
Belo Horizonte (MG), 10 de janeiro de 2020
ASSUNTO – COMUNICAÇÃO DE DEPÓSITO
Número: 2019/160
CREDOR: LOJA DAS PANELAS LTDA.
DEVEDOR: ORLANDO GOMES
Informamos que o Sr. Orlando Gomes, CPF: 111.222.333-44, endereço: Avenida das Rosas, número 01, Bairro Justiça, Belo Horizonte – MG, CEP55-666-777, efetuou depósito extrajudicial referente a quantia devida pela compra do eletrodoméstico Air Fryer preta, marca Excellente, que, segundo alegado, foi entregue com avarias e, por isso, foi-lhe concedido desconto. Conta: 1.234-5, Agência: 8246-9, sito a Avenida das Orquídeas, nº 96, Bairro Araucária – BU (MG), em 18.12.2019, no valor de R$ 180,00 (cento e oitenta reais).
Depósito efetuado de acordo com o artigo 539, §§ 1º a 3º do Código de Processo Civil. Informamos que o devedor será considerado liberado da obrigação, caso essa Empresa não manifeste recusa num prazo de 10 (dez) dias, a contardo retorno do aviso de recebimento.
Caso não seja apresentada recusa formal no prazo assinado, a quantia permaneceráà disposição dessa empresa, para retirada a qualquer tempo.
A pedido do depositante estamos anexando cópia do comprovante do depósito, bem como do requerimento formulado pelo devedor e cópias de mensagens que afirma ter enviado a essa empresa.
Atenciosamente,
Maria José da Silva
Gerente de Expediente
Cessação da mora. Mutatis mutandis, aplica-se à consignação extrajudicial o que dispõe o art. 540. A partir da data do depósito deixa de correr juros contra o devedor, ou seja, cessa ou ficam suspensos os efeitos da mora. Trata-se de condição suspensiva. Tudo vai depender da atitude adotada pelo credor e do desfecho de eventual ação de consignação que vier a ser proposta. Se o credor (tácita ou expressamente) aceita o depósito, a obrigação objeto da consignação restará extinta e com a extinção desaparece a mora. Ao contrário, se o credor recusa a quantia depositada, o que deve ser feito por escrito ao estabelecimento bancário, os efeitos da mora ficam suspensos pelo prazo de 1 (um) mês. Nesse prazo, se o devedor propuser a ação consignatória, os efeitos da mora continuarão suspensos, até o julgamento da ação (na verdade até o trânsito em julgado da decisão que dirimir a lide). Julgado procedente o pedido consignatório, a obrigação será extinta, não mais se cogitando de juros compensatórios ou moratórios, uma vez que o acessório segue o principal. Julgado improcedente o pedido, o depósito ficará sem efeito (podendo ser levantado pelo devedor), restaurando-se retroativamente os efeitos da mora.
Ação de consignação. Ocorrendo a recusa, o devedor dispõe de 1(um) mês, a contar da data da comunicação feita pelo banco, para propor ação de consignação em pagamento (art. 539, §3º). O ajuizamento da ação nesse prazo tem por um dos efeitos manter a suspensão da contagem dos juros. A cessação definitiva (a contar da data do depósito) ou restauração desse efeito da mora (a contar do vencimento da obrigação) vai depender, conforme já exposto, da sorte da demanda. Julgado procedente o pedido, não há que se falar em juros a partir do depósito. Julgado improcedente, a obrigação e os seus acessórios permanecem íntegras. A fim de que a consignação extrajudicial tenha esse efeito, indispensável é que a inicial da ação consignatória seja instruída com a prova do depósito e da recusa.
Pode também o devedor ficar inertee não ajuizar a ação consignatória, hipótese em que poderá levantar o depósito, restaurando-se os efeitos da mora, uma vez que, nesse caso, o depósito perderá a sua aptidão suspensiva (art. 539, § 4º),
Voltando à consignação extrajudicial. Muito embora o artigo 539, § 2º assegure a liberação do devedor caso decorra o prazo do § 1º sem manifestação de recusa, ou seja, com a inércia do credor, o STJ já considerou em julgado que essa liberação não é automática ou absoluta. Na consignação em pagamento, realizado o depósito extrajudicialmente e inerte o credor, apesar de notificado, não se configura a extinção automática da obrigação quando os elementos dos autos levarem a conclusão diversa ou não forem suficientes para formar o convencimento do juiz” (AgRg no REsp 1.393.135/DF, Rel. Ministro Raul Araújo).
[1]Advogado e sócio fundador do escritório Elpídio Donizetti Advogados, localizado em BH. É professor do Instituto Elpídio Donizetti (@portalied), autor de diversas obras jurídicas e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo CPC.
[2]SILVA, Ovídio Baptista da. Procedimentos especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 17.
[3]Cfe. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais. vol. II – 50ª ed. rev., atual. e ampl.Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[4]Os artigos citados neste texto, sem indicação da lei ou Código, referem-se ao Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Igualmente, se o texto fizer menção a Código de Processo Civil, Código ou apenas a CPC, está se referindo ao CPC/2015.
[5] Na consignação judicial tanto quantia em dinheiro quanto coisa podem ser objeto da ação.
[6]Código Civil – Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre eles.