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Indignidade e deserdação: hipóteses de exclusão dos sucessores, procedimento, prazo, limites e posicionamento da jurisprudência.

Indignidade e deserdação: hipóteses de exclusão dos sucessores, procedimento, prazo, limites e posicionamento da jurisprudência.

O nosso ordenamento estabeleceu algumas regras em relação à legitimação sucessória. Ou seja, a aptidão para ser sucessor, herdeiro ou legatário depende do preenchimento de alguns pressupostos expressamente previstos no Código Civil.

O primeiro deles está genericamente previsto no art. 1.798. De acordo com esse dispositivo, legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Trata-se de regra que se aplica tanto à sucessão legítima quanto à sucessão testamentária, e significa dizer que todas as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão – que ocorre no exato momento do falecimento do autor da herança –, têm a especial capacidade para suceder, desde que não tenham sido excluídas por alguma razão.

Nesse espaço abordaremos as causas de indignidade e de deserdação, que motivam a exclusão dos sucessores (herdeiros ou legatários). São hipóteses elencadas pelo legislador que se revestem de alguma reprovabilidade e, justamente por isso, devem acarretar, em prejuízo do sucessor, a impossibilidade de gozo do patrimônio alheio.

Inicialmente é preciso ter em mente que para a transmissão da herança, a qual ocorre, como visto, de forma automática, no momento da abertura da sucessão (regra de saisine), não há qualquer busca sobre a existência ou não de afeto entre o autor da herança e o respectivo sucessor. Por isso, se um pai que vem a falecer deixa como herdeiro apenas um filho, com quem não possui contato há anos, isso não significa que este será excluído da sucessão. Contudo, se comprovado, por exemplo, que esse filho praticou crime de injúria contra o genitor ou sua companheira, ele será privado do recebimento da herança, conforme possibilita o art. 1.814, II, do Código Civil.

Em primeiro lugar importa esclarecer que os institutos ora abordados – indignidade e deserdação – não se confundem com a falta de legitimação sucessória. Herdeiros ou legatários excluídos da sucessão por indignidade ou deserdação possuem legitimação sucessória, embora não possam figurar na ordem de vocação sucessória. Eles são, em verdade, herdeiros aparentes, que só podem ser efetivamente excluídos da sucessão por decisão judicial. Por essa razão é que o art. 1.817 do Código Civil considera válida a alienação a terceiros de boa-fé ou os atos de administração praticados pelo herdeiro antes da sentença de exclusão.

A principal diferença entre essas causas de exclusão é que, enquanto a indignidade pode ser aplicada a qualquer herdeiro (legítimo ou testamentário), por iniciativa de qualquer interessado, a deserdação objetiva a exclusão apenas dos chamados herdeiros necessários, ou seja, daqueles descritos no art. 1.845 do Código Civil: descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro, por vontade expressa do autor da herança externada em disposição testamentária. Outra diferença está no momento da prática do ato: como a deserdação é formalizada em testamento, a causa geradora sempre estará ligada a um fato ocorrido antes da morte, que chegou ao conhecimento do autor da herança e lhe permitiu manifestar em testamento a pretendida exclusão. A indignidade, por outro lado, pode ocorrer em momento anterior ou posterior à abertura da sucessão.

As causas ensejadoras da exclusão são as seguintes:

Embora esse rol seja classificado como taxativo, que não admite analogia nem interpretação extensiva, não é adequado fazer uma mera interpretação literal da legislação para obter o seu alcance. Por exemplo: quando o inciso I do art. 1.814 do CC/2002 trata da prática de crime doloso, ele também está incluindo a prática de ato infracional equiparado a esse crime? Como se sabe, crime e ato infracional não se confundem, mas essa distinção deve ter importância para o âmbito penal, e não para a esfera cível. Por isso é que, a partir de uma perspectiva teleológica-finalística, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conclui que se o objetivo do enunciado normativo do art. 1.814, I, do CC/2002 é o de proibir que tenha direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, é juridicamente possível o pedido de exclusão do herdeiro em virtude da prática de ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado (STJ, 3ª Turma. REsp 1938984-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/02/2022). Situação diversa ocorreria se o herdeiro tivesse praticado homicídio culposo contra seus pais. Nesse caso, por não haver o elemento intencional indicado expressamente no Código Civil – dolo –, não há como admitir a exclusão ao crime praticado na modalidade culposa.

Nos casos de indignidade ou deserdação a qualidade de sucessor é mantida até o momento em que o juiz declara a exclusão do herdeiro ou legatário. Na indignidade a exclusão depende de sentença transitada em julgado, proferida pelo juízo das sucessões; na deserdação, exige-se a prévia manifestação do autor da herança em testamento, que será homologado em juízo (homologação do testamento, submetida ao procedimento de jurisdição voluntária). De toda forma, mesmo no caso de deserdação deverá ser promovida ação perante o juízo cível, não bastando a imputação conferida em testamento.

