Aos sujeitos da relação processual o CPC estabelece poderes, deveres, ônus e faculdades.
Ônus são incumbências impostas às partes e cujo descumprimento lhes resulta prejuízo processual. Nesse sentido, diz-se que o réu tem o ônus, entre outros, de apresentar resposta, de contestar, de alegar na contestação toda a matéria de defesa (art. 336) e de impugnar especificadamente os fatos narrados na petição inicial (art. 341). O descumprimento de cada um desses ônus implica distintas consequências processuais.
A revelia decorre da ausência de resposta. Diz-se revel o réu que não atendeu ao chamado constante da citação. O réu que não compareceu a juízo para fazer contestar, alegar a convenção de arbitragem ou apresentar, pelo menos, a reconvenção, é revel.
Parte da doutrina utiliza o termo contumácia para designar a inércia do autor que deixou de desincumbir-se do ônus da prática de um ato processual, como, por exemplo, de se manifestar sobre a alegação de pagamento suscitada na contestação. Para alguns doutrinadores, contumácia é termo genérico, que designa tanto a ausência de resposta do réu quanto a inércia do autor.
A revelia, ou seja, o não comparecimento do réu ao processo, para praticar uma das modalidades de resposta, de regra, acarreta duas consequências processuais: gera a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor (efeito material da revelia) e possibilita a divulgação dos atos decisórios apenas por meio do órgão oficial (art. 346).
Nem sempre a revelia induz presunção de veracidade dos fatos afirmados na inicial. Dependendo do comportamento de um dos réus, da natureza do direito discutido ou da atitude do autor, embora haja revelia, esta não induz seu efeito material. O art. 345 prevê as hipóteses nas quais, não obstante a revelia, não ocorre presunção de veracidade: a) se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; b) se o litígio versar sobre direitos indisponíveis (direito não patrimonial, ou patrimonial com titularidade atribuída a incapaz, por exemplo); c) se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato (quando o documento público for da substância do ato); d) se as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com a prova constante dos autos. “A revelia, que decorre do não oferecimento de contestação, enseja presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial, podendo ser infirmada pelos demais elementos dos autos, motivo pelo qual não acarreta a procedência automática dos pedidos iniciais”. (REsp 1.335.994/SP, j. 12.08.2014).
Igualmente, não incide a presunção de veracidade quando, embora revel o réu, o assistente simples dele, atuando como substituto processual, contestar no prazo legal (art. 121, parágrafo único).
Ainda que ocorra revelia, o autor não poderá alterar o pedido ou a causa de pedir, salvo promovendo nova citação do réu. Esse entendimento, apesar de não estar expresso no Código atual, decorre na interpretação no art. 329, II, que permite ao autor aditar ou alterar a causa de pedir ou o pedido mediante consentimento do réu, desde que até o saneamento do processo. Assim, mesmo que tenham sido decretados os efeitos da revelia, se o autor pretender alterar a petição inicial, é prudente que o magistrado conceda ao réu um novo prazo para se manifestar.
Até agora mencionamos tão somente o efeito material da revelia. A ausência de resposta, entretanto, faz incidir outro efeito: o processual. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, os prazos fluirão da data da publicação do ato decisório no órgão oficial (art. 346). Ou seja, mesmo se o réu for revel, continua sendo obrigatória a publicação dos atos decisórios na imprensa oficial. Porém, sendo o processo eletrônico, a publicação no diário pode ser dispensada, ou seja, a ciência do revel pode ocorrer por meio de publicação apenas no sistema eletrônico? Como o efeito processual da revelia decorre da ausência de constituição de advogado – profissional responsável pelo acesso ao sistema na hipótese de processo eletrônico –, se a parte não está representada por quem deve estar cadastrado no portal eletrônico, jamais haverá a possibilidade de consulta, o que impossibilita a efetiva intimação do ato decisório. Em suma, “ainda que se trate de processo eletrônico, a publicação da decisão no órgão oficial somente será dispensada quando a parte estiver representada por advogado cadastrado no sistema do Poder Judiciário, ocasião em que a intimação se dará de forma eletrônica” (STJ. 3ª Turma. REsp 1.951.656-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/2/2023).
