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Falha na gestão x Improbidade Administrativa

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Elpídio Donizetti

A Lei n. 8.429/1992 tem por finalidade precípua a defesa da moralidade administrativa, que constitui princípio orientador de toda a atividade da Administração Pública.

            A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, ligando-se a ideia de função pública, interesse coletivo e bem comum. Atuar em conformidade com a moralidade é agir em defesa do interesse público sempre com probidade, honestidade e boa-fé.

            Ocorre que nem sempre é fácil comprovar a intenção do agente público, especialmente quando estamos diante de processos de caráter sancionatório e de instituições (e pessoas) ligadas a ideologias excessivamente punitivistas. Por vezes a inabilidade do agente público leva-o a praticar irregularidades que, embora ofendam a legislação, não são capazes, por si só, de caracterizar atos de improbidade administrativa. Contudo, não é raro encontrarmos acusações envolvendo danos hipotéticos ou presumidos, como se toda e qualquer ilegalidade exigisse responsabilização nos termos da Lei n. 8.429/1992.

Na esteira da lição deixada pelo saudoso Ministro Teori Albino Zavascki, “não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente” (AIA 30/AM, DJE 28/9/2011). Improbidade e ilegalidade são, portanto, conceitos distintos, razão pela qual a existência de um ato ilegal não pressupõe necessariamente a caracterização de um ato improbo. Ou seja, ilegalidades e práticas irregulares não denotam necessariamente aspectos de má intenção, que são característicos da improbidade administrativa e integram o próprio tipo improbo. Esse é o entendimento que sempre prevaleceu na jurisprudência:

(…) A ilegalidade, por si só, não é suficiente para configurar a conduta ímproba. No caso, o próprio Tribunal de origem concluiu que o agente público atuou sem o especial fim de agir, sem intenção clara de burlar as regras de contratação temporária. 2. Não demonstrada a existência clara do elemento subjetivo doloso, qualificado pela má-fé, não é possível responsabilizar o agente público por de ato de improbidade administrativa” (STF, ARE 1436192/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. em 22/08/2023).

“(…) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é forte no sentido de ser descabido enquadrar como ímprobo o agir do gestor que decorre de mera inabilidade administrativa. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que, na espécie, não se vislumbra. Ausência de prejuízo ao erário. Serviço executado a contento, inexistindo desvio de recursos e superfaturamento, forçoso afastar o ato de improbidade do artigo 10, da Lei nº 8.429/92. Ação julgada improcedente mantida. Recurso e remessa necessária conhecidos e não providos”. (TJ-SP, APL 1000368-29.2014.8.26.0510, Relator: Vera Angrisani, j. em 01/10/2020, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 06/10/2020).

Para que haja a configuração do ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a comprovação do dolo do agente, pois a improbidade administrativa não é qualquer irregularidade praticada por agente público, mas sim a imoralidade administrativa qualificada pela potencialidade lesiva a bens e valores públicos tutelados pelo ordenamento jurídico. Sem isso, não se cogita de emprestar o caráter ímprobo às condutas administrativas, ainda que ilícitas ou irregulares.

A exigência de dolo está prevista para todas as modalidades de atos qualificados como improbo, consoante se extrai do art. 1º, §§ 1º e 2º da LIA:

Art. 1º (…)

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. 

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

É necessário ter em mente que o dolo deve ser tratado não apenas como a vontade livre e consciente do agente, mas, sim, como a vontade livre e consciente de praticar atos de tal maneira que vão além daqueles realizados sem cautela, por mera inabilidade. A ausência de diligência, por si só, não pode ensejar a aplicação da LIA, especialmente porque, de acordo com o § 3º do mesmo dispositivo, “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Dessa forma, a eventual inabilidade do gestor ou a má-gestão não são suficientes para a caracterização dolo específico

Vejamos um exemplo: imagine que um agente público autorizou a venda de imóvel público através de hasta pública, sendo que a legislação exigia procedimento de licitação da modalidade concorrência. Ainda que não tenha sido atendida uma formalidade legal, se a conduta do agente não causou qualquer tipo de consequência, seja por lesão ao erário ou ofensa aos princípios norteadores da Administração Pública, a mera violação da lei não importará no reconhecimento de conduta improba. A simples utilização de modalidade de licitação diversa daquela prevista em lei, sem que o caráter competitivo e a lisura do procedimento sejam maculados, não pode admitir a aplicação dos rigores da Lei n. 8.249/1992, a qual deixa claro, em seu art. 17-C, §1º, que “a ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”.

