A tutela executiva busca a satisfação ou realização de um direito já acertado ou definido em título judicial ou extrajudicial, com vistas à eliminação de uma crise jurídica de adimplemento.
Impende ressaltar que essa espécie de tutela jurisdicional exercida mediante execução forçada atua unicamente em favor do credor, diferentemente, portanto, do que ocorre com as tutelas cognitiva e provisória, que podem ser concedidas em benefício do autor ou do réu. Assim, não há como admitir que a execução tenha fim com a satisfação de um direito do executado; o máximo que pode ocorrer é a extinção do processo executivo por causas anômalas, tais como a ausência de pressuposto processual ou de renúncia ao crédito pelo exequente, entre outras.
Por ser exercida exclusivamente em prol do exequente, poder-se-ia esperar da tutela executiva uma eficácia total, consistente na produção inequívoca e inafastável dos resultados satisfativos almejados. Ocorre que, como lembra Cândido Rangel Dinamarco, existem “certos óbices legítimos e ilegítimos que os princípios e a própria vida antepõem à plenitude da tutela jurisdicional executiva”, reduzindo “legitimamente a potencialidade satisfativa da execução forçada”.[1]
Os limites ou óbices à potencialidade satisfativa da tutela jurisdicional executiva podem ser de natureza política ou física.
Em regra a execução não incide sobre a pessoa do devedor, não se admitindo, portanto, a prisão por dívida, salvo nos casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (art. 5º, LXVII, da CF).
O patrimônio do devedor, em alguns casos, também representa óbice legítimo à ampla atuação da execução forçada, pois existem certos bens indispensáveis à vida digna do executado que não podem ser objeto de penhora, sob pena de se frustrarem direitos fundamentais em prol de direitos patrimoniais do credor. Por fim, embora a satisfação do crédito exequendo não deva ceder perante atitudes protelatórias do mau pagador, não se pode alcançar tal objetivo a todo custo. Também na execução faz-se necessária a observância do devido processo legal, devendo os meios processuais ser empregados, quando possível, do modo menos gravoso ao devedor (art. 805).
Quanto aos limites físicos ou naturais à tutela executiva, pode-se citar, à guisa de exemplo, a ausência de bens penhoráveis, que implica a suspensão do processo (art. 921, III) e a perda ou destruição da coisa devida pelo obrigado, que importa na conversão da obrigação em perdas e danos (arts. 499, caput, e 809). A eficácia da tutela executiva também pode ser restringida pela vontade do devedor, que, por exemplo, se recusa a cumprir aquilo que se obrigou a fazer, o que permite a conversão da obrigação em pecúnia (arts. 499, 816 e 821).
Voltando ao tema da menor onerosidade da execução, cumpre salientar que se trata de princípio que ao longo dos anos teve sua aplicação significativamente ampliada, de modo a conferir proteção substancial ao devedor. Tanto é assim que o CPC/1973 e o CPC/2015, a par dos arts. 620 (CPC/1973) e 805 (CPC/2015), que positivam genericamente o princípio em comento, estabelecem algumas hipóteses específicas a respeito da realização da execução do modo menos oneroso possível ao devedor, tais como a preferência da adjudicação como meio de expropriação (art. 647, I, do CPC/1973; art. 825, I, do CPC/2015) e a possibilidade de alienação de parte do imóvel penhorado, quando este for passível de divisão e uma fração for suficiente para pagar o credor (art. 702 do CPC/1973; art. 894 do CPC/2015).
Deve-se ter em mente, contudo, que o princípio da menor onerosidade ao devedor deve ser aplicado harmonicamente com o princípio da efetividade da execução. O fim da execução consiste, antes de tudo, na satisfação do direito do credor. Como freio ou limite a essa finalidade, aplica-se o princípio da menor onerosidade, de forma a impedir que direitos patrimoniais assolem direitos de maior significância, como é o caso da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Há, porém, um limite também ao princípio da menor onerosidade, cuja incidência não pode servir de amparo a calotes de maus pagadores.
Por essas razões é que a jurisprudência do STJ considera que o princípio da menor onerosidade não é absoluto, devendo ser observado em consonância com o princípio da efetividade da execução, preservando-se o interesse do credor. A título de exemplo, é pacífico o entendimento segundo o qual a penhora de ativos de financeiros, observadas as regras de impenhorabilidade, não constitui, por si só, ofensa ao referido princípio (STJ, AgInt no AREsp 1.625.873/SP, 4ª turma, j. 28.09.2020, DJe 01.10.2020). Em outro exemplo, o mesmo Tribunal considerou a possibilidade de manutenção do nome do executado em cadastros de inadimplentes mesmo com a garantia parcial do débito. Para a Corte, na interpretação das normas que regem a execução deve-se extrair a maior efetividade possível ao procedimento, de modo que, se o débito não for garantido integralmente, não há óbice à determinação judicial de inclusão ou manutenção da restrição do nome do executado (STJ, REsp 1.953.667/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.12.2021, DJe 13.12.2021).
Em síntese, “é preciso distinguir entre o devedor infeliz e de boa-fé, que vai ao desastre patrimonial em razão de involuntárias circunstâncias da via, e o caloteiro chicanista, que se vale das formas do processo executivo e da benevolência dos juízes como instrumento a serviço de suas falcatruas. Infelizmente, essas práticas são cada vez mais frequentes nos dias de hoje, quando raramente se vê uma execução civil chegar ao fim, com a satisfação do credor. Quando não houver meios mais amenos para o executado, capazes de conduzir à satisfação do credor, que se apliquem os mais severos”.[2]
O Código de Processo Civil atual, atento à necessidade de se criarem mecanismos para minimizar os conflitos entre o princípio da efetividade da execução e o da menor onerosidade ao devedor, promoveu algumas alterações no procedimento executivo. O art. 805, por exemplo, traz, em seu parágrafo único, regra destinada ao executado que eventualmente alegar maior gravosidade da medida executiva. Eis os termos:
Art. 805. […]
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.
A inclusão do disposto no parágrafo único suaviza a aplicabilidade desse princípio e, ao mesmo tempo, valoriza a efetividade da execução. Isso porque, apesar de o legislador possibilitar a substituição da medida executiva mais gravosa, determina que o próprio executado (devedor) indique meio equivalente para a satisfação do crédito. Em suma, não há mais espaço para alegações sem a devida indicação da medida igualmente eficaz à efetivação do direito do credor.
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 55.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições…, vol. IV, op. cit., p. 58.
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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