E se já tiver sido proferida sentença contra o réu revel e iniciada a fase de cumprimento dessa decisão, como ficam as intimações?
Apresentado o requerimento de cumprimento, o devedor será intimado para cumprir a sentença. O art. 513, inciso IV, exige que ele seja intimado na fase executiva também por edital, de modo que não será suficiente, segundo o CPC em vigor, a intimação pessoal da Defensoria Pública, quando atuar como curador especial do revel citado na forma do art. 256 do CPC. Nesse caso, mostra-se necessária nova intimação editalícia do executado para o cumprimento da sentença.
Por outro lado, em se tratando de revel que não tenha sido citado por edital – sua citação foi real, mas não houve comparecimento ao processo – e que não possua advogado constituído, o inciso II do art. 513 estabelece que a intimação para cumprir a sentença deverá ocorrer por carta com aviso de recebimento. Como conclusão, nessa hipótese não será aplicável a regra do art. 346 do CPC[1]. Veja, a propósito, decisão do STJ nesse sentido:
“Recurso especial. Direito processual civil. Cumprimento de sentença. Revelia na fase cognitiva. Ausência de advogado constituído. Necessidade de intimação dos devedores por carta para o cumprimento da sentença. Regra específica do CPC de 2015. Registros doutrinários. 1. Controvérsia em torno da necessidade de intimação pessoal dos devedores no momento do cumprimento de sentença prolatada em processo em que os réus, citados pessoalmente, permaneceram revéis. 2. Em regra, intimação para cumprimento da sentença, consoante o CPC/2015, realiza-se na pessoa do advogado do devedor (art. 513, § 2º, inciso I, do CPC/2015). 3. Em se tratando de parte sem procurador constituído, aí incluindo-se o revel que tenha sido pessoalmente intimado, quedando-se inerte, o inciso II do § 2º do art. 513 do CPC fora claro ao reconhecer que a intimação do devedor para cumprir a sentença ocorrerá ‘por carta com aviso de recebimento’. 4. Pouco espaço deixou a nova lei processual para outra interpretação, pois ressalvara, apenas, a hipótese em que o revel fora citado fictamente, exigindo, ainda assim, em relação a esta nova intimação para o cumprimento da sentença, em que pese na via do edital. 5. Correto, assim, o acórdão recorrido em afastar nesta hipótese a incidência do quanto prescreve o art. 346 do CPC. 6. Recurso especial desprovido” (STJ, REsp 1.760.914/SP, Rel. Min Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 02.06.2020, DJe 08.06.2020)[2].
Para facilitar a compreensão:
- Réu citado por edital na fase de conhecimento e declarado revel: sua intimação para o cumprimento da sentença ocorrerá por edital;
- Réu citado pessoalmente na fase de conhecimento e declarado revel: sua intimação para o cumprimento da sentença ocorrerá por carta com aviso de recebimento.
Mesmo com a revelia o réu poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar (art. 346, parágrafo único). Pode, por exemplo, produzir provas sobre matéria não alcançada pela presunção de veracidade. Aliás, nos termos da Súmula nº 231 do STF, “o revel, em processo cível, pode produzir provas desde que compareça em tempo oportuno”. O art. 349 reforça esse entendimento ao prever que “ao revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção”.
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[1] “Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.”
[2] No mesmo sentido: “É imprescindível a intimação do réu revel na fase de cumprimento de sentença, devendo ser realizada por intermédio de carta com Aviso de Recebimento (AR) nas hipóteses em que o executado estiver representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos”. (STJ, 4ª Turma, REsp 2.053.868-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 6/6/2023).
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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