No exemplo citado, a ação do agente público é completamente despida de dolo ou má-fé. Ainda, se levarmos em consideração que esse tipo de equívoco não é capaz de gerar impacto negativo junto aos cofres públicos, é desproporcional a aplicação de qualquer penalidade.

            Em caso análogo, no qual não houve comprovação quanto à restrição do caráter competitivo da licitação, foram afastadas as penas previstas na Lei de Improbidade pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRACIONAMENTO DE LICITAÇÃO. MODALIDADE CONVITE EM VEZ DE TOMADA DE PREÇOS. MERA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO OU INTENÇÃO DE FAVORECIMENTO A DETERMINADO PRESTADOR DE SERVIÇOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO E REFORMA DA SENTENÇA. A Lei nº 8.429/92, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, traz, em seu bojo, a descrição dos atos considerados ímprobos e a punição aplicável contra os agentes públicos que os praticarem e os terceiros que deles se beneficiarem. Tal diploma legal tem por objetivo coibir o desperdício dos recursos públicos, a corrupção, a desonestidade, o abuso de poder – A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 estabelece como regra, em seu art. 37, inciso XXI, que “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” – Cuidando-se de mercadorias (gêneros alimentícios e de limpeza) utilizadas, regularmente, para a consecução da atividade-meio do Município e sendo previsível a quantidade a ser adquirida, torna-se obrigatória a realização do processo licitatório. Inteligência do art. 8º da Lei nº 8.666/93 – Constatado que, em curto espaço de tempo, foram realizados cinco procedimentos licitatórios na modalidade convite em vez de apenas um na modalidade tomada de preços, mas, por outro lado, que não houve prejuízo ao erário ou intenção de favorecimento a determinado prestador de serviço/fornecedor de produtos por parte do réu, caracterizando violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade, descabe acolher a tese e nvolvendo suposto ato de improbidade, por ausência de comprovação da desonestidade ou má-fé do agente público. Com efeito, não se está diante de dispensa indevida de licitação, mas, no máximo, de inabilidade do agente, sem intenção de agir em descompasso com o interesse público, impondo-se a rejeição da pretensão inaugural – Recurso interposto pelo réu provido e recurso interposto pelo Ministério Público desprovido. (TJ-MG – AC: 10002130010495001 MG, Relator: Ana Paula Caixeta, Data de Julgamento: 16/08/2018, Data de Publicação: 21/08/2018).

O precedente demonstra que quando não há o plus exigido para a condenação por ato de improbidade – ilegalidade qualificada –, a simples utilização equivocada de modalidade de licitação é incapaz de gerar a responsabilização dos agentes públicos.

O exemplo pode ser estendido para outras situações em que não há demonstração de dano ao patrimônio público. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, através da 9ª Câmara Cível, afastou a responsabilização por ato de improbidade administrativa em caso de dispensa de licitação. A unanimidade dos julgadores considerou que, não obstante tenha ocorrido dispensa indevida, não restou plenamente provado que os agentes públicos deflagraram contratação com a finalidade única de enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário. O caso concreto não relevou, por exemplo, conduta dolosa dos agentes públicos com o fim específico de obter benefício para si ou para terceiros, nem a existência de conluio com a pessoa jurídica contratada a denotar possível ocorrência de corrupção. O trecho da decisão, a seguir transcrito, merece destaque por demonstrar que nem toda ilegalidade pode ser erigida em ato de improbidade administrativa:

(…) Sem o elemento volitivo presente, a vontade de delinquir, de lesar, de tirar ilegítimo proveito, de locupletar-se indevidamente, ninguém pode ser inquinado de improbidade, uma vez que essa pecha somente ser imputada ao mal-intencionado e desonesto no trato da coisa pública, ou seja, aquele que atua com vontade livre e consciente de alcançar um resultado ilícito (art. 1º, §2º, da Lei 8429/92). É imperioso destacar ainda que, as condutas meramente ilegais não se caracterizaram, necessariamente, como atos de improbidade, porque nos termos da Lei de Improbidade Administrativa nº 8429/92, em seu artigo 1º, § 2º, é indispensável para tipificação de ato de improbidade administrativa a presença de elementos que permitam inferir com segurança que o agente obrou com dolo consistente na vontade livre e consciente de alcançar um resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11, o que, na hipótese, não ficou caracterizado (Apelação Cível n. 1003996-69.2020.8.26.0266, j. 23/04/2023).

Advogados que litigam em demandas envolvendo agentes públicos precisam ficar atentos às peculiaridades do caso concreto. Deve-se somar a conduta do agente um elemento além da ilegalidade, sem o qual absolutamente nenhuma penalidade pode ser aplicada.

Elpídio Donizetti

Advogado e ex-desembargador do TJMG

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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados

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