Ambas as causas exigem, portanto, a propositura de uma ação judicial. Trata-se de uma ação autônoma, de modo que não poderá haver discussão quanto às causas ensejadoras da exclusão, por exemplo, no âmbito do próprio inventário (STJ, 3ª Turma, REsp 1704972, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 09/10/2018, DJe 15/10/2018). A ação deve ser proposta no prazo decadencial de quatro anos, contado da abertura da sucessão (art. 1.815, § 1º, CC/2022) e seguirá o rito do procedimento comum.

A legitimidade para a ação de indignidade é ampla, pois qualquer interessado na sucessão poderá propô-la, assim como para a ação de deserdação. O Ministério Público, contudo, não possui legitimidade, exceto para a hipótese do inciso I do art. 1.814 do CC (art. 1.815, § 2º). Com efeito, o Ministério Público poderá ajuizar ação pedindo a declaração de indignidade caso o herdeiro ou legatário tenha sido autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso (consumado ou tentado) ou tenha praticado esse mesmo crime contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente. Embora essa seja a interpretação literal e que vem sendo aplicada pela jurisprudência, é preciso salientar que segundo a doutrina, o Ministério Público pode agir sempre que houver interesse público. Nesse sentido é o Enunciado 116 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “O Ministério Público, por força do art. 1.815 do novo Código Civil, desde que presente o interesse público, tem legitimidade para promover ação visando à declaração da indignidade de herdeiro ou legatário”.

Ainda em relação à esfera criminal é necessário estabelecermos uma diferença: para o caso de crime contra a honra (segunda parte do inciso II do art 1.814 do CC), a doutrina majoritária entende que somente depois do trânsito em julgado do reconhecimento da responsabilidade penal é que o juízo das sucessões poderá excluir, por sentença, em ação pelo procedimento comum, a participação sucessória.

“Há uma explicação para a exigência de prévio exaurimento da instância penal. É que, ordinariamente, os crimes contra a honra são apurados mediante ação penal privada, de iniciativa do ofendido, ou mediante representação do Parquet. Assim, se o de cujus ainda em vida se manteve inerte à frente da prática criminosa do sucessor, não faz sentido que, depois de moto, venham terceiros buscar a punição civil, quando a própria vítima assim não o fez (…)” (FARIAS, Cristiano Chaves de. [et al]. 6. Ed, Salvador, Juspodivm, 2021, p. 1414/1415).

Por outro lado, para a hipótese do inciso I do art. 1.814 (homicídio doloso tentado ou consumado), não se exige prévia condenação no juízo criminal. Mesmo que o processo criminal ainda esteja tramitando, o interessado pode ingressar com a ação de indignidade, observando o prazo decadencial de quatro anos. A desnecessidade do procedimento criminal também se aplica às ofensas físicas (causas de deserdação), que podem ser comprovadas no juízo cível.

Uma dúvida que pode surgir é a seguinte: se a causa que permite a exclusão já tiver sido reconhecida pelo juízo criminal, ainda assim haverá necessidade de sua declaração pelo juízo cível? O entendimento que prevalece é no sentido de que, devido à independência entre as instâncias cível e criminal, ainda que exista processo criminal válido e com sentença transitada em julgado, não poderá haver exclusão automática do sucessor. Ou seja, sempre haverá necessidade de propositura de ação perante o juízo sucessório.

Outra questão importante está relacionada aos efeitos da declaração de exclusão proferida pelo juízo cível/sucessório. Entende-se que eles são retroativos, ou seja, ex tunc, o que quer dizer que o excluído da sucessão terá que restituir os frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido, embora tenha direito a ser indenizado das despesas com a conservação deles. Caso tenha ocorrido a alienação de bens antes da sentença de exclusão, ainda restará aos herdeiros, quando prejudicados, o direito de demandar contra o excluído eventuais perdas e danos.

Temos que abordar, ainda, a hipótese de sucessão por representação. De acordo com o art. 1.816 do CC, são pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão”. Como a exclusão tem um viés punitivo, a penalidade aplicada não poderá atingir outra pessoa além do próprio apenado, de modo que seus herdeiros serão chamados a receber a sucessão como se aquele que foi excluído já estivesse morto à época da abertura da sucessão. Pela mesma razão o excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.

Por fim, alertamos sobre a possibilidade de reabilitação do indigno, caso ocorra o perdão do ofendido. É claro que essa hipótese ocorrerá quando for possível ao autor da herança manifestar-se nesse sentido (no caso de homicídio tentado ou na hipótese de perdão no próprio testamento, por exemplo). Essa reabilitação também se aplica aos casos de deserdação, embora o Código Civil não tenha disciplinado a respeito, como fez na hipótese de indignidade.

A reabilitação dependerá de manifestação expressa, não sendo admitido perdão tácito. Também não se admite posterior arrependimento, já que o perdão é um ato jurídico irretratável. Excepcionam-se apenas os casos em que o perdoado venha a ser reputado indigno por outro ato praticado após a reabilitação. 

Tatiane Donizetti

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